Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A ESPANHA, AS SELVAGENS, OLIVENÇA E ETC.



“A perda de Portugal foi de puro sangue
e, por isso, o ministro espanhol que não pense
constantemente na reunião ou não obedece
à lei ou não sabe do seu ofício”.

José de Carvalhal y Lencastre
(Ministro de Estado ao tempo do rei Fernando IV, de Espanha)

O SIED e o SIS [1] (já que serviços de informação militar, na realidade, nunca tivemos) passam a sua vida de amadores – o actual sistema político não permitiu ainda que passassem disso – a preocuparem-se com coisas que pouco interessam à segurança do país e seu futuro. O primeiro vai elaborando umas informações sobre teatros de operação longínquos que pouco têm a ver connosco, e ainda é possível que infiltrem uns tipos nos PALOPs (presume-se que Brasil excluído) a fim de perceberem o que se passa por lá (quando não espiam os próprios nacionais em funções), o que, na prática também não serve para nada, já que os sucessivos governos portugueses não têm tido qualquer estratégia para lidar com esses países.
Limitam-se a gastar dinheiro e esforços a brincar às “cooperações”, sem qualquer retorno e a pôr-se de cócoras sempre que a cleptocracia de Luanda tosse.
O SIS em vez de se focalizar nas verdadeiras ameaças que espreitam a sociedade portuguesa (terrorismo, criminalidade transnacional, emigração desregrada, conjuras internacionalistas, acções de sociedades secretas, etc.) esfalfam-se a colher dados relativamente a patriotas que se indignam com o desmoronamento do nosso país e a fazerem análise de risco dos detentores dos órgãos de poder, de modo a melhor protegê-los da “ira” dos cidadãos.
Pelos vistos também se preocupam com um ou outro personagem do “Jet set”, que possam interferir com negociatas correntes…
Por tudo isto não se estranha que o que se passa em Espanha não pareça causar nesses serviços, ou a quem neles superintende qualquer preocupação de maior.
A lógica reinante parece imbatível: então a Espanha não é nossa amiga, aliada e não participa connosco em todas as alianças e instituições onde estamos (excepção feita, “hélas” para o Tratado de Windsor…)?
Sendo assim que sentido fará, já não direi espiá-la, mas andar informado do que lá se passa?
Lamentavelmente quem assim pensa não anda com os pés no chão…
Este tipo de pensamento a haver em responsáveis políticos é absolutamente inadmissível num Estado supostamente representativo de uma Nação com 900 anos de existência!
Mas há males que vêm por bem.
O actual governo espanhol enviou uma carta para a ONU, no pretérito dia 5 de Julho em que, não contestando directamente a  soberania portuguesa sobre as Ilhas Selvagens defende que estas são “rochedos” e não “ilhas”, o que coloca directamente em causa a ZEE do território e pode ter implicações na definição da Plataforma Continental, que Portugal intentou, tempestivamente, na sequência do Tratado de “Montego Bay”. [2]
Ora o modo como Madrid tomou esta iniciativa – ao que se sabe – isto é, á sorrelfa e sem aviso prévio a Lisboa, tendo ainda em conta, que os governos de ambos os países se encontram semestralmente em cimeiras, apelidadas de “ibéricas”, não tem nada a ver com uma atitude de um país aliado, muito menos amigo.
Que o Governo de Madrid ande acossado com os problemas de coesão interna, por causa das autonomias, de que são expressão maior o que se passa na Catalunha e no País Basco; os escândalos que têm assoberbado a Casa Real; os problemas que se avolumam nas FA e a crise financeira que tudo corrói, nós compreendemos mas, desde já, garantimos que não contribuímos em nada para que tal ocorresse.
Antes pelo contrário, só temos é que emendar a mão por termos criado vulnerabilidades com os nossos vizinhos, que a entrada na CEE (depois UE) potenciou e a estúpida política do “Espanha, Espanha, Espanha”, exponenciou!
Se por tudo isto ou por outras razões, o facto é que o Governo Espanhol foi mexer em várias feridas geopolíticas sem, aparentemente, lhes medir as consequências, sobretudo pelas contradições em que se emaranharam.
E ter “Tailleyrands” para se sair airosamente destes imbróglios não está ao alcance de todos, nem de todas as épocas…[3]
Resumidamente:
O Governo Espanhol arranjou, a propósito do anúncio das obras de um molhe artificial para a pesca por parte do governo de Gibraltar que, supostamente, irão prejudicar a comunidade piscatória vizinha, um pretexto para relançar a reivindicação sobre o “Rochedo”, ao mesmo tempo que dificultam a passagem na fronteira terrestre do mesmo.
Tal evento ocorreu numa data temporal próxima da “catilinária” sobre as Selvagens.
A toda esta questão “regional” temos que juntar os casos das cidades de Ceuta e Melila, encravadas na costa marroquina (Ceuta está em frente a Gibraltar e juntas controlam o acesso ao Mediterrâneo), a ilhota desabitada de Perejil – a 200 metros da mesma costa e a 8Km de Espanha, no Estreito de Gibraltar – onde ocorreu um pequeno incidente, em 2002, em que militares espanhóis foram rapidamente transportados para o local; o atol de Alhucenas, sem população, mas com uma fortaleza guarnecida com um pelotão destacado de Melila; o rochedo (Peñon) de Vellez de la Gomera, igualmente desabitado e com fortaleza guarnecida do mesmo modo e o Arquipélago das Chafarinas, sem população nem fortaleza e onde estaciona um pelotão da Legião Espanhola.
Qualquer deles a escassos metros da costa de Marrocos e ignorados de quase todos.
No meio de tudo isto temos a antiquíssima terra portuguesa de Olivença e seu termo (453,54Km2), ocupada militarmente por Espanha que se tem “esquecido”, ano após ano, em a devolver, como acordado no Congresso de Viena de 1815.
Esquecimento que só tem paralelo na falta de “lembrança” dos governos portugueses em reivindicar a retrocessão devida – apesar de nunca se ter reconhecido tal ocupação nem se ter ractificado os marcos da fronteira.
O que representa um vergonhoso comportamento de ambos.
Vejamos as principais contradições em que o Estado Espanhol se enreda.
O problema de Gibraltar decorre da Guerra da Sucessão de Espanha entre 1702 e 1713. Neste último ano teve início o Tratado de Utrecht, que pôs fim ao conflito, tendo sido acordado que a soberania do Rochedo passaria para a Inglaterra.
Os espanhóis assinaram o Tratado, mas nunca se conformaram, apesar de à luz do Direito Internacional não parecer haver bases para qualquer exigência espanhola de retomar a soberania do local. A não ser que os gibraltinos intentassem um processo de auto determinação – como parece estar a acontecer na Catalunha – e, mesmo nesse caso, se quisessem ligar-se à Espanha.[4]
Madrid já afirmou não reconhecer o resultado de qualquer referendo no território e ameaça apoiar a Argentina nas suas reivindicações sobre as Malvinas. [5]
Porém, relativamente a Ceuta e Melila o Governo de “nuestros hermanos” entende que as razões que aduz para aceder a Gibraltar não são lícitas por parte de Marrocos que pretende que as cidades passem para a sua tutela.
A Espanha está em Marrocos por vicissitudes da História, desde o tempo em que a conquista era considerada lícita, entre os povos. Madrid herdou Ceuta de Portugal, em 1640, já que a cidade foi o único domínio luso em todo o mundo que não aclamou D. João IV (o capitão da praça, ao contrário do estabelecido nas Cortes de Tomar de 1581, era Castelhano).
Como se sabe o nosso país esteve presente no Norte de África durante 354 anos, tendo abandonado por sua iniciativa a última cidade – Mazagão – em 1769.[6]
Curiosamente o último território que a Espanha abandonou na costa marroquina, foi o enclave do IFNI, em 1958, depois de uma mini guerra de que saíram vencedores…
Vá lá a gente entendê-los…[7]
Onde, em rigor, os espanhóis não têm razão alguma, é na questão de Olivença e nas Selvagens.
A Praça de Olivença foi tomada na curta e infeliz “Guerra das Laranjas”, em 1801, inspirada num indecoroso acordo entre Napoleão e a Corte Espanhola, onde pontuava o valido Manuel Godoy.
Para mal dos nossos pecados a rendição de Olivença também foi feita de um modo militarmente indecoroso. Assinou-se um mal alinhavado “Tratado de Badajoz” no qual Lisboa cedeu a Praça.
Com a 1ª Invasão Francesa, em 1807, quebraram-se parte dos compromissos em que o tratado se firmara, pelo que o governo português logo reivindicou a vila e seu termo e declarou nulo o tratado.
Tal veio a ser confirmado na Conferência de Viena, de 1815, em que a Espanha (que só o assinou em 1817) se comprometeu a devolver o território, português desde o Tratado de Alcanizes, de 1297, o que até hoje não fizeram, tendo o cuidado de “espanholizar” toda a nossa população (muita da qual se retirou do território) e cuidando, até há pouco tempo, de fazer desaparecer a maioria das marcas lusas.
Quanto às Selvagens o caso ainda é mais caricato, se tal é possível dizer.
Os nossos navegadores foram até lá pela primeira vez em 1428 e sempre a área foi por nós frequentada. As Canárias foram cedidas a Castela pelo Tratado de Alcáçovas/Toledo, de 1479/1480, após um contencioso que se arrastava desde 1340. Mas as Selvagens não fizeram parte do “pacote”. [8]
Só a partir de 1911, sem qualquer argumento válido e credível, “nuestros hermanos” – que de irmãos têm muito pouco – começaram a pôr em causa a nossa soberania. [9]
Em 1938 a Comissão permanente do Direito Marítimo Internacional confirmou a soberania portuguesa.
O Estado Português tornou-as reserva natural, pertencentes ao Parque Natural da Madeira, criado em 1971.
O Arquipélago é constituído pela Selvagem Grande, Pequena e Ilhéu de Fora, num total de 2,73 Km2, atingindo 163 metros de altura. Tem dois guardas residentes e uma habitação de residência temporária de uma família do Funchal. [10]
Está situado a 250 Km da Madeira, 165 Km das Canárias e 250 Km da costa africana; administrativamente fazem parte da freguesia da Sé, Concelho do Funchal.
Está situado a 250 Km da Madeira, 165 Km das Canárias e 250 Km da costa africana; administrativamente fazem parte da freguesia da Sé, Concelho do Funchal.
Fez bem o PR em ir lá dormir uma noite escoltado por navios da nossa esquadra, numa afirmação de interesses e soberania, incontroversa.
Nesta linha se deve realizar o exercício militar previsto, para breve, na área.
E bom seria que a Diplomacia não dormisse (os chefes militares também não) e o Governo não tergiversasse, procurando tirar proveito das contradições insanáveis em que Madrid se enleia, em favor dos nossos interesses.
É mister, ainda, tomar a iniciativa – que há muito tarda – de, na próxima cimeira Luso-Espanhola (não Ibérica), começar por dizer aos ministros espanhóis que queremos ser amigos da Espanha “à moda de Navas de Tolosa e do Salado” e não de outra maneira; que desviem o olhar das Selvagens e que cumpram o que se obrigaram após 1815, pois OLIVENÇA É TERRA PORTUGUESA!
João J. Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador


[1] SIED – Serviço de Informações Estratégicas de Defesa; SIS – Serviço de Informações de Segurança
[2] Trata-se da “Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay, Jamaica, em 10/12/1982.
[3] Charles – Maurice de Talleyrand – Périgord (1754-1838), político e diplomata francês que conseguiu servir muitos, diferentes e até opostos governos e regimes, durante imenso tempo…
[4] Gibraltar faz, porém, parte de 17 territórios que são considerados pela ONU como “Non – Self – Governing Territories”. Destes, 11 estão debaixo da administração do Reino Unido.
[5] Havia de ser curioso de ver o que sucederia caso Portugal ou a Inglaterra, invocassem a Aliança Inglesa, respectivamente, para solucionar, em caso de necessidade, os casos de Olivença e Selvagens, ou Gibraltar e Malvinas…
[6] Posteriormente, em 1774, foi assinado um notável Tratado de Paz entre Portugal e o Sultão de Marrocos, que nunca foi rompido.
[7] Como “curiosidade” a Espanha que ocupava o Sahara Ocidental decidiu, em 26/02/1976, informar o Secretário - Geral das Nações Unidas, que iriam terminar a sua presença naquele território, isentando-se de qualquer responsabilidade internacional futura! Marrocos reivindicou de imediato a soberania sobre o mesmo que é contestada pelos Sahauris. Mais um problema por resolver.
[8] Foram assim babtizadas por Diogo Gomes de Sintra, em 1438, e terão sido descobertas pelos irmãos Pizzigani, em 1364.
[9] Há cerca de um ano, questionei um Almirante espanhol, durante uma conferência, em Lisboa, sobre as Selvagens, o qual simpaticamente me sossegou sobre as intenções do seu país. O adido militar espanhol presente é que não pareceu nada satisfeito com a questão.
[10] Por exemplo o Estado do Vaticano e o Mónaco são mais pequenos que as Selvagens.

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