quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Desafios Cruzados; por Drº Carlos Aguiar Gomes

1. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades… Era assim. Não é agora. Hoje, mudam-se as vontades e, por conseguinte, mudam-se os tempos. E estes mudaram e continuarão a mudar. Olhando à nossa volta, e não precisamos de ser filósofos ou sociólogos, constata-se, como óbvio, que os tempos mudaram e que as vontades, os nossos objectivos valorados, colapsaram antes. Perdemos a nossa memória colectiva, local, nacional e até familiar. Aderimos às modas da superficialidade e do efémero. Arrumamos Deus e nem queremos ouvir falar d`Ele. Tudo o que sai das paredes do nosso corpo, que tratamos com cuidados que chegam a ser verdadeiras manias doentias, não nos interessa nem incomoda. Adoramos religiosamente o nosso eu. O dinheiro foi alcandorado a divindade. O outro só vale enquanto nos interessar e dessa relação tirarmos algum proveito (se possível, muito e muito rapidamente!). A nossa identidade torna-se, assim, frágil. As relações inter-pessoais, esfarelam-se muito instantaneamente. Olhemos o que se passa com as relações conjugais…Quando há casamento, brutalizam-se os festejos e a imaginação não tem limites nos gastos…E, depois, às vezes muito pouco tempo depois, rebentam as juras que não devem ter sido muito conscientes…E os filhos (o filho!) são atirados como bolas de futebol de um para o outro…A amizade anda “facebookada” e confundem-se os Amigos com os contactos despersonalizados….Baralhamos Amor com sexo (se possível seguro, isto é, desligado da sua função animal, a reprodução…)
Andamos perdidos, como náufrago no meio de uma tempestade e que pensa no que vai comer e com vai passar a noite de prazer, enquanto as bóias se vão furando e o corpo mergulhando…
2. A política nacional parece que só existe agora. Deu-nos uma amnésia desgraçada. Como bons cidadãos do hoje, só o hoje conta. Mas o hoje tem um ontem! Sem este, não haveria o hoje que contestamos e nos amargura. Nos vai ao bolso. Mas, deveríamos procurar as mãos ladras no ontem. Tão acelerados, não paramos para pensar e reagir com calma e justiça. Enfim, este país não tem emenda. Há muito tempo que já nos deveríamos ter preocupado.Com as auto-estradas desnecessárias, com os “Parques escolares” sem avaliação séria das despesas. Da chusma de PPP que nos estão a roer o corpo e a alma. Com as mordomias inexplicáveis (se é que as mordomias devem ter explicação e justificação!). Com os “jobs for the boys” que foram e são um ataque contra a competência… E quanto mais poderia elencar. Os meus leitores sabem fazer a sequência …
3. Não gosto de ser um pessimista. Vai contra as minhas convicções mais profundas. Mas… quando penso ( algo que eu gosto muito de fazer ! ) no nosso trajecto como povo, assalta-me uma raiva contra este colectivo que tantas vezes se encheu e cobriu de glória e tantíssimas me envergonha. Os livros de História ocupam um canto particular nas minhas preferências. A reflexão das narrativas do nosso percurso interessam-me particularmente. Dou uma atenção especial ao fim do século XIX e princípio do século XX. Este nasce com um terrível duplo crime; o regicídio. Matamos (e deixamos matar) um dos Homens mais brilhantes que presidiram ao nosso destino português, o Rei D. Carlos, um Homem fora de série, um Rei que nós não merecíamos, dada a nossa terrível mediocridade E na chacina eliminamos com brutalidade um jovem. Os 16 anos de república foram o que foram de anarquia, perseguição ( mesmo entre os republicanos, é bom não o esquecer ), de enorme conflitualidade e de colapso financeiro… Depois, esta república preparou a Ditadura e o regime autocrático que vigorou até 1974. Outro depois… lembramo-nos da “exemplar descolonização” e do PREC e da inflação e de …? Já esquecemos o “gaste-se Muito que deu no que estamos a ver?
Neste momento de grave e grande crise, parar e pensar impõe-se.

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