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Manuel Beninger

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Há Cem anos: A última campanha naval ultramarina da monarquia portuguesa


Cruzador “Rainha D. Amélia” posteriormente rebaptizado “NRP República”
Lancha Canhoneira Macau
Eduardo Augustos Marques
Álvaro de Melo Machado primeiro governador republicano de Macau

Em ano de centenário da República Portuguesa há também que assinalar em Macau um centenário que antecedeu em poucos meses a queda da Monarquia, e a substituição do seu representante máximo no Extremo Oriente: – o governador Eduardo Marques, monárquico convicto, que deu lugar ao seu ajudante de campo, o comandante da marinha Álvaro de Melo Machado que tal como o primeiro era igualmente convicto, mas republicano.
Trata-se de lembrar os combates de Coloane contra os piratas ocorridos durante quase todo o mês de Julho de 1910.
A efeméride, que chegou a servir de mote para o feriado municipal das Ilhas até 20 de Dezembro de 1999, merece ser relembrada, não pelo que tenha sido, em si, já que não se tratou de nenhuma campanha militar digna de nota no cômputo geral ultramarino português, mas pelo marco que constituiu na história de Macau.
  
De facto, num território que, segundo alguns, terá sido cedido pela China aos portugueses em reconhecimento do auxílio prestado ao “Império do Meio” nas lutas contra os piratas do século XVI, os combates de Coloane assinalaram a última campanha militar digna de nota contra a pirataria nos mares do Extremo Oriente.
Depois disso o que se seguiu foram casos de polícia de maiores, ou menores dimensões, mas que não mais passariam disso mesmo.
Aliás os confrontos de Coloane contra os piratas foram mais um conjunto de actos políticos do que verdadeiramente militares e espelharam em grande medida uma tentativa de afirmação da política ultramarina portuguesa da monarquia que tinha sido ferida de morte com o caso do “Mapa Cor de Rosa”, que culminou com o chamado “ultimato inglês” de 1890 e que tentava obter sucesso capaz de contrariar os achincalhos a que era sucessivamente submetida no parlamento de Lisboa pelos republicanos, nas ruas pelos sindicatos e igualmente nas chancelarias internacionais. Neste caso tanto monárquicas como republicanas.
O “ultimato”, não tinha sido mais do que a consequência da supremacia militar inglesa que se sobrepôs às “líricas” tentativas de Portugal de tentar unir Angola e Moçambique numa só colónia do Leste ao Oeste africano. Contra este desígnio opunha-se o de Londres que pretendia unir as colónias inglesas de Norte a Sul, ou seja do Cairo ao Cabo. Evidentemente que venceram os ingleses.
No extremo Oriente os ingleses já tinham vencido também, mas colocava-se a questão suscitada ciclicamente, igualmente por Londres, mas igualmente por Paris e Berlim, de que Macau serviria de quartel-general aos piratas que assolavam os Mares do Sul da China. Nada estava mais longe da verdade. Mas como a Inglaterra dominava a comunicação social o que surgia estampado, nos editoriais dos jornais britânicos e ecoado nos franceses, alemães, italianos e americanos, entre outros, era a eventual verdade (diz-se que em política o que parece é). Ou seja Coloane, onde actuavam de facto uns bandos de piratas que se misturavam com a população, estava muito longe de ser o perigo que constituiriam os grandes bandos que actuavam no vasto espaço geográfico do “Delta do Rio das Pérolas” e mais para Norte, nas costa de Fujian e de Xangai, áreas controladas pelas esquadras britânicas, francesas americanas e alemãs que por ali navegavam. Diga-se que muitos apoiados oficiosamente pelas potências intervenientes sempre que isso lhes servia.
O governador Álvaro de Melo Machado e o historiador Pe. Manuel Teixeira descrevem muito bem a situação: – “Os piratas eram, de um modo geral, bem acolhidos pela população de Coloane, que sabiam quem eram e lhes davam asilo, a população acolhia com benevolência estes malfeitores pelo dinheiro que generosamente gastavam; e as próprias autoridades portuguesas, que de sobejo sabiam da existência desta gente, toleravam-na, nunca fazendo diligências para a escorraçar”.
Por seu turno, o Padre Teixeira diz que “os piratas foram-se ali infiltrando no decorrer dos anos: aqui montavam uma mercearia, além uma loja de peixe; uns trabalhavam nas pedreiras, outros entregavam-se à agricultura; por isso tinham de ter casas para as suas famílias. É de crer que os seus vizinhos soubessem que espécie de gente eram eles, mas não os denunciavam por duas razões: eles não os incomodavam, pois a quadrilha fazia as suas operações em terra chinesa e para ali traziam os seus roubos e as suas armas”. O negócio não era mau e pelos vistos não incomodava ninguém!…
  
Nesse cenário de pretensa guerra que passava bem mais pelos cabeçalhos dos jornais internacionais, do que pela realidade prevalecente, Portugal não teve remédio senão levar a efeito uma demonstração de força.
Para o efeito foi aproveitada a presença do “Cruzador D. Amélia”, transportando a bordo uma força de fuzileiros de cerca de duzentos homens que efectuava o habitual périplo anual pelo Extremo Oriente que costumava levar o vaso de guerra a uma patrulha que passava por Macau incluía Xangai, com regresso a Lisboa pelos mares de Timor.
A viagem do cruzador, que se arriscava a não passar, mais uma vez, de uma espécie de cruzeiro simbólico, ensejo de fim de curso para os cadetes da marinha praticarem as artes da navegação, seria aproveitada dessa vez para uma verdadeira missão de guerra.
O pretexto foi o rapto de 18 crianças de uma escola da localidade de Tong Hang, localizada a poucas dezenas de quilómetros de Macau por um grupo de piratas que teriam a sua base em Coloane.
O caso foi denunciado em parangonas sucessivas pelo jornal “A Verdade” de Constâncio José da Silva que, por acaso, era também advogado dos pais de algumas dessas crianças e que exigia acção às autoridades.
Diga-se que Constâncio José da Silva era também republicano estrénuo e não deixava de aproveitar “o seu caso” para denunciar as fraquezas da monarquia que com um cruzador carregado de artilharia pesada e fuzileiros fortemente armados postado a poucas milhas de Macau permitia um desaforo tal sem fazer nada.
Face ao ambiente político que se adensava pelas diatribes de “A Verdade”, pela pressão dos vizinhos ingleses de Hong Kong, e pelas recentes tentativas dos alemães de ocuparem a vizinha ilha da Lapa (1900) sobre a qual Portugal reivindicava direitos, o governador Eduardo Marques não podia fazer mais nada senão requerer uma acção militar do comandante do D. Amélia e teve-a.
As forças do Cruzador (150 fuzileiros?) desembarcaram em Coloane, com apoio de artilharia. A canhoneira Macau, por seu turno, de mais pequeno calado e a única que se podia aproximar verdadeiramente através dos baixios da ilha, bombardeou a vila. Diz-se que a acção não passou de um exercício de teste de pontaria da artilharia e uma demonstração excessiva de força que provocou mortos e feridos civis desnecessários e mais nada. Mas certo é que com força a mais, ou a menos, no final da operação as crianças foram resgatadas e vários piratas presos.
Nesse episódio a China ofereceu-se para colaborar nas operações navais, mas o governo de Macau rejeitou a oferta e as canhoneiras chinesas limitaram-se a pairar ao largo e a dar caça a juncos tresmalhados suspeitos que singravam pelo dédalo de canais do Delta.
No final da “campanha” foram mais os estragos que os benefícios já que não existem provas sólidas de que os piratas tenham sido erradicados de Coloane. O que resultou de facto foi uma vila mais ou menos arrasada pelas granadas e pouco mais.
O resto da operação foi constituído por um golpe de mão contra um grupo de malfeitores que se tinha escondido numas grutas que hoje fazem parte do campo de golfe do hotel “Westin Resort”, que envolveu um pelotão de infantaria e que um cabo do exército com uma granada de enxofre bem atirada para o interior das ditas do alto das arribas desalojou de pronto sem necessidade de recurso a operações complicadas de estado maior. O golpe completou-se em poucas horas com pleno sucesso já que não se registaram baixas de qualquer dos lados e os bandidos acabaram presos.
  
A monarquia não salvou na China, numa eventual epopeia bélica, como pretenderia, a humilhação africana do “Mapa Cor-de-rosa” que tinha sofrido vinte anos antes e afinal de contas quem ganhou pontos foi a República que três meses depois se implantaria em Portugal.
O cruzador D. Amélia que tinha vindo essencialmente para afirmar a pujança da marinha da monarquia portuguesa perante as potências coloniais presentes na China registava ali a sua penúltimo missão de relevo. Tinha sido construído em 1901 no Arsenal de Lisboa e nomeado em honra de D. Amélia de Orleães mulher do malogrado rei D. Carlos I. Sendo o primeiro vaso naval de grande porte construído em aço em estaleiros portugueses durou pouco a sua história. Após a revolução de 5 de Outubro de 1910, onde teve papel proeminente, foi rebaptizado passando a chamar-se “NRP República”. A 6 de Agosto de 1915 acabaria por se perder para sempre encalhando na praia da Consolação, a sul de Peniche.
Quanto à lancha canhoneira Macau durou mais alguns anos e teve uma história substancialmente mais curiosa.
  
Encomendada aos estaleiros Yarrow & Co. de Glasgow (Escócia) foi entregue à marinha portuguesa em 1909. Um ano antes do bombardeamento da Vila de Coloane. Seria abatida ao efectivo da marinha a 15 de Agosto de 1943, sendo entregue aos japoneses que ocupavam então a China por troca de 10 mil sacos de arroz passando a navegar com o nome de “Maiko”. Em 1949 foi capturada, passando a fazer parte da marinha da China sob novo nome. Desta vez “Wu Fang”. Não se sabe quando esta histórica lancha canhoneira deixou definitivamente de efectuar serviço activo.

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