O historiador Fernando Amaro Monteiro afirmou que a acção no exílio do
rei D. Manuel II, falecido há 80 anos, "foi maldosamente escondida",
quando até contribuiu para o reconhecimento do Governo republicano pelo Reino
Unido.
Fernando Amaro Monteiro falava à Lusa a propósito da apresentação da
obra "D. Manuel II e D. Amélia. Cartas inéditas do exílio", na
quarta-feira, às 18 horas, no salão nobre da Sociedade Histórica da
Independência de Portugal, em Lisboa.
O investigador afirma que a figura e acção de D. Manuel II no exílio foi
"deliberadamente escondida, e isso é claramente demonstrado neste
livro", editado pela Estampa.
"Há uma certa maldade ao não se mencionar, de propósito, a acção do
Rei no exílio, como por exemplo o ter conseguido o reconhecimento do Governo
português saído da revolução de 28 de maio de 1926, em dois dias e meio, o que
é uma coisa extraordinária. É o próprio Governo da República que lhe pede a
intercessão", sublinhou.
O investigador salientou a figura do monarca como "bibliófilo de
nomeada internacional", e a sua "enorme tarefa desenvolvida na Cruz
Vermelha inglesa, durante a I Grande Guerra, muitas vezes em prol dos soldados
portugueses, como a criação de um pavilhão português num hospital militar em
Paris, e isto tem sido escondido", afirmou.
O livro, coordenado por Amaro Monteiro, traz a lume 152 documentos, na
maioria inéditos, e resulta de uma recolha de um fundo documental da Fundação
D. Manuel II que só veio para Portugal em 2001, "por determinação expressa
de D.ª Augusta Victoria de Hohenzollern-Sigmarigen, viúva do monarca".
Destes 152 documentos, 57 são cartas remetidas pelo rei e outras 64
endereçadas a si. Há ainda seis cartas remetidas pela mãe, a rainha Dª Amélia,
viúva de D. Carlos, e 21 dirigidas à soberana, que entretanto fora residir para
os arredores de Paris. Há também telegramas tanto para D. Mnauel II como para
sua mãe.
Em termos cronológicos, a correspondência régia publicada vai de 1910 a
1945. Entre as várias personalidades com as quais houve troca de missivas,
refira-se o primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, o cardeal-patriarca
de Lisboa Manuel Gonçalves Cerejeira e o presidente do conselho de ministros,
António de Oliveira Salazar.
Numa carta dirigida a Salazar, D. Manuel II dá conta da sua
"admiração" que "tem crescido perante a obra admirável" do
então homem forte de Portugal.
Fernando Amaro Monteiro disse à Lusa que, no início, D. Manuel II
admiraria a governação de Salazar, mas depois veio a desiludir-se, e "na
última carta é fortemente crítico do que se passava na sociedade
portuguesa".
Oliveira Salazar, afirmou o investigador, "iludiu os monárquicos e
também o rei com a possibilidade da restauração da monarquia", pelo menos
de princípio, "mas fazia parte da sua estratégia".
"A rainha [D.ª Amélia], por seu turno, não. Nunca esperou a
restauração da dinastia", sentenciou.
O investigador afirmou que "um rei seria complicado, pois Salazar
não o podia despedir como fez com o Presidente da República, o general Craveiro
Lopes, e D. Manuel II era uma personagem inquietante". Segundo Amaro
Monteiro, "convinha a Salazar tratar a Casa Real e os monárquicos com uma
atitude de deferência e de esperanças sempre dilatadas, e assim não encarar de
frente um problema real que eram os bens da Casa de Bragança, que foram
açambarcados em espírito de confisco pela Fundação da Casa de Bragança, após a
morte de D. Manuel II".
"Convinha [a Salazar] manter os Bragança numa certa precariedade,
numa modéstia prateada que nem chegava ser dourada", acrescentou.
A obra levou cerca de três anos a organizar e, além da transcrição das
cartas, inclui um índice onomástico, em que são contextualizadas todas as
personagens referidas nas cartas ou que são remetentes ou receptores das
missivas régias.
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