Proposta apresentada por Guerra Junqueiro
Por Sérgio Sodré de Castro
A Assembleia Nacional Constituinte decreta:
1º A Bandeira
Nacional é bipartida verticalmente em duas cores fundamentais,
verde-escuro e escarlate, ficando o verde do lado da tralha. Ao centro, e
sobreposto à união das duas cores, terá o escudo das Armas Nacionais,
orlado de branco e assentando sobre a esfera armilar manuelina, em
amarelo e avivado de negro. As dimensões e mais pormenores de desenho,
especialização e decoração da bandeira são os do parecer da comissão
nomeada por decreto de 15 de Outubro de 1910, que serão imediatamente
publicados no Diário do Governo.
2º O Hino Nacional é A Portuguesa.
Lisboa, em 19 de Junho de 1911. - A Mesa da Assembleia Nacional
Constituinte, Anselmo Braamcamp Freire, Presidente - José Miranda do
Valle, Primeiro Secretário - Carlos António Calixto, Segundo Secretário.
Diário do Governo de 8 de Julho 1911.
Relevo alguns pontos:
- o verde deve ser escuro e o vermelho bem vivo (escarlate);
- as Armas Reais tornando-se Armas Nacionais (porque são as mesmas);
- as Armas Nacionais assentam na Esfera Armilar Manuelina.
Daqui concluo que não interessam as explicações "republicanas" das
Armas Nacionais adiantadas pela comissão oficial encarregada de
projectar a nova bandeira, porquanto é manifesto que são as Armas Reais
"nacionalizadas" e também que não assiste razão aos que criticam a
esfera armilar na bandeira pelo facto da bandeira da sociedade secreta
"Carbonária" a ostentar, porquanto a estilização é diferente e a
Assembleia Nacional Constituinte é claríssima ao estabelecer que se
trata da esfera manuelina e não outra. A afirmação, que ouvi a um
reputado heraldista, de que a manuelina deve ser representada com um pé é
a meu ver irrelevante.
Primeira proposta apresentada pela comissão oficial, 29.10.1910
Bandeira da Carbonária, associação secreta
existente em Portugal desde 1822 e reabilitada em 1896
O projecto apresentado a 29 de Outubro de 1910 é manifestamente
inspirado nas bandeiras dos centros republicanos e da Carbonária, mas há
algumas diferenças, conquanto pequenas.
Nessa primeira proposta a bandeira era bipartida, mas rigorosamente
ao meio como fora a bandeira azul e branca, e o escudo era de formato
"francês" e igual ao da bandeira nacional monárquica azul e branca, sem a
coroa. Relativamente à versão final da Bandeira Nacional que veio a ser
adoptada, também é de destacar que a proposta da comissão comportava a
inversão das cores, com o vermelho do lado da tralha, como ocorria na
bandeira da Carbonária (mas nesta 2/5 vermelho e 3/5 verde), sendo
também muito similar (mas não igual) à da Carbonária na estilização da
esfera armilar e de uma estrela amarela de cinco pontas que encimava a
esfera.
Note-se que a bandeira da Carbonária ostentava o Escudo das Quinas
(sem a orla e os castelos), ou seja, paradoxalmente, o símbolo real por
excelência...
O relatório da comissão justificou os motivos da seguinte forma:
- o vermelho "cor combativa e quente, é a cor da conquista e do riso.
Uma cor cantante, alegre. Lembra o sangue e incita à vitória".
- o verde "cor de esperança e do relâmpago, significa uma mudança representativa na vida do país".
- a esfera armilar "lembra os Descobrimentos Portugueses que é a fase
mais brilhante da nossa História, portanto deve aparecer na bandeira".
- "a faixa (?) com sete castelos também deve permanecer, porque representa a independência nacional".
- o escudo com as quinas "deve continuar na bandeira como homenagem à
bravura e aos feitos dos portugueses que lutaram pela independência".
Relevo o absurdo da nova "explicação" do Escudo, pois trata-se apenas do Escudo Real nacionalizado e sem coroa.
A 29 de Outubro, o relatório da comissão oficial com o primeiro
projecto da Bandeira Nacional é difundido. A 30 de Outubro é apreciado
em Conselho de Ministros, que sugere algumas modificações, e a 6 de
Novembro o projecto da Bandeira Nacional revisto é presente ao Conselho
de Ministros. A 29 de Novembro de 1910, ocorre a aprovação oficial pelo
Governo da Bandeira Nacional verde-rubra com a maioria de um voto. O que
é sancionado pela Assembleia Constituinte em sessão de 19 de Junho de
1911, conforme já referi atrás.
Quanto alterações ao primeiro projecto, julgo de relevar que:
- a estrela amarela de cinco pontas foi eliminada, e que esta era o único símbolo estritamente republicano na bandeira.
- a esfera armilar logrou uma estilização muito mais afastada da que fora usada na bandeira da Carbonária.
- a posição das cores foi invertida, o que a afastou mais da bandeira
carbonária (embora a divisão a meio fosse alterada para 2/5-3/5 como
acontecia na da sociedade secreta).
- o escudo foi aperfeiçoado, recuperando-se a tradicional forma peninsular, o que foi positivo em termos heráldicos.
Assim foi aprovada não propriamente a Bandeira da República, mas a
Bandeira Nacional criada pelo regime republicano. Assim como a bandeira
nacional anterior, azul e branca, não era a Bandeira da Monarquia, mas a
Bandeira Nacional criada pelo regime monárquico constitucional.
Parece-me que é um pormenor que se esquece... Ambas foram ou são
bandeiras nacionais e não de regime. Antes não havia bandeira nacional,
mas sim do Rei ou, se quiserem, do Reino (também uma questão
interessante a conversar... e que se aplica às armas).
A 22 de Agosto de 1821, as Cortes Gerais, Extraordinárias, e
Constituintes da Nação Portuguesa reconhecem a necessidade de
estabelecer um Laço Nacional e decretam o seguinte:
1- Haverá um Laço Nacional, composto na forma do modelo junto, das
cores brancas e azul, por serem aquelas que formaram a divisa da Nação
Portuguesa desde o princípio da monarquia em mui gloriosas épocas da sua
História.
(...)
De seguida estabelecem-se as condições do uso desse laço.
A 23 de Agosto de 1821, D. João VI manda executar o referido decreto das Cortes.
Durante a regência de D. Pedro IV, por decreto da Junta Governativa
da Ilha Terceira de 18 de Outubro de 1830, determinou-se a entrada em
uso de uma Bandeira Nacional bipartida de azul e branco, que acabaria
por vigorar até à República.
Ligando ao que atrás referi, julgo de destacar que enquanto os
monárquicos e muitos outros Portugueses destacavam na Bandeira Nacional o
brasão como elemento principal (a Bandeira Nacional era é a Bandeira
das Quinas), os republicanos mais radicais de 1910 foram muito claros em
considerar as cores da bandeira como sendo o elemento fundamental (a
Bandeira Nacional era e é a Bandeira Verde-Rubra), o que permitiu a
conservação do brasão tradicional ao contrário do que ocorreu em muitas
repúblicas que logo eliminaram as armas reais e não apenas a coroa.
Assim, a questão do brasão pouco foi discutida, sendo então como
agora pacífica entre todos os Portugueses independentemente de opções
políticas. De tal forma que mesmo uma bandeira para um futuro estado
socialista jurada no Ralis durante o PREC apenas substituia a esfera
armilar por uma estrela vermelha de cinco pontas, não tocando no
escudo...
Já o verde-rubro continua a causar alguma "dúvida" a pequenos
sectores monárquicos, mas outros parece que apenas gostariam de
acrescentar uma coroa à bandeira actual...
É verdade que o verde-rubro deriva da bandeira da republicana
Carbonária e que foram as cores do Federalismo Ibérico de um Teófilo de
Braga. Que o vermelho representa a cor das revoluções democráticas e
populares e o verde o positivismo, matriz cultural dos republicanos.
Mas, no fundo remetem para a túnica verde e o manto vermelho de S. João
Evangelista, patrono da longínqua organização iniciática de carvoeiros e
lenhadores que Mazzini convertera numa sociedade secreta conspirativa.
Daí estarem também na bandeira italiana.
Todavia, é preciso relembrar que o verde-rubro de há muito que era
ostentado nas fardas de gala dos Reis portugueses, na banda das ordens
militares de que eram grão-mestres, produzindo um efeito semelhante ao
da futura bandeira de 1910. O verde da Ordem de Avis, o vermelho das de
Cristo e Santiago. Ordens militares dos filhos segundos da Nobreza e
cujas insígnias e hábitos foram ostentadas pelos melhores portugueses de
antanho. Verde com a cruz de Cristo foi a bandeira da Restauração.
Verde-rubra a da infantaria naval que se bateu por D. Miguel até ao fim e
nunca a entregou ao novo regime liberal, etc...
Do exposto concluo que hoje, em 2004, tanto a bandeira azul-branca
quanto a verde-rubra podem ser aceites por todos como não estando
obrigatoriamente vinculadas a uma ideia de regime.
Ambas foram ou são Bandeiras Nacionais. Nada na verde-rubra obriga a
que seja vista como estritamente republicana (desde a eliminação da
estrela amarela de cinco pontas). Também a azul-branca assenta em cores
nacionais e deve ser aceite por todos os que se revêem nas quinas, donde
as cores emanam, e a própria coroa é actualmente usada em numerosos
regimes republicanos (Rússia e vários países do Leste europeu) como
simples sinal tradicional de soberania, já não obrigando a que se esteja
ante um regime monárquico.
Enfim, uma conclusão algo provocadora, mas que não me parece inteiramente descabida.
Claro que, em termos heráldicos, uma bandeira azul-branca seria mais
correcta, mas ainda assim a esfera armilar de ouro serve para separar
bem a maior parte do verde e do vermelho.
Ainda sobre a esfera armilar é de referir que D. João VI, em Carta de
Lei de 13 de Maio de 1816, decidiu modificar o Escudo Real colocando-o
sobre uma esfera armilar de ouro em campo azul, representativa do
Brasil, sendo que com isso não criava propriamente uma nova bandeira. É
que as bandeiras brancas eram apenas uma forma de arvorar o Escudo Real
com a respectiva coroa, ultrapassados que estavam os tempos medievais em
que esse mesmo escudo era pura e simplesmente transformado, na sua
totalidade, numa bandeira quadrada.
Assim, já havia um precedente para a colocação do Escudo sobre a
esfera armilar , antes da República. Também uma esfera armilar sem pé.
Esta alteração decorreu da constituição, a 16 de Dezembro de 1815, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Devo também ser mais preciso quanto à bandeira azul-branca. O decreto
de 18 de Outubro de 1830, que mencionei atrás, não dizia literalmente
que se tratava de uma bandeira nacional, mas designa-a de Bandeira
Portuguesa, o que não acontecia antes. Ora, desde a Constituição de 23
de Setembro de 1822 que se instituiu a Soberania Nacional.
O artigo 26º é claro "A soberania reside essencialmente em a Nação.
Não pode, porém, ser exercitada senão pelos seus representantes
legalmente eleitos. Nenhum indivíduo ou corporação exerce autoridade
pública que se não derive da mesma Nação." Se a soberania reside na
Nação a bandeira do país é uma Bandeira Nacional, o que julgo ser
consensual. Note-se que, como assinalei antes, já havia um Laço Nacional
azul-branco, que, aliás, é mantido pelo decreto de 18 de Outubro de
1830.
Ainda relativamente à inclusão do antigo brasão real na actual
Bandeira Nacional, é de realçar que a primeira bandeira republicana em
Portugal, que foi hasteada no decurso da revolta republicana de 31 de
Janeiro de 1891, na câmara municipal do Porto, não o ostentava: era toda
vermelha com um círculo verde no centro e pertencia ao Centro
Democrático Federal 15 de Novembro.
Também a grande maioria dos diversos centros e clubes republicanos
não ostentava o brasão nas suas bandeiras, as quais foram hasteadas em
vários locais durante o 5 de Outubro.
Assim, o facto do brasão tradicional ter acabado por sobreviver na
Bandeira Nacional é ainda mais significativo. Para qualquer amante da
heráldica é ele o elemento simbólico primordial, o que realmente
representa a continuidade histórica do país e do seu povo.
Quanto à bordadura dos castelos é facto sobejamente conhecido que foi
introduzida nas armas reais por D. Afonso III, mas não se percebe bem a
razão de não ter usado apenas o escudo com os escudetes após a morte do
Rei D. Sancho II seu irmão. Enquanto este era vivo havia a necessidade
de diferenciar as armas, mas os castelos poderiam ter sido abandonados
uma vez D. Sancho II morto.
De qualquer forma julgo correcto aceitar que a chave documental
principal para o aparecimento dos castelos está patente num selo de 1241
de D. Afonso, quando vivia em França e era somente Conde de Bolonha. O
selo demonstra que então usava um escudo partido com as suas armas
pessoais (polvilhado de castelos) e as armas de sua primeira mulher a
Condessa de Bolonha.
Assim, ficou provado que, em França, o futuro D. Afonso III não usava
os escudetes dos reis portugueses, mas sim um polvilhado de castelos,
portanto em número indeterminado (embora no selo apenas se vislumbrem
6), decerto para patentear a sua condição de neto do prestigiado D.
Afonso VIII de Castela (o vencedor de Navas de Tolosa em 1212), facto
que também acontecia com outros netos deste rei, segundo ouvi ao grande
heraldista Simas Alves de Azevedo.
Deste modo, D. Afonso usava armas inspiradas ou derivadas das de
Castela (mas não propriamente as de Castela) e acabaria por as juntar
aos escudetes que lhe vinham pelo pai formando um novo brasão real. Terá
sido mais um caso medieval de uso de armas vindas pelo lado feminino em
detrimento do lado paterno, só parcialmente alterado com a ascensão ao
trono.
A ser esta explicação correcta, o brasão ficou constituído pelas
armas vindas de D. Afonso Henriques acrescentadas de uma bordadura com
as armas pessoais de D. Afonso III, antes de ser Rei. É um pouco
diferente de afirmar que a bordadura são as armas de Castela, pois as
antigas armas pessoais de D. Afonso derivam ou inspiram-se nas de
Castela, mas não são, nem podiam ser, as castelhanas...Seriam as
castelhanas se tivessem sido utilizadas directamente como diferença no
escudo real português, mas a verdade é antes houve o referido brasão
pessoal de D. Afonso que as alterou criando outra coisa, conquanto com
ligação visível à origem (claro que esta é uma opinião pessoal, mas
procuro sempre fundamentar as minhas opiniões).
Para concluir relativamente à Esfera Armilar manuelina refira-se que
fazia parte do emblema pessoal de D. Manuel que em heráldica se designa
por empresa.
Simplificando, era um emblema pessoal de D. Manuel que lhe foi
conferido por D. João II (conforme relata o cronista Rui de Pina),
composto por um "corpo" (a esfera em si mesma) e uma "alma" (a divisa
Spera in Deo).
Estas empresas parece que começaram a ser usadas na dinastia de Avis e
tinham um sentido que hoje é, em muitos casos, indecifrável. Por norma,
indicavam uma intenção, aspiração ou desejo que norteava a vida do seu
detentor.
O certo é que D. João III também usaria a esfera armilar (mas uma
divisa diferente). Assim, este símbolo ficaria associado à época mais
notável dos descobrimentos e da expansão, logrando entrar nas armas
reais com D. João VI, e hoje permanece como suporte das armas nacionais.
BANDEIRA NACIONAL DE PORTUGAL
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