Tanto se fala de fundamentalismo e de terrorismo, que não
posso deixar de fazer um pequeno comentário ao desaparecimento recente de Bin
Laden. Estava nessa altura a visitar a Turquia, quando foi noticiada a sua
morte, razão porque tive a possibilidade de aquilatar a reacção da população
turca à notícia profusamente difundida. Contudo, penso ser necessário fazer um prévio
esclarecimento. A Turquia, de forma incipiente ou não, tem um sistema
democrático que permite a discussão de todos os problemas que afligem a sua
comunidade, incluindo os de carácter religioso. Mustafá Kemal,
depois conhecido por Ataturk, o pai dos turcos, estabeleceu, em 1923, um estado
laico, democrático. A Basílica de Santa Sofia foi então transformada em Museu,
podendo todas as confissões religiosas lá orar livremente, sem ninguém ser
importunado.
O Papa Bento XVI, visitou Istambul e teve oposição das
autoridades religiosas muçulmanas por pretender ir à Catedral de Santa Sofia,
pois a sua presença ali poderia levantar o problema da ligação daquela
belíssima construção `a Igreja Católica. Ainda por cima, após ter sido
criticado pelo fundamentalismo árabe, por se atrever a dizer a verdade, num
congresso de intelectuais, que Maomé converteu populações inteiras à ponta da
espada, no regresso de Medina para onde fugiu após não ter tido êxito com o
primeiro ensaio da força como meio de catequização. Na verdade, no regresso a
Meca, a sua terra natal, matou todos os que se opuseram à arabização religiosa.
Foi o chamado baptismo não no amor ao próximo, preconizado na sua doutrina, mas
no sangue e na dor.
Pois o Papa, quando foi a Istambul, perante todos estes
entraves, foi à lindíssima Mesquita Azul, onde rezou piedosamente, referindo
que o Deus dos Muçulmanos era o mesmo Deus dos Cristãos. Com tal comportamento
teve o imediato e profundo respeito de toda a população turca seguidora de
Maomé. Pena é que a imprensa europeia muito pouco ou mesmo nada tivesse dito,
talvez por orientação das seitas que na sombra mandam nos meios de comunicação.
Aliás, a religião de Maomé tem sido deturpada pelos
fundamentalistas, através de interpretações literais, principalmente com base
nos “Sunanah”, exemplos práticos que Maomé dava para
resolver problemas religiosos concretos e que até podiam ser aceites na
conjuntura social desses tempo. Essas interpretações agora trazidas à ribalta
têm muitas vezes finalidades não religiosas, mas de conquista de territórios
outrora considerados árabes. Nas suas purgas internas, houve um Emir, o Omíada
Abdul RahMann
que fugiu para o Al-Andaluz e reconstituiu lá o califado de Córdova. Ora, os
Extremistas actuais proclamam que voltarão á Península Ibérica para retomar o
território que então lhes pertenceu.
Os Sufitas mantiveram-se fieis à sua doutrina, pregando o Amor, a Paz
e a Espiritualidade, regras que são ainda a base do ideário da maioria
muçulmana. Mas, os fundamentalistas acusam os sufitas de
terem sido influenciados pelos cristãos e amolecido o seu ideário. O que é
certo é que os turcos ficam ofendidos quando os chamam árabes e se de qualquer
modo os relacionam com o extremismo. Lá têm a sua razão. A maioria dos
seguidores do Islão têm um
grande respeito por Jesus Cristo, que consideram apenas um simples profeta, e
pela Sua Mãe Maria Santíssima, que é venerada pelas comunidades muçulmanas.
Quando, na Turquia, tivemos notícia da morte do Bin Laden,
verificámos que não houve qualquer manifestação a favor dessa tenebrosa figura,
ao contrário do que aconteceu na Palestina e noutros países muçulmanos. Um
companheiro nosso, no dia seguinte, foi assistir a uma sessão de orações numa
Mesquita ao fim do dia. Sabiam que era estrangeiro e cristão. Nada disseram.
Não houve qualquer comportamento hostil para aqueles cujos países condenavam o
terrorismo. Apenas ainda duvidavam da veracidade da notícia. O que é certo é
que nada pressentimos ou vimos que nos pudesse levar a pensar que era um perigo
andarmos a deambular pelas ruas e pelos castiços bazares da Turquia.
Não posso deixar de concluir que em todos os países com
instituições democráticas, a política tem sido o veículo, o local e um meio
de compromisso. Lá são feitas críticas ao poder e até à religião, como
foi o que aconteceu com a Inquisição na Europa. Ora, na maior parte dos países
árabes não existem estruturas políticas onde as discussões sistematicamente se
possam desenrolar e a luz nasça do encontro e das necessárias trocas de ideias.
Em muitos países muçulmanos apenas existem as mesquitas como local de encontro,
onde a política e a religião se misturam para prejuízo de ambos os campos,
estando qualquer diálogo condicionado pela ortodoxia religiosa fiscalizada
pelas próprias paredes dos templos.
Nos países árabes que têm um laivo de democracia, existe um
progresso social significativo, bem diferente do resto do mundo muçulmano. As
mulheres têm direitos, podem exercer as suas actividades profissionais,
começando a ser tratadas com igualdade pela lei e pelos homens, não sendo
vistas como simples objectos sem qualquer vislumbre de liberdade e de
dignidade.
Por outro lado, as conversões não podem perder de vista a
liberdade de pensamento de cada um. E os crentes das diversas religiões,
principalmente das monoteístas, sabendo que o mesmo Deus é adorado pelos
crentes de outras religiões de forma diferente, terão que se abrir aos seus
irmãos, quer sejam cristãos ou judeus, cujas crenças apenas têm uma roupagem
diferente, muitas vezes determinada pela simples conjuntura geográfica e
cultural.
António Moniz Palme - 2012
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