* Por: José Aníbal Marinho Gomes, Convidado do ESTADO SENTIDO
No último programa da “Quadratura do Círculo” foi analisada a entrevista que a Dr. Isabel Jonet concedeu ao Jornal I. Fiquei admirado com o que ouvi no decurso do programa. A caridade é de facto uma virtude cristã, mas quando esta se transforma em caridadezinha há uma total subversão dos princípios de S. Francisco de Assis. A caridade, que não se esgota na esmola, foi uma das características mais marcantes da santidade nos séculos centrais da Idade Média. É o amor! Revela tanto o Deus louvado como o sentimento predominante na fraternitas primitiva. Mas o que é praticar a caridade senão ser solidário para com o próximo? Como refere o ensaísta e filósofo de origem libanesa, Kahlil Gilbran “ É Belo dar quando solicitado; é mais belo, porém, dar por haver apenas compreendido”.
Nesta máxima está o verdadeiro espírito da solidariedade e da verdadeira caridade cristã que a Dr.ª Isabel Jonet ainda não entendeu e que pelos vistos o Dr. António Lobo Xavier também não. Devido à crise que o nosso país atravessa a entrevista da Dr. Isabel Jonet, foi em meu entender muito infeliz, para além de ter sido nitidamente uma entrevista cujas respostas são de carácter tendencialmente político, com uma mensagem determinada e direccionada, que não é digna de uma dirigente de uma instituição solidária e apolítica, pois não lhe quero chamar “caritativa”, assim como foi infeliz a forma como o Dr. Lobo Xavier arguiu em sua defesa durante este programa televisivo, parecendo mais um “menino mimado” único detentor da verdade universal e suprema. Primeiro o Dr. António Lobo Xavier refere-se a Isabel Jonet com sendo a fundadora do Banco Alimentar, o que não corresponde à realidade. Para os mais distraídos o Banco Alimentar foi fundado pelo Comandante José Vaz Pinto, que o dirigiu quase até à sua morte que ocorreu há uns meses, e quando a Dr. Isabel ingressou nesta instituição, o Banco Alimentar já estava em pleno funcionamento. Além disso importa referir o nome de outros dois fundadores que desde o início acompanharam o Comandante Vaz Pinto, o Eng.º Manuel Ferrão de Lancastre e o Padre António Vaz Pinto, e que no dia 23 de Janeiro de 1991 assinam a escritura de constituição do Banco Alimentar. Assim aconselho o Dr. Lobo Xavier a ler este texto.
Nos princípios que nortearam a sua fundação o comandante Vaz Pinto rejeita a caridade condescendente, e define o seu trabalho como sendo uma opção de cidadania, por isso ninguém o conhece, ao invés da sua “sucessora”. Infelizmente, fruto das políticas calamitosas levadas a cabo pelos nossos governantes desde há vários anos a esta parte, a que não será por ventura alheia uma crise económica europeia, o nosso país tem caminhado em direcção ao abismo, e hoje em dia fruto das políticas suicidas levadas a cabo pelo actual governo, precipitou-se definitivamente nele. Logo vai existir mais pobreza, uma pobreza envergonhada de pessoas que em determinada altura das suas vidas lhes foi dito, com o assentimento dos seus governantes em que confiavam, que por exemplo, podiam comprar as suas casas e que conseguiam pagá-las num certo período, pois para além de terem rendimento mensal suficiente para o fazer, não existiam outras alternativas, e que agora de um momento para o outro, por incompetência dos governantes que insistem contra tudo e contra todos em políticas desastrosas, que retiram rendimento aos agregados familiares de duas formas, cortando nos salários e aumentando os impostos, se vêem impedidas de cumprir os seus compromissos.
Por isso é preciso e urgente respeitar a pobreza das pessoas, e já que o governo não o faz, violando a ética e a moral, e sobretudo o contrato social que estabeleceu com todos nós, é nossa obrigação enquanto cidadãos fazê-lo e exigir que o Estado tenha respeito pela situação dos seus cidadãos. O Dr. Lobo Xavier que em tantos outros programas e intervenções públicas anteriores mostrou ter um nível superior ao comum dos mortais, desta vez ficou-se pelo primário, parecendo que estava a fazer o favor a alguém...
Como muito bem referiram os Drs. António Costa e Pacheco Pereira a solidariedade não é nem pode ser uma “coisa” fria e distante e, apesar de eu ser Católico, considero que a mesma não é exclusiva dos crentes. O que ouvi neste programa da boca do ilustre jurista acerca da caridade não me parece que seja o que está consagrado pela Doutrina Social da Igreja, antes ofende os princípios declarados no Concílio Vaticano II. Qual o papel do humanismo? São Paulo compreendeu verdadeiramente esta realidade, quando diz: “Se eu falar as línguas dos anjos; se tiver o dom de profecia, e penetrar todos os mistérios; se tiver toda a fé possível, a ponto de transportar montanhas, mas não tiver caridade, nada sou. Entre essas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade, a mais excelente é a caridade”.
Coloca, assim, sem qualquer equívoco, a caridade acima da própria fé. Pois a caridade está ao alcance de todos, do ignorante e do sábio, do rico e do pobre; e faz mais: define a verdadeira caridade; mostra-a, não somente na beneficência, mas no conjunto de todas as qualidades do coração, na bondade e na benevolência para com o próximo. Estou de acordo que praticar a caridade é praticar o amor, e praticar a solidariedade é ou não praticar o que S. Paulo pregou? A solidariedade é uma obrigação da democracia e do Estado Social de Direito, a que todos os cidadãos sem excepção têm direito e que pode ser complementada por instituições como o Banco Alimentar Contra a Fome e nada mais.
Utopicamente falando era preferível o desaparecimento deste tipo de instituições, pois seria um sinal de que o Estado cumpria o seu papel na sociedade, e que a pobreza, cancro de qualquer comunidade digna desse nome, tinha sido erradicada de uma vez por todas. Como monárquico convicto que sou e praticante deste nobres ideais e católico, sinto-me triste por uma personalidade como o Dr. Lobo Xavier, que eu julgava diferente de muitas do partido a que pertence, usar este género de argumentos para defender o indefensável parecendo até que estava na barra dos tribunais, como se estivesse a arguir a favor de um seu cliente sem qualquer tipo de convicção sobre a inocência do mesmo. Pelo que sei o Dr. Lobo Xavier é monárquico, embora não seja praticante como eu, mas confirma-se agora que em termos ideológicos há uma grande diferença entre nós. Não é o seu Estado que eu quero para o meu país, um Estado de pobres.
Assim como não é este tipo de caridade que eu defendo. Defendo um Estado com cada vez menos pobres e onde a solidariedade impere sobre a caridade e onde os cidadãos e não súbditos, estejam cada vez mais próximos do seu REI! Quero que o Estado cumpra o seu papel na sociedade, que não violente e penalize os seus cidadãos fiscalmente e que seja solidário, pois estes itens, além de outros, fazem parte do contrato que celebrou com os seus cidadãos.
José Aníbal Marinho Gomes
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