Maria da Fonte (ou Revolução do Minho) é o nome dado a uma revolta
popular ocorrida na primavera de 1846 contra o governo cartista (designação que
se deu em Portugal à tendência mais conservadora do liberalismo surgido após a
revolução de 1820, centrada em torno da Carta Constitucional de 1826, outorgada
por D. Pedro IV), presidido por António Bernardo da Costa Cabral. A revolta
resultou das tensões sociais remanescentes das guerras liberais (guerra civil
travada em Portugal entre liberais constitucionalistas e absolutistas sobre a
sucessão real, que durou de 1828
a 1834), exacerbadas pelo grande descontentamento
popular gerado pelas novas leis que se lhe seguiram de
recrutamento militar, por alterações fiscais e pela proibição de realizar
enterros dentro de igrejas.
Iniciou-se na zona de Póvoa de Lanhoso (Minho) por
uma sublevação popular que se foi progressivamente estendendo a todo o norte de
Portugal. A instigadora dos motins iniciais terá sido uma mulher do povo
chamada Maria, natural da freguesia de Fontarcada (que até ao início do século
XIX constituiu o couto de Fonte Arcada, um lugar imune), que por isso ficaria
conhecida pela alcunha de Maria da Fonte. Como a fase inicial do movimento
insurrecional teve uma forte componente feminina, acabou por ser esse o nome
dado à revolta.
Maria da Fonte e os motins iniciais…
Depois de múltiplos incidentes e
arruaças isoladas, ocorridos um pouco por todo o país, mas com maior relevo no
norte, o gatilho da revolta será um acontecimento deveras banal: a morte, a 21
de Março de 1846, da idosa Custódia Teresa, habitante da freguesia de
Fontarcada, dos arredores da Póvoa de Lanhoso.
Quando na manhã do dia seguinte,
22 de Março de 1846, um grupo de vizinhos, onde predominavam mulheres, decide
proceder ao sepultamento da defunta na Igreja do Mosteiro de Fonte Arcada, sem
autorização da Junta de Saúde e ao total arrepio das normas legais (lembre-se:
era proibido realizar enterros dentro de igrejas), as autoridades decidem
intervir, até porque aquele seria o segundo incidente do género naquele ano (a
20 de Janeiro, no enterro de José Joaquim Ribeiro, ali falecido).
No caso do
sepultamento de Custódia Teresa, o povo não permitiu que o comissário de saúde
viesse atestar o óbito, tendo-o espancado, nem os familiares aceitaram pagar a
taxa de covato (taxa de funeral). O enterro terá sido mesmo feito sem
acompanhamento religioso (o pároco recusou-se a participar no desacato, embora
o povo alegasse que o fazia por razões religiosas, pois se o corpo fosse
enterrado fora da igreja, noutro chão qualquer que não o do templo, o morto
estaria desprotegido).
Talvez por considerarem
menos provável que as autoridades agissem de forma violenta contra mulheres,
parecem estas ter tido papel preponderante nos eventos e é às mulheres do lugar
que se imputam as principais culpas. Esta imagem de liderança feminina também
pode ter resultado da forma como o evento foi descrito pelas autoridades, que
procuraram minimizar os incidentes atribuindo-os a grupos de beatas fanatizadas
pelos apostólicos.
Perante os fatos, as autoridades resolveram prender as
cabecilhas da revolta e proceder à exumação do cadáver e à sua sepultura no
terreno destinado a cemitério. Para tal a 24 de Março dirigiram-se à freguesia,
tendo sido recebidas à pedrada pela população armada com foices, tamancos e
cajados. Sem poderem exumar o cadáver, procederam à prisão de quatro mulheres
que foram consideradas cabecilhas dos incidentes dos dias anteriores: Joaquina
Carneira, Maria Custódia Milagreta, Maria da Mota e Maria Vidas.
Quando a 27 de
Março as presas iam ser ouvidas pelo juiz, os sinos tocaram a rebate, reunindo
o povo, que marchou até à vila para arrombar com machados as portas da cadeia.
À frente deste grupo, confiadas de que não se atreveriam a atirar sobre as
mulheres, estavam algumas jovens, entre elas, vestida de vermelho, Maria
Angelina, a irmã do sapateiro local, que terá sido a primeira a acometer à
machadada a porta da cadeia.
Então, quando as autoridades procuravam identificar os rebeldes, a jovem
Maria Angelina, que se distinguia das demais apenas por estar vestida de
vermelho, foi colocada no topo da lista. Como os circunstantes se recusavam a
identificar os amotinados, ficou registada simplesmente por Maria da Fonte
Arcada, depois abreviado para Maria da Fonte.
Contudo, sobre esta matéria as
opiniões divergem, já que nos anos imediatos muitas foram as Marias da Fonte
que apareceram pelo norte de Portugal, reclamando, com maior ou menor justiça,
a glória do nome. A identificação com Maria Angelina, que de fato foi
processada e pronunciada nos tumultos da Póvoa de Lanhoso, parece a mais
credível, já que o padre do lugar, Casimiro José Vieira, pertencia à corrente
mais à esquerda do movimento liberal e viveu de perto os acontecimentos,
deixando testemunhos nos seus Apontamentos para a História da Revolução do
Minho em 1846 ou da Maria da Fonte. Outra explicação alternativa, dado o
enquadramento social e político dos eventos, é a alcunha Maria da Fonte ser um
epíteto desdenhoso, lançado pelos políticos contrários à revolução, para
designar coletivamente as mulheres que, convenientemente para a versão
minimizadora dos incidentes, pareciam liderar a contestação. Assim, em vez de
uma Maria da Fonte, teríamos uma multidão de Marias. Depois,
romantizado pela intelectualidade da época, a Maria da Fonte acabaria por
transformada no epítome das virtudes guerreiras das mulheres do norte de
Portugal, passando de defensora de ideias reacionárias, materializadas em
costumes atávicos, a genuína expressão do desejo de liberdade da alma popular.
Afinal, é assim que nascem os mitos. Durante a Revolução da Maria da Fonte,
Angelo Frondoni (músico, maestro, compositor, poeta e crítico de arte, de
origem italiana que fez carreira em Portugal) compôs um hino popular que ficou
conhecido pelo nome de Hino da Maria da Fonte ou Hino do Minho, música
patriótica que teve larga divulgação e que chegou a ser aceite, pela
generalidade da população portuguesa, nos últimos tempos da Monarquia, quase
como hino nacional. Obra que respira entusiasmo belicoso e que por muito tempo
foi o canto de guerra do Partido Progressista (um dos partidos históricos
portugueses do rotativismo da Monarquia Constitucional de finais do século XIX,
caracterizado pela alternância no poder dos dois grandes partidos políticos do
centro-direita e centro-esquerda).
Ainda hoje, o Hino da Maria da Fonte
continua a ser a música com que se saúdam os ministros portugueses, sendo
utilizado em cerimônias cívicas e militares.
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