Cresce o desconforto de um processo sem fim, que tem
na sua base crenças insensatas em que comprar pode ser um acto sentimental ou compulsivo quando serve para nos
compensarmos daquilo que não podemos ter. Este comportamento alimenta-se de uma
ansiedade crescente em que quanto maior a tensão interior, mais vezes se repete
o comportamento, assim como, maior se vai tornar o sentimento de culpa, de
perda de controlo e de desvalorização pessoal. O comportamento compulsivo e
rotineiro apenas esconde necessidades afectivas não preenchidas: são tristezas,
solidões e frustrações os pilotos destes comportamentos; são o vício em que as
pessoas estão envolvidas; é uma fraca auto-estima inconscientemente compensada
com as compras; é uma tensão acumulada e incapacidade de resistir ao impulso,
acto prejudicial, em que a pessoa apesar de ter consciência do seu acto não
consegue impedir-se de o fazer. O acto de comprar proporciona, ainda que
temporariamente, emoções positivas como a alegria, o bem-estar, a sensação de
poder e até algum relaxamento, o problema, é que a corrida às compras não
“tapa” o vazio interior. Se estamos mal no casamento ou no emprego, se temos
problemas com os filhos ou com os pais, se os vizinhos são um incomodo
desforramo-nos nas compras para reduzir a ansiedade, de compra em compra
experimentamos as emoções de alegria e/ou tristeza, pelo meio somam-se perdas
afectivas e sentimentos de profundo desespero que, por vezes, é preciso chegar
para repensar tudo e partir do zero, procurando-se soluções pessoais aos
problemas em vez de substitutos materiais.
Para reforçar esta realidade que vem de dentro de
cada um de nós temos no descoberto das pessoas a sociedade da superabundância,
onde somos assediados pelos múltiplos apelos ao consumo, a facilidade de acesso
ao dinheiro que apesar de constituir, só por si, um factor ilusório, faz
consumir cada vez mais. Neste rescaldo, consumimos para nos afirmarmos em que o
possuir é algo como demonstrar, adquirir status, conhecimento e distinção.
E, nesta permuta entre o pessoal e o colectivo surge-nos
a inevitável questão: será que podemos continuar nesta atitude, com este
comportamento condicionado ao consumo? É claro que não, a sociedade que ontem
nos abriu as portas ao consumo é a mesma que hoje as fecha, alertando-nos para
o “travão a fundo” na despesa, recordando-nos, inclusivamente, que os bens
acautelam as nossas necessidades, mas não nos aliviam das frustrações do
dia-a-dia que nos impelem à acção espontânea que, por vezes, ignora os nossos
interesses e o dos outros.
Enfim, apesar da sociedade mediatizada e
materialista, nos bombardear com todo o tipo de estereótipos, o que nos
dificulta a percepção do que é realmente essencial, como se nos fizessem uma
lavagem ao cérebro, destituindo-nos de sentido crítico, surgindo com isto o
mal-estar interior, aquele que nos faz sentir vazios e perdidos, escravos de
todo o tipo de modas e tendências, muitas das vezes geradoras, ainda, de mais
decepções, as pessoas sabem muito bem como se libertar da pressão da
publicidade e do consumo, se estão inquietas é por outros motivos como o
desemprego, uma doença, a relação com os outros, o desapontamento ou a falta de
amor. Por isso, não faça das compras deste Natal o antitóxico do vosso humor ou
da vossa moral.
Sílvia Oliveira
Deputada municipal pelo PPM na Assembleia Municipal
de Braga
Jornal "Diário do Minho" de 9 de Dezembro
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