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Manuel Beninger

quinta-feira, 29 de março de 2012

Professora da Universidade do Minho coordenou enciclopédia das rainhas portuguesas

A primeira grande história das 32 rainhas consortes de Portugal, em 18 volumes escritos de raiz por 28 especialistas de vários países, teve a coordenação de Isabel dos Guimarães Sá, professora do Departamento de História da Universidade do Minho, e de Ana Maria Rodrigues e Manuela Santos Silva, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Intitulada “Rainhas de Portugal”, esta é uma coleção editada pelo Círculo de Leitores onde se revela ao grande público o lado feminino dos oito séculos da monarquia portuguesa, colmatando silêncios da historiografia tradicional, sempre mais atenta aos homens.
O projeto teve início em 2005 e desde o passado mês de outubro que foram editados seis livros, saindo os restantes à média de um por mês. «A inovação foi, sem beliscar o rigor científico, centrar o olhar nas rainhas, dar-lhes “corpo e carne”, pois apesar da sua subalternidade muitas eram resistentes e sempre prontas a resolver contratempos», diz Isabel Sá. Assim, a coleção traz uma perspetiva diferente da conhecida na escola, nos filmes e jornais, sem tornar as rainhas em poços de vícios ou modelos de virtudes.
Para tal, a coordenadora sublinha que foram utilizadas fontes até hoje pouco exploradas, que revelam falsas imagens, ligações de bastidores e as entrelinhas das linguagens formais dos afetos. Houve monarcas marcantes como a educadora D. Filipa de Lencastre, a diplomata D. Isabel de Aragão, a polémica D. Carlota Joaquina ou a mal amada D. Amélia, às portas da revolução republicana. Nem sempre a imagem que ficou lhes fez justiça e o imaginário sobrepõe-se, como a “santa” D. Isabel de Aragão, a “aleivosa adúltera” D. Leonor Teles e a “vaidosa” D. Maria Pia.
«Algumas rainhas estavam “encomendadas” antes de nascer, destinadas a procriar para continuar a dinastia em que se integravam. A sua principal função era dar à luz crianças viáveis para trocar no mercado matrimonial, pois a educação e amamentação destas era muitas vezes feita pelas amas e aias. O casamento era por isso um negócio de aliança político-económica, pelo amor à diplomacia; em geral os noivos só se conheciam na cerimónia», resume Isabel Sá.
E se D. Maria de Aragão teve dez filhos, houve casos sem descendência efetiva, como D. Estefânia de Hohenzollern, que faleceu supostamente virgem aos 22 anos, D. Leonor de Lencastre, cujo filho morreu num acidente de cavalo, e D. Catarina de Áustria a quem só dois de nove filhos atingiram a adolescência e morreram antes dos 20 anos. Ainda assim, D. Joana, filha de D. Afonso V, recusou vários noivos e D. Isabel de Castela só casou com D. Manuel I depois de este expulsar os judeus do reino. «Além do número de filhos, o poder da rainha dependia do sexo destes, da influência da família de origem, da sua fortuna, capacidade diplomática e da conjuntura transnacional», explica.
Foi o que sucedeu com D. Leonor de Lencastre, mulher de D. João II, com apenas um filho e acamada muitos anos após uma doença grave em 1494, mas que era poderosa e rica. «Ela era uma Avis do ramo Viseu-Beja, que detinha a Madeira, o maior centro de produção de açúcar que exportava para toda a Europa no século XV», elucida a historiadora. «Os seus laços familiares com Castela chegaram a ser mais fortes do que com o rei de Portugal, o que teve uma influência decisiva na nossa História dinástica. Quando o herdeiro morreu, D. João II queria um bastardo no trono mas D. Leonor fez manobras diplomáticas junto dos reis católicos e da Santa Sé para o impedir. Os documentos não o dizem ipsis verbis, mas percebe-se. Castela não queria o bastardo e tinha o exército a postos para intervir se fosse necessário. Foi o triunfo dos Beja», conta, realçando que esta nova leitura deve-se ao cruzar das fontes transnacionais.

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