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Manuel Beninger

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

CONTOS DE AMOR E DESAMOR

O livro "Contos de Amor e Desamor", da autora Paula Teixeira de Queiroz, foi efectuado a apresentação e lançamento em vário locais do país.
Neste passado Sábado o lançamento foi na Ponte de Barca onde a apresentação esteve a cargo de Fernando Sá Monteiro, que também o fez no Porto.
Como se terá sentido o ex-presidente do PPM ao apresentar este livro.
Este Conto que o PPM-Braga aqui apresenta está nas páginas 35 a 39 do livro.
A Conspiração Azul E branca
Um dia combinaram tomar de assalto a Câmara e aí hastear a bandeira monárquica. A proeza valeu-lhes três minutos de fama nos ecrãs da televisão e meia dúzia de linhas na imprensa sensacionalista, no Correio da Manhã ou no 24 Horas, já não se lem­brava bem.
Arrancou as flores da cabeça, atirou com o bouquet ao chão e selvaticamente gritou: "Viva a república!", e repetiu: "Viva, viva, viva a república... seus asnos!"
Aguentou até onde pôde, mas no meio do seu casamento darem vivas ao rei... era de mais! E depois, qual rei? Onde é que estava o rei? Podia ser uma jovem inexperiente, mas não iria pactuar com a bacoquice dos amigos do já marido, que, como ele, tinham a mania de que eram monárquicos. Muitos deles eram uns pés-rapados que não tinham onde cair mortos e juntavam-se à Causa Real como uma tábua de salvação, ou para pertencer a qualquer coisa, sabia lá! Já se tinha interrogado, qual a motivação daquele bando de frustrados, se tivessem coisas úteis para se ocupar, não andavam com a mania da "conspiração azul e branca", como ela sarcasticamente lhes chamava.
O chefe da Causa, coitado, de origens modestas, andava à procura do que não tinha: reconhecimento social. Claro que não era preciso ser de sangue azul para se ser monárquico, no entanto eram os pretensos "nobres" que engrossavam as fileiras.
E que sangue azul? A maioria eram nobres da treta, feitos à pressa, os títulos comprados com sangue de negreiros, gente aflita por dinheiro que vendia o título, serviçais do rei D. Luís que era pródigo nessas démarches (parece que a coroa precisava de dinheiro) de atribuir (vender) títulos a torto e a direito...
E quem realmente era "real" não se metia nessas fantochadas.
Conheceu o Jorge em frente à Câmara, pasme-se, o mesmo local onde fora proclamada a república 99 anos antes, la apressada, a descer os degraus para o parque de estacionamento subterrâneo e o salto do sapato ficou-lhe preso na grade do respiradouro. No acto de cair, a sentir o vazio vertiginoso, umas mãos fortes seguraram-na. Levantou a cabeça e deu com uns olhos extraordinariamente límpidos, nem castanhos nem verdes, aquela cor tão portuguesa, azeitona... Notava-se que era mais velho do que ela, até já tinha umas atraentes suíças grisalhas, mas isso não a impediu de sentir um baque...
Depois do providencial salvamento seguiram-se uma série de: "Como se sente? Magoou-se? Precisa de alguma coisa? Deixe-me levá-la a beber uma água...", via-se que ele também estava perturbado, da boca saía-lhe um chorrilho de incoerências... e, ao ver a sua atrapalhação... apaixonou-se por ele.
"Isso não existe", diziam-lhe as irmãs, a mãe, as amigas. "Amor à primeira vista? Que cliché, 'tástantã, que pirosice..."
Tudo foi uma confusão. O Jorge era vinte anos mais velho e divorciado. Ela tinha um namorado desde a primária, o Ruizinho. Eram mais irmãos do que namorados, mas não se questionavam sobre a natureza dos seus sentimentos. Sempre foram os melhores alunos desde a Primária, licenciaram-se em Sociologia, fizeram o mestrado e agora preparavam o doutoramento. Não tinham tempo para se demandar sobre nada a não ser as pesquisas académicas. Presentemente andavam atrás dos franciscanos pelo país fora, para ver até onde a sua influência se tinha feito sentir em Portugal; "Ratos de biblioteca", como os amigos lhes chamavam.
E o Jorge veio alterar tudo. Foi um pé-de-vento nas duas famílias, tão acomodadas àquele namoro de águas mansas. "As águas paradas são as piores", sentenciava a bisavó Carolina Aurora, tão velhinha que se lembrava da monarquia, da tragédia do Senhor D. Carlos, do pobre do principezinho, da Senhora D. Amélia, da balbúrdia da 1.ª República. Quanto mais velha mais a memória se lhe aguçava, na proporção do distanciamento da realidade que pouco lhe interessava.
E, de facto, com a entrada do Jorge em cena, as águas paradas andaram tão agitadas que a mãe do Ruizinho teve um pinipaque e foi internada de urgência no São Francisco de Xavier, sendo transferida de imediato para a Clínica de Santa Cruz, em Carnaxide, onde foi operada ao coração.
Escusado será dizer que a família do Ruizinho nunca lhe perdoou, excomungou-a até. Ainda foram faiar com o padre da paróquia de Belém, mas ele sensatamente mandou-os ter juízo. Isso já não se usava! Deixassem a rapariga em paz: se não queria o Ruizinho, antes agora do que depois de casados...
E foi com o Jorge que entrou num mundo novo que, por deficiência profissional, começou a olhar com olhos cirúrgicos. Ali estava um bom elemento dc estudo, os monárquicos, saudosistas dum passado enterrado há cem anos, do qual não tinham a mínima noção e conhecimento, a não ser muito pela rama. Muito de leve, como leves eram as suas cabeças petulantes.
Assistia às reuniões com um distanciamento que lhe permitia fazer uma análise fria e rigorosa. Um dia combinaram tomar de assalto a Câmara e aí hastear a bandeira monárquica. A proeza valeu-lhes três minutos de fama nos ecrãs da televisão e meia dúzia de linhas na imprensa sensacionalista, no Correio da Manhã ou no 24 Horas, já não se lembrava bem. Este ano, já em pleno dia e comemoração dos ideais da República, um grupo, em jeito de arruaça, desembarcou simbolicamente perto do Terreiro do Paço, dirigiu-se em correria ao largo de Camões e hasteou de novo a bandeira da Casa Real, pedindo um referendo, em Portugal, à República. Pareciam garotos traquinas a querer dar nas vistas. Muitos deles estavam desempregados; a sua condição de "nobres" não se coadunava com as exigências do actual mercado de trabalho. Tinham uma conversa que os "outros" não entendiam e os lamentavam com um olhar de piedade. Viviam na esperança de ser cavaleiros da Ordem de Malta - e para isso fazia falta dinheiro - e para o jantar anual dos Conjurados, sempre na véspera do 1.º de Dezembro.
Mas encontrava-se naquele arrebatamento e estado de paixão em que apenas os sentidos contam, os nervos à flor da pele e cada toque do Jorge deixava-a em brasa, literalmente em brasa. E, justiça lhe seja feita, para católico e monárquico, os seus dotes como amante em muito extravasavam as suas convicções e o fervor com que orava ria missa de domingo. As longas confissões antes da missa deviam ser um reflexo do pecado da luxúria que o dominava. Era sensual, lascivo, os lábios grossos sempre húmidos, os olhos esverdeados, aguados, provocavam nela sentimentos até aí adormecidos e rendia-se aos sentidos. Andava num estado de exaltação que mal a deixava comer. Emagreceu cinco quilos, esqueceu-se dos franciscanos e perdeu-se nos jogos eróticos que o Jorge tão bem conhecia.
Este tinha sido abandonado pela mulher, uma rapariga de boas famílias, mas lúcida e prática, que percebeu que nunca teria uma vida como as amigas (férias no estrangeiro, uma boa casa, um bom carro e empregada) e lhe exigiu o divórcio quando se cansou das paranóias monárquicas, da falta de dinheiro e dos seus jogos libidinosos.
Queria à viva força anular o casamento, mas nem com as cunhas ao bispo amigo da sua excelsa família, conseguiu fundamentação para isso. "Tenha paciência, Jorginho, tivesse visto com quem casava, esse passo não se dá levianamente, o casamento católico é para a vida...", e ria-se para dentro. Estes jovens querem ter tudo, e tudo não se pode ter...
Assim, no arrebatamento da paixão em que ambos se encontravam e, não querendo melindrar a amada quanto à veracidade dos seus sentimentos, junto ao Cais das Colunas, numa noite de luar e brisa quente vinda do norte de África, c sangue a latejar, pediu-a em casamento.
Os pais dele insurgiram-se, a rapariga não era uma das deles, os amigos aconselharam-lhe cautela, eram quase todos solteirões e viviam para a Causa, o casamento seria para mais tarde quando assentassem e quisessem constituir família. Mas nada demovia o Jorge, a delicadeza de Mariana, a sua elegância, as suas formas curvilíneas bem pronunciadas enlouqueciam-no. Era jovem e fresca, inteligente e... senhora de um bom pé de meia, dinheiro novo, 'tá bem, - os pais eram médicos de ascendência judaica - um bom emprego, uma bonita casa toda montada na Quinta Patino, lá para os lados do Estoril, ele também sabia fazer contas à vida, olha se a Mafaldinha não o tinha deixado quando viu que ele não saía da cepa torta com aquele empregozeco na agência de viagens... Pois é, como diz o outro. boas contas faz o preto!
E marcaram o casamento, seria pelo civil até esperar 9 tão almejada anulação do seu primeiro desaire, mas com a dignidade de um casamento católico. Os pais da noiva não tiveram outro remédio senão oferecer a festa. Convidaram o bispo amigo, que condescendeu em dar-lhes uma bênção reservada. O conservador do Registe Civil deslocou-se ao casarão dos futuros sogros onde no sítio da cerimónia foi colocado um Cristo discreto e pronunciaram os votos, olhos nos olhos e o coração a palpitar por mais uma noite de luxúria, de tudo ao monte e fé em Deus, como diziam as melhores amigas e confidentes dela.
Ninguém esperava é que para o fim da noite, muitos convidados já se tinham retirado, os amigos da Causa, os fervorosos, com os espíritos toldados pelo excelente vinho do sogro, muitas misturas, muito vapor etílico, zarpassem da bandeira azul e branca e desatassem aos "vivas ao rei".
Num relance, talvez devido ao adiantado da hora, ao cansaço, a um resquício de lucidez e à sua enorme agudeza de espírito, até aí toldada pelos sentidos, apaixonada Mariana vira-se do avesso e põe fim à festa e ao casamento que mal tinha começado.
O seu pai, no jardim, fumando um havano preocupado, ao abrigo duma buganvília, levantou os olhos ao céu e deu um suspiro de alívio: "Arre, já não era sem tempo!"

2 comentários:

  1. Eu respondo ao Amigo Manuel Beninger com o desassombro que me é reconhecido.
    Se o Manuel Beninger tivesse assistido, teria verificado que eu escolhi exactamente este Conto, e mais dois, dos XXXVIII que compõem o livro da escritora Paula Teixeira de Queiroz.
    Obviamente que a Escritora me merece o Respeito e Admiração pelo desassombro que sempre coloca em tudo o que escreve, com uma encantadora e bem feminina prosa, em muitos aspectos apaixonante e provocadora.

    Como o video que foi feito termina exactamente no ponto em que começo a deter-me sobre esse Conto, e porque o Manuel Beninger entendeu verter para aqui a totalidade desse mesmo texto do livro, permito-me deixar aqui as palavras em que me referi especificamente a ele:

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  2. "Não posso, nem quero, terminar esta apresentação do livro “Contos de Amor e Desamor” sem algumas considerações ao Conto V, “A Conspiração azul e branca”.

    Ora ouçamos a autora: LER

    Pois aqui vos deixo uma revisão de um Monárquico assumido, curiosamente mais perto do sentir da escritora do que ela pensa. Talvez porque sendo monárquico sou naturalmente republicano. E ela – Paula Teixeira de Queiroz - sem pensar nisso, deixando visivel uma postura republicana assumida, não absorve que provavelmente é muito mais monárquica do que se julga...

    Como um dia escrevi, “Ser monárquico, é sonhar a inocência singular duma fidelidade a ideais de cavaleiro andante, a juramentos impregnados da candura do acreditar na beleza original. Ser monárquico, é recriar a imagem da saudade paterna, do aconchegante regaço maternal, da inocência de padrões de conduta, que mergulham nas raizes mais distantes. Por isso me confesso pecador! Por acreditar nessa simbiose de saudade e futuro, de passado e presente, qual grito rebelde de liberdade, voando por memórias renascidas. Por isso me confesso pecador! Por ter presente dia a dia, que o Rei da minha nostalgia desejada, transforma em poema todas as vagas profundas e enfurecidas dum grito de igualdade, suportado por recordações de injustiças e mãos vazias. Por acreditar nesta bandeira azul e branca, símbolo dum dia claro de sol vibrante e águas límpidas.”.

    A vantagem dos monárquicos está na circunstância de não serem anti-republicanos, mas antes de serem, além de republicanos, monárquicos.
    Só por conclusão somos monárquicos, defendendo a necessária invenção da instauração do poder real, como chave da abóbada do corpo político, com essa instituição de direito natural.

    Aliás, algum propagandismo antimonárquico que continua a disparar os odientos tiros do Buiça, de 1908, não repara que o mesmo lhes saiu pela culatra, vitimizando Sidónio em 1918, e António Granjo e Machado Santos, em 1921, para não falarmos em Humberto Delgado, em 1965.

    E também não repara que o fundador do conceito de ética republicana e de Estado de Direito, um tal Kant, também era monárquico, tal como o teórico da representação e da separação de poderes, Montesquieu.

    Por isso fica aqui esta minha manifestação política e ideológica. Pois em que manual se encontra escrito que numa apresentação de um livro o apresentador não possa tecer crítica a personagens criadas além do elogio ao escritor?

    Afinal, a Literatura não é esse misto de criação, conjugado com a subtil explanação de ideais, sentimentos, sonhos e devaneios, alegrias e tristezas, grandezas e misérias?”

    Creio, Manuel Beninger, que não deixei por um momento de acreditar neste Sonho e Ideal, como sempre o entendi e defendi desde há mais de 45 anos.

    Poderei ser incómodo para muitos, anarquista perante certa “casta” (vasta) de monárquicos, politicamente incorrecto para muitos outros.

    Talvez porque a minha Escola foi o PPM das suas origens, onde bebi as lições dos grandes Mestres e Ideólogos que sempre refiro e nunca esqueço. E lembrar, ou relembrar, Henrique Barrilaro Ruas, João Camossa e outros já desaparecidos, é de algum modo colocar-me na sua sombra acolhedora e fortificante.

    Não mudei, não quebrei, não esmoreci. Apenas cresci e deixei de acreditar em Milagres vindos de dentro do sistema.

    Acredito na Revolução e acerca desta muito teríamos a conversar e assim o espero.

    Um abraço, Companheiro!

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