As reformas na educação estão na boca do mundo há mais
anos do que os que conseguimos recordar, chegando ao ponto de nem sabermos como
começaram nem de onde vieram. Confessando, sou apenas uma das que passou das
aulas de uma hora para as aulas de noventa minutos e achei aquilo um disparate
total. Tirava-nos intervalos, tirava-nos momentos de caçadinhas e de saltar à
corda e obrigava-nos a estar mais tempo sentados a ouvir sobre reis, rios,
palavras estrangeiras e números primos.
Depois veio o secundário e deixámos de ter “folgas” porque
passou a haver professores que tinham que substituir os que faltavam e nós
ficávamos tristes. Não era porque não queríamos aprender, era porque as “aulas
de substituição” nos cansavam mais do que as outras. Os professores não nos
conheciam, abusávamos deles e era como voltar ao zero.
Eu era pequenina. E nunca me passou pela cabeça pensar no
lado dos professores. Até ao dia 1 de Março.
Foi o culminar de tudo. Durante semanas e semanas ouvi a
minha mãe, uma das melhores professoras de Inglês que conheci, o meu pilar, a
minha luz, a minha companhia, a encher a boca séria com a palavra depressão. A
seguir vinham os tremores, as preocupações, as queixas de pais, as crianças a
quem não conseguimos chamar crianças porque são tão indisciplinadas que parece que
lhes falta a meninice. Acreditem ou não, há pais que não sabem o que estão a
criar. Como dizia um amigo meu: “Antigamente, fazíamos asneiras na escola e
quando chegávamos a casa levávamos uma chapada do pai ou da mãe. Hoje, os
miúdos fazem asneiras e os pais vão à escola para dar a dita chapada nos
professores”. Sim, nos professores. Aqueles que tomam conta de tantos filhos
cujos pais não têm tempo nem paciência para os educar. Sim, os professores que
fazem de nós adultos competentes, formados, civilizados. Ou faziam, porque
agora não conseguem.
A minha mãe levou a
maior chapada de todas e não resistiu. Desculpem o dramatismo mas a escola, o
sistema educativo, a educação especial, a educação sexual, as provas de
aferição e toda aquela enormidade de coisas que não consigo sequer enumerar,
levaram deste mundo uma das melhores pessoas que por cá andou. E revolta-me não
conseguir fazer-lhe justiça.
Professores e responsáveis pela educação, espero que
leiam isto e acordem, revoltem-se, manifestem-se (ainda mais) mas, sobretudo e
acima de qualquer outra coisa, conversem e ajudem-se uns aos outros. Levem a
história da minha mãe para as bocas do mundo, para as conversas na sala dos
professores e nos intervalos, a história de uma mulher maravilhosa que se
suicidou não por causa de uma vida instável, não por causa de uma família
desestruturada, não por dificuldades económicas, não por desgostos amorosos mas
por causa de um trabalho que amava, ao qual se dedicou de alma e coração
durante 36 anos.
De todos os problemas que a minha mãe teve no trabalho
desde que me conheço (todos os temos, todos os conhecemos), nunca ouvi a
palavra “incapaz” sair da boca dela. Nunca a vi tão indefesa, nunca a conheci
como desistente, nunca pensei ouvir “ando a enganar-me a mim mesma e não sei
ser professora”. Mas era verdade. Ela soube. Ela foi. Ela ensinou centenas de
crianças, ela riu, ela fez o pino no meio da sala de aulas, ela escreveu em
quadros a giz e depois em quadros eletrónicos. Ela aprendeu as novas
tecnologias. O que ela não aprendeu foi a suportar a carga imensa e descabida
que lhe puseram sobre os ombros sem sentido rigorosamente nenhum. Eu, pelo
menos, não o consigo ver.
E, assim, me manifesto contra toda esta gentinha que
desvaloriza os professores mais velhos, que os destrói e os obriga a
adaptarem-se a uma realidade que nunca conheceram. E tudo isto de um momento
para o outro, sem qualquer tipo de preparação ou ajuda.
Esta, sim, é a minha maneira de me revoltar contra aquilo
que a minha mãe não teve forças para combater. Quem me dera ter conseguido
aliviá-la, tirar-lhe aquela carga estupidamente pesada e que ninguém, a não ser
quem a vive, compreende. Eu vivi através dela e nunca cheguei a compreender.
Professores, ajudem-se. Conversem. E, acima de tudo, não
deixem que a educação
seja um fardo em vez de ser a profissão que vocês escolheram com tanto amor.
Pensem no amor. E, com ele, honrem a vida maravilhosa que
a minha mãe teve, até não poder mais.
por Sara Fidalgo
P.S. - Não posso deixar de agradecer a
todos os que nos ajudaram neste momento de dor
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