Aos 21 anos, Maria Amélia de
Bourbon-Orléans torna-se duquesa de Bragança, mulher do futuro rei D. Carlos. É
a filha do conde de Paris, Luís Filipe de Orléans, o pretendente ao trono.
Aos 21 anos, Maria Amélia de Bourbon-Orléans torna-se duquesa de
Bragança, mulher do futuro rei D. Carlos. É a filha do conde de Paris, Luís
Filipe de Orléans, o pretendente ao trono. Amélia pertence à alta linhagem
europeia, antes D. Carlos revelara um grande entusiasmo pela infanta Eulália de
Espanha, filha da rainha Isabel II, a infanta achou mais graça a um diplomata
da Legação portuguesa, o projeto de casamento foi abandonado. Encetaram-se
conversações com os Orleáns, Amélia e Carlos casaram em Lisboa em 22 de Maio de
1886. Em breve será a rainha de Portugal e a quem, perdido o marido e os dois
filhos, deambulando de corte em corte, alguém chamará “uma tragédia ambulante”.
É esta a biografia que acaba de ser publicada: “Rainha D. Amélia, uma
biografia”, por José Alberto Ribeiro, A Esfera dos Livros, 2013.
É um livro novo, surpreendente e que deita por terra alguma
mitologia em torno da última rainha de Portugal. O autor, que se doutorou com
uma tese dedicada a esta rainha e à sua obra mecenática e artística, teve a
oportunidade de consultar os diários de D. Amélia que esta mandara queimar,
instrução que não foi respeitada e que veio permitir um olhar renovado sobre um
reinado e uma época. Quando os duques de Bragança se consorciam já o rei D.
Luís sofria de graves problemas de saúde. D. Carlos será aclamado rei em 28 de
Dezembro de 1889, está em desenvolvimento um processo tumultuoso, o novo
reinado irá começar mal. Logo no início de 1890, o governo inglês impôs a
Portugal um ultimato para desocupar os territórios entre Angola e Moçambique,
em 24 horas. Cresce a contestação ao jovem rei, a oposição republicana encontro
um excelente pretexto. Igualmente no início de 1891 ocorre a insurreição
republicana do Porto. Em Maio desse ano, a crise financeira do Brasil arrasta
Portugal para uma grave crise monetária. No seu diário regista as tensões com o
marido e releva uma relação extremamente afável com a sogra, isto quando se
dizia que mal se podiam ver. Em 1892, é iminente a situação de bancarrota, o
rotativismo parlamentar e governamental dá provas de ineficácia. A rainha tudo
vê e anota, a sua intervenção é na área assistencial, caso do Real Instituto de
Socorros a Náufragos e o Instituto Bacteriológico. As agitações ministeriais tornam-se
prática corrente, os governos por convite sucedem-se. De acordo com o seu
diário, as tensões com o rei tornam-se cada vez mais frequentes, o monarca
passa largos períodos nas suas propriedades e em longas viagens pelo
estrangeiro. Em 1895 ficou marcado por vários sucessos militares de ocupação
colonial, Mouzinho de Albuquerque capturara Gungunhana, chefe dos Vátuas, em
Chaimite, foi um ponto alto no orgulho nacional.
Embora levando uma vida distante, as rotinas familiares
continuam a ser cumpridas, o casal aparece sempre em público nos seus deveres
de Estado. D. Carlos bem tenta o seu magistério de influência junto dos
partidos, alternância entre Regeneradores e Progressistas encaminha-se para o
descrédito absoluto. O rei afasta-se, envolve-se nas campanhas oceanográficas,
a rainha refugia-se no Palácio da Pena e depois acompanha o marido em visitas
pelo país. É neste contexto que a rainha dá um passo para consolidar a sua obra
assistencial, a criação da assistência nacional aos tuberculosos com várias direções:
construção de hospitais marítimos, sanatórios em clima de montanha e de
altitude, institutos para o tratamento da tísica e hospitais para tísicos,
destinados aos incuráveis. Assim irão surgir os sanatórios de Outão e
Carcavelos e já no século XX o dispensário antituberculoso de Lisboa. Nos seus
recreios, a pintura foi uma das suas distrações mais intensas.
Com o seu enorme prestígio, D. Carlos atrai a Lisboa
monarcas de toda a Europa bem como o presidente da República francesa. A rainha
cumpre exemplarmente as suas funções, granjeia amizades. Mais tarde, correrá a
notícia da sua coragem quando salvou um pescador nas águas de Cascais. Uma
coragem tremenda que irá comprovar na tarde do regicídio, brandindo um ramo de
flores frente aos regicidas. O novo século revelara-se explosivo, do lado
monárquico abundam as dissensões, os arrufos, os compadrios e os escândalos; a
corrente republicana não para de engrossar. Os monarcas procuram a todo o
transe manter a sua popularidade em dia, em 1901 viajam à Madeira e aos Açores,
as receções revelaram-se apoteóticas.
Os rumores e as calúnias à volta da rainha também cresciam:
que Mouzinho de Albuquerque se matara por não ver o seu amor à rainha
reconhecido; que a rainha tinha relações lésbicas avulsas e perdulárias, havia
mesmo um caso com a condensa de Figueiró… a rainha realiza uma viagem pelo
mediterrâneo, faz-se acompanhar dos filhos, a bordo do iate Amélia. Chegara o
tempo das visitas ilustres: Afonso XIII de Espanha, depois partem para
Inglaterra, foi assinado em Windsor um novo tratado luso-britânico, tratado que
renovava a garantia inglesa em relação à integridade dos territórios
ultramarinos de Portugal; depois é a vez da família real e inglesa visitar
Portugal, segue o imperador da Alemanha, Guilherme II e no final do ano de 1905
Émile Loubet, o presidente da República francesa.
Em 1906, descobriu-se a doença que atormentava o rei, a
diabetes. É um ano de uma inusitada instabilidade governativa e social que
deixou o país num estado crítico. A rainha continua voltada para as suas
preocupações assistencialistas e para a educação dos filhos. Em 1907, D. Carlos
ensaiou um governo autoritário sob a égide de João Franco, a classe política
não tolerou, a impopularidade do rei aumentou, chegara a hora das grandes conjuras.
No regresso de uma estadia em
Vila Viçosa , mal chegado a Lisboa, em 1 de Fevereiro de 1908,
D. Carlos e o príncipe herdeiro são assassinados. D. Amélia centra-se na
preparação do filho mais novo, desenvolve esforços para enfrentar a tempestade
política. Socorrendo-se sempre dos diários da rainha, o autor desvela a
natureza dos cuidados que ela põe na preparação do filho, temos aqui uma nova
luz sobre os acontecimento do 5 de Outubro e atos posteriores, onde se
procurava justificar a fuga para o exílio são dadas razões de grande
determinação do jovem rei e uma enorme indecisão dos políticos e militares que
se tinham revelado fiéis à monarquia. Há igualmente as diligências de D. Amélia
para encontrar uma consorte para o filho, a revolução do 5 de Outubro
ultrapassou as iniciativas em curso.
E temos a rainha no exílio, primeiro a Inglaterra e depois em França. D. Manuel
II casa, reacendem-se as esperanças, D. Amélia participa como enfermeira
durante a I Guerra Mundial, o reinado do filho prossegue sem a chegada de um
herdeiro, chegava a hora de estabelecer relações com parentes outrora odiados,
os descendentes de D. Miguel I. inesperadamente, em 1932, D. Manuel morre,
começa a “tragédia ambulante”, D. Amélia visita tudo e todos, negoceia com
Salazar a questão dos bens da família real. Vem a guerra, D. Amélia não
abandona a França mortificada. Finda a guerra, a convite de Salazar, visita
Portugal onde é acolhida entusiasticamente. Volta para França, aqui falece em
1951. Terá solenes exéquias decretadas por Salazar, fica no Panteão dos
Braganças, ao lado do marido e dos filhos. As suas últimas palavras foram:
“Levem-me para Portugal, adormeço em França mas é em Portugal que quero dormir
para sempre”.
A rainha que prezava o exercício físico, a mente sã em corpo
são, que assistiu impotente a grandes transformações políticas se bem que
procurando agir com fervor no campo da assistência, a rainha que invocava
constantemente o dever que cabe aos reis de estar junto dos seus povos, cumpriu
o que Salazar lhe pediu, legou os seus bens portugueses a D. Duarte Nuno e sua
família. Nunca esqueceu o terno acolhimento que lhe foi oferecido na sua última
viagem a Portugal, em 1945.
Leitura obrigatória para melhor compreender um reinado
trágico e a tragédia de um exílio.
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