O perfil que abordarei trata um tipo de expressão psíquica perversa e
silenciosa que embora sempre tenha existido, talvez encontre na cultura atual
um terreno particularmente fértil, tornando-se mais comum do que poderíamos imaginar.
Esta perversão tem como mote o poder, que hoje é incentivado pelos meios de
comunicação social.
Para iniciar a sua caracterização afirmo desde logo que se trata de uma
violência que se estende ao longo do tempo e não de uma violência pontual, ela
imiscui-se no dia a dia, nos pequemos atos, tendendo assim a passar
despercebida. A própria vítima tem dificuldade em a perceber e mais ainda em a
reconhecer, tornando-se, por isso mesmo, uma cúmplice de uma teia não desejada,
que lentamente lhe vai desmoronar a auto-estima e paz interior, isto acontece
na dominação de um sobre o outro, em relações que tanto podem ser
profissionais, como familiares e até intimas, onde a dependência emocional e/ou
material existe e, onde o agressor nutre o sentimento de ódio pelo outro, mas
simultaneamente sente que não pode sobreviver sem ele, como se o outro fosse a
sua sustentação, recusando neste quadro os desejos e necessidades do outro em
proveito das suas próprias necessidades.
A violência silenciosa que refiro é velada e insidiosa, existe e
mantêm-se por vias indiretas e complexas da relação humana, sendo logo apriori negada e renegada pelo agressor,
que de forma subtil inverte a relação acusando o outro de ser o culpado das
ocorrências que lhe são desagradáveis, compensando através deste poder e
controle sobre o outro, os seus conteúdos psicológicos perturbadores que passam
por uma melancolia e/ou depressão com certo cunho psicótico. A sua maldade
cria-se através de um cálculo imaginário e fantasmático com toques paranóicos
explícitos e uma deformação da apreensão da realidade, uma projecção de
sentimentos defensivos e medos primários sobre as acções dos outros, onde a
falta de confiança interna estrutural é vincadamente inscrita.
Este perverso silencioso por dificuldade de defrontar-se com os seus
próprios problemas viverá uma existência insuficiente e superficial que lhe
confirmará um fundo inseguro e fadado ao fracasso, que procura a todo o custo
esconder dos outros e de si mesmo. Remetido à sua fraca integração, às suas
falhas, ao seu sentimento de menos valia, que tanto ameaça o seu silêncio, à
revolta que o faz odiar o mundo e duvidar da bondade alheia, à dificuldade de amar
a vida e o outro, sobretudo em amar aqueles que o amam, acreditando, enfim, que
só pode sobreviver dominando, manipulado e escondendo. Os seus ataques são
crescentes quando se sente acusado, quando perde o domínio sobre o outro e vê
ameaçada a situação que o favorece. Ou seja, o ataque é de fato uma defesa
contra a possibilidade de a vítima insurgir-se contra a sua “vampirização”,
contra o seu controle e manipulação, contra a situação por ele lentamente
criada que favorece a dominação em que se sente seguro.
Mas, o mais grave destas situações é que o agressor atua
inconscientemente, acreditando que as suas construções paranóicas de ataque ao
outro são vindas de um sentimento e são, absolutamente, imprescindíveis para a
sua sobrevivência, vindo-lhe, por isso, à consciência de que o outro merece os
seus ataques, silenciosos e precisa estar sob controlo e sob o seu domínio,
pois caso contrário esse outro ameaçá-lo-á na sua continuidade. Quase que
poderei arriscar dizendo que, este tipo de agressor tem pavor de enfrentar-se a
si mesmo, medo devido ao reflexo do vazio, à ausência de integração, à falsa imagem
ou melhor à inexistência de amor na sua vida primária, aquela onde cuidadores,
progenitores e pais inscrevem a sua expressão. Mas, isto não pode justificar as
ações de uso e apropriação do outro para fazer frente à sua própria
fragilidade, encarando-a como se de uma questão de sobrevivência se tratasse,
em que o ataque silencioso vem em sua legitima defesa.
Em suma o que este tipo de agressor não pode fazer é projetar no outro o
que de ruim ele sente em si próprio, destruindo, como se estivesse a destruir-se
a si mesmo ou a controlar os seus próprios fantasmas, passando a viver da
vitalidade do outro, isto porque nem a vitalidade que retira ao outro passa a
ser sua, nem as suas dificuldades findam ou modificam.
Sílvia Oliveira
Deputada do PPM na Assembleia Municipal de Braga
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