Não há semana em que não apareçam a circular na “net”, lista de
escandalosos vencimentos de realizadores, de entrevistadores e de outros
técnicos dos órgãos de comunicação social do Estado, nomeadamente da televisão
pública. E já não vale a pena bater mais no ceguinho, pois nada se ganha com
isso. Apenas se deduz legitimamente e se verifica a olho nu que os políticos,
apesar do que se possa pensar, têm medo da imprensa e da retaliação que
sofreriam se, em nome da crise que vivemos, caíssem na asneira de irem aos
bolsos das figuras conhecidas dos ecrãs televisivos. Pelos vistos, não há
coragem para tal. E a Imprensa não pode escandalizar-se com este juízo de valor,
pois globalmente gosta de apontar os argueiros nos olhos dos outros, mas quando
se trata dos seus próprios interesses, cala-se bem caladinha, reagindo de forma
diferente consoante quem ocupa as cadeiras do poder, isto é, quem lhe apara ou
não o jogo. Como me estou marimbando para o facto de os órgãos de comunicação
social gostarem ou deixarem de gostar das minhas opiniões, e como nem sequer
pertenço a qualquer grupo mais ao menos secreto daqueles que dão cartas neste
triste país, posso fazer blague com a abissal diferença do que se passava na
Idade Média, com os arautos e expoentes máximos da cultura, e o que agora se
passa com as estrelas da Televisão e não só, como diria a Srª Miquinhas, dona
do estabelecimento comercial da Esquina. Perante uma situação de crise, que
sacrifica todos os que fizeram descontos ao longo da sua vida de trabalho, e
que cada vez recebem menos dinheiro para as suas despesas essenciais, outros
há, nas empresas do Estado, que não se lembram nem se querem lembrar dos cortes
feitos nos vencimentos da maioria da comunidade. Até parece que consideram
incómodos e imprestáveis os mais velhos, já fora dos circuitos produtivos, e
que garantiram com as suas contribuições o actual Estado Social. Para não haver
dúvidas sobre esse diagnóstico, basta verificar o que se passa com os locutores
e outros artistas do ecrã que têm os seus vencimentos permanentemente acrescidos
ou, pelo menos, imunes a qualquer corte, com base nas mais desvairadas
desculpas oficiais, como será a concorrência e o temor que se escapem para outra
antena da concorrência, daquém ou além fronteira…! Ora, não é isto o que se
passa com o melhor que há na nossa juventude, por não encontrar emprego no
território nacional ou por não estar para aturar o ambiente mafioso que hoje em
dia se vive, com políticos corruptos e demais marginais intocáveis a viver à
nossa custa? Sim, à nossa custa, comunidade altamente explorada, a conviver obrigatoriamente,
paredes meias, com privilegiados políticos que não tinham um tostão de seu e
agora são uns autênticos nababos, com uma actuação igual ao ditador Bocassa e
quejandos. Ora bem, noutros tempos, quando a moirama subia por aí a cima ou nos
atacava pela fronteira oriental, a pretender cortar a cabeça à nossa gente para
restabelecer o seu império nos Reinos dos Algarves, as nossas reservas tinham
que ser canalizadas, sem qualquer hesitação, para a defesa e para o povoamento
do território. Todos tinham que apertar o cinto e os elementos da Corte, a
gosto ou a contragosto, davam o exemplo. Claro está que, como hoje, a cultura
dominava o panorama intelectual tanto dos estractos mais altos como os gostos
simples do nosso povo, mais que não fosse, por um snobismo igual ao dos nossos
tempos. Tirando as notícias dadas pelos arautos e proclamações oficiais, as
histórias, os escândalos, as intrigas, a má língua, as cantigas de amor, de
amigo e de mal dizer, bem como as críticas ao poder, eram matéria veiculada por
um tipo “sui generis” de comunicação social. As novidades eram transmitidas pelos
bobos, pelos jograis, e pelos artistas que eram contratados pelo poder central
ou local e que representavam nas feiras e noutros lugares públicos os seus
momos, formando a opinião pública da altura. Apesar de tal, D. Afonso III, arrostando
com o melindre do descontentamento dessas “trombetas”noticiosas, não deixou de limitar
o número de bobos e de jograis da corte e de lhes mexer nos vencimentos. Isto, apesar
da importância dada à vertente cultural no seu reinado, pois tinha vivido na
Corte de Bolonha e sentia, por experiência própria, a necessidade imperiosa da cultura,
como factor determinante para o desenvolvimento global do Reino. Apesar das
circunstâncias descritas, na Corte, os jograis passaram a ser apenas três para
poupar o erário público. O Rei deixou-se de demagogia barata e achou que esse
sector da população era privilegiado em relação aos outros sectores da vida
pública e, se tirou regalias ao clero e à nobreza, não poupou os artistas, mesmo
aqueles que tinha que manter satisfeitos para evitar as sua tradicional língua
viperina. E vai daí, além de lhes reduzir os vencimentos e o passadio, diminuiu
o seu número no elenco dos funcionários da Corte, isto é, nos quadros dos funcionários
públicos de então. Por outro lado, em relação a outro tipo de elementos culturais
da sociedade de antanho, que viviam à sombra das benesses da república, que
pagava a sua actuação directa, ou indirectamente através dos Concelhos,
passava-se o mesmo. Na verdade, as soldadeiras e as bailarinas ambulantes, a
quem o poder só tinha vantagem em agradar pois, juntamente com jograis e aedos,
eram permanente atracção pública, influenciando com a sua opinião as multidões
que frequentavam feiras e mercados. Sem qualquer cerimónia., passaram a ter a
sua vida regulamentada e a ter que ajudar a causa pública com as suas contribuições.
O intelectual português, Duarte Ivo Cruz, faz alusão a essas limitações
económicas para a Cultura, por parte do Rei “Bolonhês”, no interessantíssimo
livro “Teatro em Portugal”…
Pois, nos nossos tristes tempos, igualmente ao que se passa com alguns
gestores de empresas públicas, as estrelas televisivas e da rádio oficial são
intocáveis, escandalizando uma população inteira com os seus chorudos proventos,
população essa que, muitas vezes, não tem o suficiente para se tratar e para alimentar
o agregado familiar, apesar de ter trabalhado no duro toda uma vida.
António Moniz Palme- 2012
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