Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

domingo, 10 de março de 2013

“Maria da Fonte”… uma Mulher com “M”


Maria da Fonte (ou Revolução do Minho) é o nome dado a uma revolta popular ocorrida na primavera de 1846 contra o governo cartista (designação que se deu em Portugal à tendência mais conservadora do liberalismo surgido após a revolução de 1820, centrada em torno da Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro IV), presidido por António Bernardo da Costa Cabral. A revolta resultou das tensões sociais remanescentes das guerras liberais (guerra civil travada em Portugal entre liberais constitucionalistas e absolutistas sobre a sucessão real, que durou de 1828 a 1834), exacerbadas pelo grande descontentamento popular gerado pelas novas leis que se lhe seguiram de recrutamento militar, por alterações fiscais e pela proibição de realizar enterros dentro de igrejas.
Iniciou-se na zona de Póvoa de Lanhoso (Minho) por uma sublevação popular que se foi progressivamente estendendo a todo o norte de Portugal. A instigadora dos motins iniciais terá sido uma mulher do povo chamada Maria, natural da freguesia de Fontarcada (que até ao início do século XIX constituiu o couto de Fonte Arcada, um lugar imune), que por isso ficaria conhecida pela alcunha de Maria da Fonte. Como a fase inicial do movimento insurrecional teve uma forte componente feminina, acabou por ser esse o nome dado à revolta.
Maria da Fonte e os motins iniciais…
Depois de múltiplos incidentes e arruaças isoladas, ocorridos um pouco por todo o país, mas com maior relevo no norte, o gatilho da revolta será um acontecimento deveras banal: a morte, a 21 de Março de 1846, da idosa Custódia Teresa, habitante da freguesia de Fontarcada, dos arredores da Póvoa de Lanhoso.
Quando na manhã do dia seguinte, 22 de Março de 1846, um grupo de vizinhos, onde predominavam mulheres, decide proceder ao sepultamento da defunta na Igreja do Mosteiro de Fonte Arcada, sem autorização da Junta de Saúde e ao total arrepio das normas legais (lembre-se: era proibido realizar enterros dentro de igrejas), as autoridades decidem intervir, até porque aquele seria o segundo incidente do género naquele ano (a 20 de Janeiro, no enterro de José Joaquim Ribeiro, ali falecido).
No caso do sepultamento de Custódia Teresa, o povo não permitiu que o comissário de saúde viesse atestar o óbito, tendo-o espancado, nem os familiares aceitaram pagar a taxa de covato (taxa de funeral). O enterro terá sido mesmo feito sem acompanhamento religioso (o pároco recusou-se a participar no desacato, embora o povo alegasse que o fazia por razões religiosas, pois se o corpo fosse enterrado fora da igreja, noutro chão qualquer que não o do templo, o morto estaria desprotegido).
Talvez por considerarem menos provável que as autoridades agissem de forma violenta contra mulheres, parecem estas ter tido papel preponderante nos eventos e é às mulheres do lugar que se imputam as principais culpas. Esta imagem de liderança feminina também pode ter resultado da forma como o evento foi descrito pelas autoridades, que procuraram minimizar os incidentes atribuindo-os a grupos de beatas fanatizadas pelos apostólicos.
Perante os fatos, as autoridades resolveram prender as cabecilhas da revolta e proceder à exumação do cadáver e à sua sepultura no terreno destinado a cemitério. Para tal a 24 de Março dirigiram-se à freguesia, tendo sido recebidas à pedrada pela população armada com foices, tamancos e cajados. Sem poderem exumar o cadáver, procederam à prisão de quatro mulheres que foram consideradas cabecilhas dos incidentes dos dias anteriores: Joaquina Carneira, Maria Custódia Milagreta, Maria da Mota e Maria Vidas.
Quando a 27 de Março as presas iam ser ouvidas pelo juiz, os sinos tocaram a rebate, reunindo o povo, que marchou até à vila para arrombar com machados as portas da cadeia. À frente deste grupo, confiadas de que não se atreveriam a atirar sobre as mulheres, estavam algumas jovens, entre elas, vestida de vermelho, Maria Angelina, a irmã do sapateiro local, que terá sido a primeira a acometer à machadada a porta da cadeia.  
Então, quando as autoridades procuravam identificar os rebeldes, a jovem Maria Angelina, que se distinguia das demais apenas por estar vestida de vermelho, foi colocada no topo da lista. Como os circunstantes se recusavam a identificar os amotinados, ficou registada simplesmente por Maria da Fonte Arcada, depois abreviado para Maria da Fonte.
Contudo, sobre esta matéria as opiniões divergem, já que nos anos imediatos muitas foram as Marias da Fonte que apareceram pelo norte de Portugal, reclamando, com maior ou menor justiça, a glória do nome. A identificação com Maria Angelina, que de fato foi processada e pronunciada nos tumultos da Póvoa de Lanhoso, parece a mais credível, já que o padre do lugar, Casimiro José Vieira, pertencia à corrente mais à esquerda do movimento liberal e viveu de perto os acontecimentos, deixando testemunhos nos seus Apontamentos para a História da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte. Outra explicação alternativa, dado o enquadramento social e político dos eventos, é a alcunha Maria da Fonte ser um epíteto desdenhoso, lançado pelos políticos contrários à revolução, para designar coletivamente as mulheres que, convenientemente para a versão minimizadora dos incidentes, pareciam liderar a contestação. Assim, em vez de uma Maria da Fonte, teríamos uma multidão de Marias. Depois, romantizado pela intelectualidade da época, a Maria da Fonte acabaria por transformada no epítome das virtudes guerreiras das mulheres do norte de Portugal, passando de defensora de ideias reacionárias, materializadas em costumes atávicos, a genuína expressão do desejo de liberdade da alma popular. Afinal, é assim que nascem os mitos. Durante a Revolução da Maria da Fonte, Angelo Frondoni (músico, maestro, compositor, poeta e crítico de arte, de origem italiana que fez carreira em Portugal) compôs um hino popular que ficou conhecido pelo nome de Hino da Maria da Fonte ou Hino do Minho, música patriótica que teve larga divulgação e que chegou a ser aceite, pela generalidade da população portuguesa, nos últimos tempos da Monarquia, quase como hino nacional. Obra que respira entusiasmo belicoso e que por muito tempo foi o canto de guerra do Partido Progressista (um dos partidos históricos portugueses do rotativismo da Monarquia Constitucional de finais do século XIX, caracterizado pela alternância no poder dos dois grandes partidos políticos do centro-direita e centro-esquerda).
Ainda hoje, o Hino da Maria da Fonte continua a ser a música com que se saúdam os ministros portugueses, sendo utilizado em cerimônias cívicas e militares.

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