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Manuel Beninger

terça-feira, 24 de julho de 2012

"A inconstitucionalidade das equivalências extra-académicas" - artigo do Prof. Jorge Miranda

1. A Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, alterou a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (lei de bases do sistema educativo), dispondo, designadamente, entre outras coisas no art. 13.º, n.º 5, que "os estabelecimentos de ensino superior reconhecem, através da atribuição de créditos, a experiência profissional e a formação pós-secundária dos que nele sejam admitidos através das modalidades especiais de acesso a que se refere o n.º 5 do artigo 12.º".
E este, por seu turno, prescreve que "têm igualmente acesso ao ensino superior, nas condições a definir pelo Governo, através de decreto-lei: – a) Os maiores de 23 anos que, não sendo titulares da habilitação de acesso ao ensino superior, façam prova de capacidade para a sua frequência através da realização de provas especialmente adequadas, realizadas pelos estabelecimentos de ensino superior; – b) Os titulares de qualificações pós-secundárias apropriadas.
2. No desenvolvimento da Lei n.º 46/86, com as alterações da Lei n.º 49/2005, o Governo publicou o Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de março, em cujo art. 45.º (com a epígrafe de creditação), e num capítulo intitulado mobilidade, se estatui:
"1 – Tendo em vista o prosseguimento de estudos para a obtenção de grau académico ou diploma, os estabelecimentos de ensino superior:
a) Creditam nos seus ciclos de estudos a formação realizada no âmbito de outros ciclos de estudos superiores em estabelecimentos de ensino superior nacionais ou estrangeiros, quer a obtida no quadro da organização decorrente do Processo de Bolonha, quer a obtida anteriormente;
b) Creditam nos seus ciclos de estudos a formação realizada no âmbito dos cursos de especialização tecnológica nos termos fixados pelo respetivo diploma;
c) Reconhecem, através da atribuição de créditos, a experiência profissional e a formação pós-secundária.
2 – A creditação tem em consideração o nível dos créditos e a área científica onde foram obtidos.
3 – Os procedimentos a adoptar para a creditação são fixados pelos órgãos legais e estatutariamente competentes dos estabelecimentos de ensino superior."
A norma da 1.ª parte da alínea c) do n.º 1 e a do n.º 3, in fine, deste artigo 45.º devem considerar-se inconstitucionais, aquela por violação do princípio da igualdade consignado no art. 13º da Constituição e esta por infracção do art. 112.º, n.º 5, 2.ª parte, e também do artigo 13.º.
3. A violação do princípio da igualdade resulta, desde logo, do confronto com as alíneas a), b) e c), 2.ª parte, do n.º 1. Há uma contradição interna neste n.º 1.
Como podem ser declaradas relevantes, no mesmo plano, por um lado, a formação realizada no âmbito de outros ciclos de estudos superiores em estabelecimentos de ensino superior nacionais e estrangeiros, a formação realizada no âmbito de cursos de especialização tecnológica e até a formação pós-secundária e, por outro lado, a experiência profissional?
Como pode admitir-se que se coloquem em paridade a aprendizagem feita ao longo de sucessivos anos de estudo e de provas de avaliação em Universidades e Institutos Politécnicos e a experiência profissional, pura e simplesmente? Por certo, não é preciso andar na escola para adquirir uma preparação intelectual e humana maior ou menor. Mas isso é muito diferente da preparação académica que somente a escola, no seu ambiente próprio de contacto dos professores e alunos, pode propiciar.
Nem se invoque, em contrário, o objectivo da democratização da educação, da cultura e da ciência do art. 73.º da Constituição, porque esse objectivo alcança-se, sim, através da garantia do acesso de todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística, conforme o art. 74.º, n.º 2, alínea d) e sem esquecer a elevação do nível educativo, cultural e científico do país a que alude o art. 76.º, n.º 1.
4. O art. 112.º, n.º 5, 2.ª parte, da Lei Fundamental, prescreve que nenhuma lei pode conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos. Actos legislativos são apenas em Portugal a lei, o decreto-lei e o decreto legislativo regional, diz o art. 112.º, n.º 1, e tudo que seja matéria de lei só pode ser objecto de um desses actos legislativos.
Ora, relativamente aos cursos e à formação a que se referem as alíneas a), b) e c), 2.ª parte, há critérios geralmente assentes nas escolas de ensino superior e, de qualquer forma, o n.º 2 ainda considera, para efeito de creditação, o nível dos créditos e a área científica. Já não no tocante à experiência profissional: tanto a alínea c), 1.ª parte, como o n.º 3, in fine, são normas em branco, não têm nenhum conteúdo, implicitamente reenviam para os órgãos competentes a definição dos critérios – o que é bem diverso de se lhes remeter a adopção dos procedimentos correspondentes.
O art. 12.º, n.º 5 da lei de bases do sistema educativo, como se viu atrás, atribui a definição das condições de acesso ao ensino superior, nos casos que contempla, ao Governo por meio de decreto-lei. Ao invés, o Decreto-Lei n.º 74/2006 deixa às Universidades e aos Institutos Politécnicos, públicos e privados, tal tarefa; delega em regulamentos que eles façam determinar o que se entende por experiência profissional, qual a sua duração e a sua intensidade, qual a responsabilidade social que envolve, quais as suas relações com o curso universitário ou politécnico que o interessado pretende prosseguir.
Objectar-se-á talvez que é isto em nome da autonomia universitária do art. 76.º ainda da Constituição. Também não. A autonomia científica, cultural, pedagógica das Universidades tem em vista as suas actividades próprias, de ensino e investigação. Não tem por objecto a observação e a definição desta ou daquela actividade exterior.
5. Ainda aqui vamos encontrar, de novo, infracção do princípio da igualdade, porque, como a lei não fixa critérios, tudo variará de Universidade para Universidade (como se tem visto), abrindo caminho a que pessoas com idêntica ou similar experiência profissional venham a ser tratadas de modo diverso, ali com rigor, aqui com facilitismo, etc.
Igualdade consiste em tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual. Porém, saber o que é igual ou desigual pressupõe um padrão, um ponto fixo, um padrão que somente a lei poderia oferecer, e o Decreto-Lei n.º 74/2006 não oferece
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A direcção e os Conselhos Científico e Pedagógico da Faculdade de Educação Física da Lusófona recomendam "toda a prudência" na creditação da experiência profissional dos alunos e aconselham uma reflexão sobre esta matéria, na sequência da polémica licenciatura de Miguel Relvas.
Num comunicado assinado pelo director Jorge Proença e a que a agência Lusa teve acesso, a Direcção e Conselhos Científico e Pedagógico da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona afirmam que são " muito raros os casos em que é concedida creditação total a uma disciplina", garantindo que esta faculdade "sempre utilizou critérios de grande exigência".
"E, todavia, há estudantes com forte currículo profissional", realçam, dando como exemplo a judoca Telma Monteiro.
"Toda a prudência é recomendada na creditação de experiência profissional não avaliada ou avaliada por critérios e pessoas que desconhecemos", recomendam.
Este comunicado surgiu na sequência de uma reunião ordinária de 2.º semestre e do ano lectivo 2011/2012 que juntou o director, o Conselho Científico, o Conselho Pedagógico, todo o corpo docente e representantes de estudantes dos cursos da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona.
No texto que elaboraram, os responsáveis recordam o caso da licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais do ministro Miguel Relvas, que deu polémica por causa do número de equivalências (32) que obteve na Universidade Lusófona.
Recordando que as várias faculdades que integram a Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias "gozam de autonomia científica e pedagógica", os responsáveis da Faculdade de Educação Física e Desporto realçam, contudo, que "dos processos de decisões tomadas ao abrigo dessa autonomia devem os autores ser responsabilizados".
"É reconhecida, interna e externamente, pela comunidade académica e profissional, a identidade, o rigor e a exigência própria dos Cursos e da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona", sublinham, acrescentando: "É tempo de terminar inqualificável mistificação a que temos assistido, afectando o profissionalismo, a competência e até a seriedade e credibilidade de que somos credores".
"Porquê onerar centenas de docentes e muitos milhares de alunos com o estigma de um ato sem sentido praticado por alguém há muito demitido das suas funções" questionam os responsáveis da faculdade.
As equivalências no caso da licenciatura de Miguel relvas foram validadas pelo ex-reitor da Universidade Lusófona no Porto, que na semana passada foi substituído no cargo por Isabel Lança.
O caso da licenciatura de Miguel Relvas deu polémica por causa do número de equivalências que obteve na Lusófona.
De acordo com o processo do aluno, foram atribuídos 160 créditos a Miguel Relvas no ano lectivo 2006/2007. Com as equivalências atribuídas pela Universidade, Relvas apenas teve de fazer quatro disciplinas semestrais.
A Procuradoria-Geral da República está a analisar todas as notícias sobre a Universidade Lusófona e o ministro da educação anunciou quarta-feira que a auditoria a esta instituição já tinha arrancado.

1 comentário:

  1. Estou de acordo com o Professor Jorge Miranda.

    É necessário esclarecer que Universidade Lusófona é igual a Maçonaria, pois lêm todos pela mesma cartilha.

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