Transcreve-se do Diário das Sessões
a intervenção do deputado Botelho Moniz respeitando-se a grafia da época.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: um seguimento a considerações que
produzi antes e durante a última campanha eleitoral, e como sua consequência
inevitável, vou entregar a V. Ex.ª, dentro de alguns minutos, um projecto de
lei que reputo representar um primeiro passo no sentido da conciliação da
família lusitana.
Creio que o artigo 3.º deste documento só encontra
perfeitamente de acordo com o sentido de uma moção que, em sessão legislativa
anterior, tive a honra de ver aprovada, por unanimidade, pela Assembleia
Nacional.
Por sua vez, os artigos 1.º e 2.º desse projecto concedem
amnistia completa para as faltas disciplinares e crimes políticos cometidos por
pessoas cujos altos serviços à Pátria tenham merecido galardão especial. Os
artigos 3.º e 6.º pretendem reparar algumas injustiças e desigualdades
flagrantes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Botelho Moniz: chamo a
atenção de V. Ex.ª para a disposição regimental que não permite anunciar-se
qualquer projecto de lei sem prévia observância do § 1.º do artigo 11.º do
Regimento.
O Orador: - Conforme declarações públicas amiudadamente
formuladas, sou partidário de uma amnistia geral, de que beneficiem monárquicos
e republicanos condenados por crimes exclusivamente políticos.
No entanto, o meu projecto de lei é muito mais limitado.
Porquê? Porque nos encontramos a menos de dois meses do início de novo período
presidencial e me parece que só ao Poder Executivo compete ser juiz da
oportunidade duma amnistia de tão grande vastidão, naturalmente condicionada
pelas emergências políticas e pela atmosfera em que a vida pública se
desenvolver. Se esta primeira étape obtiver aprovação da Assembleia, aplaudirei
de todo o coração as decisões mais largamente generosas que o Chefe do Estado e
o Governo entenderem por bem tomar.
O artigo 3.º do meu projecto visa a colocar em situação de
igualdade com os amnistiados alguns portugueses de alto valor pessoal e
profissional que viram as suas carreiras militares destroçadas por motivo de
ferimentos em combate e os seus direitos legais diminuídos como efeito de
aplicação demasiado genérica de disposições retroactivas.
O último artigo pretende terminar com uma desigualdade tão
odiosa que foi condenada, em duas notas sensacionais, pelo próprio órgão
pessoal de S. Ex.ª o ex-candidato oposicionista.
Refiro-me ao banimento do território português do Sr. D.
Duarte Nuno de Bragança e de sua família. Nenhuns outros exilados existem,
legalmente ou forçadamente.
Como republicano, educado em princípios de tolerância e
igualdade, repugnam-me todas as leis de excepção.
Como português, julgo que Portugal não tem o direito de
continuar negando esta reparação elementar ao nobilíssimo e abnegado
representante da dinastia de Bragança, à qual a Pátria deve a salvação da sua
independência, a conservação de grande parte do seu Império e muitos séculos de
civilização cristã, de progresso da grei e de paz social.
Propositadamente apresento este projecto de lei sem haver
consultado quem quer que seja. Trata-se de uma iniciativa individual cuja
responsabilidade me pertence ùnicamente.
Entretanto, ao terminar estas considerações, julgo útil
narrar ura pequeno episódio: há dias, no decurso de conversa com um republicano
ilustre da oposição, embora não entrasse em pormenores ou pedisse opiniões,
anunciei-lhe a minha intenção de pugnar pela revogação do banimento da família
real portuguesa. Disse-me achar justa a medida, sob condição de que o
pretendente ao trono não efectuasse propaganda dos seus ideais políticos.
Respondi-lhe simplesmente: porque há-de um português
monárquico ter direitos inferiores aos que a oposição republicana pede para si?
O meu interlocutor, pessoa muito culta, inteligente, sincera
e compreensiva, meditou um instante, sorriu e respondeu-me em duas palavras:
tem razão.
Nenhum outro apoio ou comentário poderia ser mais
expressivo.
Em vista da advertência de V. Ex.ª, o meu projecto de lei
vai ser entregue na Mesa para seguir os trâmites regimentais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
(Foi mandado para a Mesa o projecto).
O Sr. Presidente: - Nos termos do Regimento, o projecto do
Sr. Deputado Botelho Moniz vai ser submetido à apreciação das comissões
respectivas, que terão de pronunciar-se sobre a sua conveniência ou
inconveniência, se antes não for afastado por inconstitucionalidade, e só então
o Sr. Deputado Botelho Moniz poderá fazer a sua apresentação à Assembleia.
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