Neste período que Portugal atravessa, era interessante debater-se o
regime monárquico. Mas debater-se com objectividade e sem os pruridos do
costume. Para pruridos já bastam os que o mar parece reservar aos portugueses
neste Verão.
Os portugueses, em menos de uma década, assistiram a variadíssimas
intervenções presidenciais que demonstram facciosismo. Três particularmente
graves. A primeira com Sampaio, que deu uma maioria absoluta ao Partido
Socialista. O que Sampaio fez foi um puro golpe de Estado. Socorreu-se de um
conjunto de fofocas, com ampla exploração mediática, para dissolver o
parlamento. Negociou com o PSD a saída do primeiro-ministro para a Europa, com
a entrada em funções do número dois do partido, para pouco tempo depois
convocar umas eleições que o PS ganharia com uma tranquilidade tão grande
quanto a maioria absoluta que se adivinhava.
Depois, temos Cavaco Silva, que tentou derrubar Sócrates com um
complicadíssimo esquema de espiões em Belém. A intervenção directa do Presidente nesta
conspiração não é factual, mas a protecção que deu ao assessor responsável pelo
esquema torna o Presidente cúmplice. Ao mesmo tempo, era possível perceber que
havia uma grande articulação entre a estratégia da líder do PSD, Ferreira Leite,
e o Presidente da República.
Recentemente, o mesmo Cavaco volta a tomar partido e agrava a crise
política, tomando uma decisão que dificilmente não visa afastar aquilo que
considerará naturalmente a "má moeda" - expressão que o próprio
Cavaco usou noutros tempos -, ou seja, Passos Coelho e Paulo Portas. Sobre este
último, também não restam muitas dúvidas sobre o rancor que Cavaco lhe deve
guardar desde o tempo do semanário O Independente.
Perante isto, é legítimo questionar se o país não estaria melhor servido
com um monarca. Aparentemente, pode fazer confusão a hereditariedade como fonte
de poder, mas entre um filho de um rei e um filho de um partido ou de uma
facção, nutro mais simpatia pela realeza.
Por outro lado, o regime monárquico também permite retirar mais um órgão
de soberania das mãos dos partidos, o que é sempre bom. Hoje, em Portugal, os
partidos dominam o Parlamento, o Governo e a Presidência da República. É claro
que a figura do Presidente diz-se suprapartidária, mas isso é puro logro e na
verdade emanam sempre dos partidos.
Retirar, portanto, a Presidência da República das garras dos partidos
podia ser pacificador por um lado, unificador por outro. E em matéria de
democracia também não se perdia nada; ou será que vamos ter o descaramento de
questionar a democracia em nações governadas por monarquias constitucionais?
É verdade que podíamos pensar noutras formas de obter as virtudes de uma
monarquia sem ter de entregar a chefia do Estado ao Rei. Por exemplo, podíamos
escolher um português ao calhas para Presidente. Creio que também resultava
para este efeito higiénico de subtrair Belém aos partidos. Andava-se à roda com
os números dos bilhetes de identidade e o que saísse passava a ser o Chefe de
Estado. Mas até nesse caso podíamos ir acertar num militante qualquer de alguma
coisa. Só a figura do Rei permite, então, essa ideia de imparcialidade e
equidistância do poder político.
É que um Rei pode mesmo ser de todos os portugueses. Um Presidente
jamais será. No limite, deve sempre gratidão à força política ou à facção que
lhe deu o apoio e sem a qual jamais teria presidido a uma junta, quanto mais à
República.
Era muito interessante um referendo sobre esta matéria.
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