Bons Amigos:
Fui dos primeiros que lutou contra a UNICIDADE SINDICAL e contra os
SANEAMENTOS na C.P., feitos pela Intersindical. Tenho criticado os Sindicatos,
nomeadamente o dos Maquinistas, pelas greves a despropósito que têm feito.
Agora, não podia deixar de vir a terreiro defender os ferroviários reformados,
quando lhes cortaram o direito de viajar em qualquer comboio, tirando-lhes um
direito que já vinha do tempo da Monarquia e que nenhum transtorno causa à C.P.
Espero que gostem do artigo
António.
A profissão de Ferroviário sempre teve, ao longo da sua história, facetas
muito especiais, criando um espírito peculiar nos seus agentes, bem diferente
das demais actividades profissionais. Os Ferroviários vivem o seu trabalho e o
casamento com comboios e ferrovia com autêntica paixão, até ao fim das suas
existências. Não fiquem chocados com tal circunstância. Quando iniciei a minha
vida de ferroviário, ficava espantado quando, nas estações e depósitos, via os
maquinistas a limparem com a manga do casacos os amarelos da máquina e os
reformados, com o seu lenço tabaqueiro, a fazerem desaparecer possíveis manchas
dos anteparos das portas das carruagens, lançando um ar crítico ao pessoal de
circulação, possível responsável daquelas faltas. Na verdade, o material ferroviário
fazia parte para todo o sempre das suas vidas. Comecei então a compreender melhor
a mística dos Caminhos-de-Ferro e a perceber bem o espírito que decorre do
romance “Os Velhos”, que na altura deu brado, da autoria do aristocrata
ferroviário, D. João da Câmara. E como se deduz claramente, esses bom
entendimento, principalmente com o material ferroviário, mantinha-se após a
inevitável reforma. Era assim a camaradagem nos caminhos-de-ferro
Porém, o centralismo feroz feito na C.P., acabando com as Regiões que
operavam com muita menos agentes e com o mínimo de burocracia, veio atenuar e
destruir as virtualidades desse espírito, pois deixou de haver uma mediação permanente
entre superiores e subalternos, sendo destruída uma certa cumplicidade que ao
longo dos anos florescia entre todos os graus da hierarquia, apesar de possíveis
injustiças e de situações de compadrio em nomeações, que por vezes aconteciam.
E tal centralismo era levado a cabo para não se ver a multidão de funcionários
que ocupavam enormes edifícios nas instalações ferroviárias em Lisboa e ninguém
sabia em que ocupavam o tempo. Pelo que eu conhecia, passavam o tempo a escrever
cartas uns aos outros, sem qualquer utilidade prática, criando permanentes impasses
na solução dos problemas operacionais, isto apesar de, por vezes, terem
gabinetes no mesmo andar, com portas contíguas. Daí a velha graça revisteira do
Parque Mayer, que a população tanto gostava –“Se na C.P. derem cabo de um
técnico por dia, por muitos anos ninguém dará conta…!
Mais tarde, outra grave machadada foi dada no modo de ser ferroviário e
que desuniu a família da ferrugem, como era conhecida a colectividade
ferroviária. Na verdade, a divisão da empresa dos caminhos de ferro em C.P. e
REFER, sem qualquer necessidade, veio duplicar os lugares de chefia e as
despesas fixas em relação aos gastos da empresa única anterior, tendo ainda o
condão de criar desuniões entre ferroviários que passaram a pertencer a
empresas distintas, com objectivos diferente, deixando de haver o espírito de
solidariedade e de entre ajuda que, através dos tempos, sempre tinham caracterizado
as suas relações laborais.
Mas, apesar das malfeitorias feitas ao espírito ferroviário, este ia
resistindo, perante o continuado centralismo lisboeta, que com ele tentava acabar,
pois era considerado incómodo e rebarbativo nas suas contestações e
reivindicações.
Todavia o golpe final foi agora dado. Os Reformados que sempre
trabalharam, recebendo menos vencimento do que em outras actividades, para
gozarem de um passe de caminho de ferro mesmo após a sua reforma, vêm ser
retirada essa sua regalia numa altura da vida em que já não têm condições para
se poderem defender eficientemente. E essa situação de impotência vai
minar-lhes as entranhas e matar-lhes a Alma. Vão estiolar e murchar como as
flores. Nada poderia ser mais brutal do que a retirada do direito de viajarem
nos seus comboios, quando têm tempo para o fazer. Um autêntico crime praticado
contra gente indefesa.
Será bom recordar que desde a Ordem da Direcção Geral de 30 de Novembro
de 1894, no tempo da Monarquia, começaram a ser dadas regalias aos ferroviários
nos transportes de comboio para compensar os vencimentos baixos, os longos
horários, o trabalho extraordinário à sobre posse, o excesso de calor e de frio
que apanhavam, a ausência permanente do seu agregado família, enfim, a demasia
de sacrifícios que a profissão lhes exigia. E as concessões, após a reforma, além
de serem um lenitivo para a sua difícil vida, faziam parte de uma das cláusulas
do contracto de admissão na empresa. Virem agora o Governo e a Administração tomar
decisões sobre esta matéria, com efeito retroactivo, é intolerável e
inconstitucional, mais que não seja. Ainda por cima, logo que os reformados não
ocupem lugares nas carruagens de primeira e nos comboios mais rápidos, às horas
e dias de maior movimento, qual o prejuízo para a empresa? Quando o transporte
de um reformado pode prejudicar a venda de um bilhete, ainda se compreende,
caso contrário não. Que prejuízo sofre a C.P. e a Refer com os passes dos
reformados? Na verdade, estão a ser vítimas de uma autêntica infâmia!!!
Quando me deslocava de comboio para a Régua, para ir a julgamentos a
Lamego, muitos reformados iam até ao Tua, em carruagens onde só eles viajavam, com
a desculpa de irem comprar o bom pão lá feito. No fundo, iam encontrar amigos e
fazer uma patuscada, gastando os últimos anos de merecido repouso da sua reforma
do modo que mais lhes agradava, andar de comboio de um lado para o outro. E tal
acontecia e acontece um pouco por toda a parte do Mundo Ferroviário.
A crueldade agora cometida não tem qualquer justificação, pois as
empresas não sofrem prejuízos com o transporte dos reformados, feito com as
devidas limitações. Como ferroviário reformado, de que me honro ser, tenho
vergonha que alguém considerado responsável tenha procedido desta maneira gratuita
e violenta, matando ignobilmente a Alma Ferroviária, sem qualquer proveito para
as finanças das empresas e sem qualquer vantagem para a colectividade. É
demais.
Ainda por cima, se tivessem legislado apenas para o doravante, ainda se podia
compreender, mas tirar direitos adquiridos com disposições retroactivas, só comete
tal acto quem tem pouca cabeça e não sabe o que anda a fazer.
António Moniz Palme – 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário