Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

sábado, 8 de setembro de 2012

Há 100 anos: O proletariado agrícola de Évora contra a República dos “doutores”!


O «Estado de Sítio» de 1912 às portas da «revolução social»?
©Joaquim Palminha Silva*

«O dia 13 de Março é, pois, uma data que marca
o divórcio da República com o proletariado
»
In jornal Terra Livre, n.º 6, 20 de Março de 1913


I

No mês de Janeiro de 1912, uma escaldante greve estalou em Évora, na sequência da recusa dos agrários em quererem pagar aos assalariados rurais os preços da jorna (de sol a sol!) até aí praticados.

Atente-se bem: - Não havia sequer reivindicação para aumento de salário, mas apenas a defesa da manutenção do antigo que, entretanto, os latifundiários queriam reduzir, remontando ao tempo da Monarquia!

O Governo da República “esquecera-se” de que havia operários e uma série de questões que eram toda a questão social, por conseguinte, pela inépcia, pela violência, pela repressão de direitos e garantias, pela prisão e deportação de centenas de operários vai provar paulatinamente que a questão social foi para si um caso de subversão e, como tal, uma vez criminalizada, deveria ser tratada em consequência. O «divórcio» entre o operariado e a República (ideia que implica um “casamento” de que não estou certo ter acontecido) não é consumado de forma brutal em 1912, dado que vem do ano anterior.

A 19 de Março de 1911, os efectivos militares da ex-Guarda Municipal da Monarquia, baptizados entretanto de Guarda Nacional Republicana (com activistas maçónicos nas fileiras?) (1), haviam feito rolar, nas calçadas de Setúbal, a vida de dois populares, Mariana Torres e António Mendes, participantes num cortejo pacífico de operários conserveiros grevistas, que desfilavam na Avenida Luísa Todi.

O regime da República que havia esquecido a questão social, ensaiava agora o Poder de Estado em termos “modernos”, supostamente menos “paternalistas” do que no tempo da Monarquia, policialmente mais selectivo, mais atento às movimentações operárias e, nesta ordem de ideias, disposto a reduzir as liberdades democráticas “se fosse caso disso”.

Nesse mês de Janeiro de 1912, enquanto os trabalhadores deliberaram proclamar a greve geral de protesto, o Governador Civil de Évora, o cidadão António Paulino de Andrade, promoveu algumas medidas de policiamento à cidade, incluindo a proibição de entrada intra-muros dos trabalhadores rurais dos arredores, acampados nos arredores, e o encerramento de algumas sedes locais de Associações de Classe (sindicatos), (2). Estas medidas colocaram automaticamente o regime republicano ao lado dos grandes agrários (de resto, partidários da Monarquia).

E a alternativa do diálogo? – Tal opção não ocorre ao patronato latifundiário, nem aos “doutores” do novo regime. Mas veio à ideia dos trabalhadores rurais de Évora que, apesar de tudo, ainda acreditavam no “bom-senso” dos “jacobinos”… Talvez esperassem do governo da República a arbitragem do conflito

Os delegados da Associação de Classe do Trabalhadores Agrícolas de Évora, nomeados em assembleia geral, seguem para Lisboa a tentar sensibilizar o governo central e, para Évora, veio o deputado Inocêncio Camacho (3), com o objectivo de averiguar a situação e apresentar o respectivo relatório ao governo.


Largo e Porta de Avis cerca de 1910.
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1ª página e índice da revista História de 1982.
* Este artigo foi resultado de trabalho de investigação e interpretação em 1982 e, como tal, publicado na extinta revista História, nº 39, de Janeiro de 1982, portanto, há 30 anos. Depois desta data, alguns investigadores publicaram trabalhos abordando o mesmo tema e período histórico, mas “fazendo de conta” desconhecer a síntese interpretativa já publicada, pela 1ª vez em 1982, passando adiante, talvez convencidos e arrogantes. Enfim, o costume!... O que se púbica agora, ligeiramente modificado e mais sintetizado, atendendo ao seu suporte de divulgação, obedece no essencial ao texto original.

(1) – José António Saraiva, in Diário de Notícias de 16/10/1979, A Galeria do Século - A GNR: « […] Em janeiro de 1912, por exemplo, vêem-se os chefes de Divisão da Guarda incorporar-se numa manifestação anticlerical.».
(2) – Vd. Carlos da Fonseca, in História do Movimento Operário, ed., Lisboa, s/d, fala-nos em mais de 10 mil grevistas; Alexandre Vieira, in Em volta da minha profissão, edição de autor, Lisboa, 1950, fala-nos em cerca de 20 mil grevistas na região de Évora.
(3) – Pela síntese da sua biografia, podemos verificar, pois, quanto a sua deslocação a Évora foi pouco fiável em termos de imparcialidade.


Inocêncio Joaquim Camacho Rodrigues (n. Moura, 1867-m. Lisboa, 1937) : Fez o curso de Física na antiga Escola Politécnica de Lisboa, empregando depois no mesmo estabelecimento de ensino público. Filho de famílias abastadas, foi concecionário exclusivo das águas minero-medicinais «Monte Brazão». Destacou-se como um dos republicanos que proclamou o novo regime da varanda da Câmara Municipal de Lisboa, em 1910. Foi 1º director da Fazenda Pública da República, bem como o 1º governador do Banco de Portugal, nomeado pelo governo do regime republicano. Foi eleito por Évora para as Constituintes de 1911, iniciando-se no Parlamento a 19 de Junho do mesmo ano. Desempenhou um papel negativo na agitação e greve geral dos trabalhadores agrícolas de Évora em 1912. Segundo o periódico O Sindicalista (21/1/1912), a resposta das autoridades à solicitação dos trabalhadores, para que obrigassem os latifundiários a cumprir a tabela salarial, saldou-se por uma repressão escusada. Inocêncio Camacho foi enviado pelo governo central a Évora (afinal ele era deputado por esta cidade!), com o objectivo de averiguar o que se estava a passar, pois o governador civil utilizara forças do Exército para refrear a concentração pacífica dos trabalhadores na cidade. Inocêncio Camacho demonstrou-se tão desastrado como o governo de Lisboa e como o governador civil de Évora ou, se quisermos, colocou-se francamente ao lado dos latifundiários que, de resto, eram monárquicos, em vez de arbitrar a questão. O efeito da sua actividade em Évora foi posteriormente relatado pelo ex-ministro António Maria da Silva: «Quanto ao que acabo de referir foi relatado ao Governo pelo seu Delegado Inocêncio Camacho, que também se viera queixar dos trabalhadores rurais, isto é, daqueles que, pela sua mais que exígua educação e conhecimentos, menor responsabilidade se lhes podia assacar, quando ela cabia em grande parte à autoridade concelhia», (in O Meu Depoimento, da Proclamação da República à primeira guerra mundial, 1914-1918, edição de Lisboa, s/d.). Hoje acredita-se que a questão do rebaixamento dos salários agrícolas pelos agrários, não passou de uma tentativa provocatória dos monárquicos de Évora, de forma a criarem dificuldades suplementares ao novo regime com o movimento operário organizado… E os “doutores” da República caíram no logro, ou “apreciaram” o pretexto para experimentarem, uma vez no Poder, as armas da repressão sobre o mundo do trabalho!

Não nos parece ter deixado gratas recordações na cidade, este 1ºdeputado às Constituintes. Foi ainda ministro das Finanças, tendo colaboração dispersa nos jornais A Luta (dirigido pelo Dr. Brito Camacho) e A Pátria. Permaneceu no Banco de Portugal mesmo após instaurada a ditadura (1926), até ao ano de 1936.

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