O DIA EM QUE
O DN CONTOU: Ao início da tarde de 2 de abril de 1903 entrava no Tejo o iate
Victoria and Albert, trazendo a bordo o rei Eduardo VII, que, nesta qualidade,
realizava a primeira viagem ao estrangeiro, que se iniciou por Lisboa. O DN
consagrou amplo espaço noticioso nas suas edições à visita que se prolongou por
seis dias. D. Carlos foi buscar o primo a bordo daquele navio. Em seguida,
ambos rumaram ao Terreiro do Paço, onde Eduardo VII voltaria para a partida no
dia 7
“Deu hontem
entrada no Tejo, sendo recebido com a solemnidade devida á sua altíssima
posição e á honra com que deseja distinguir-nos Eduardo VII, rei de Inglaterra,
primeiro imperador das Índias”, escrevia o DN, na grafia da época, na primeira
página de sexta-feira, 3 de abril, de 1903, encimadas pelo título “Eduardo VII
em Portugal” – “O primeiro imperador das Índias é um monarca europeu, e, por
uma extraordinária coincidência, por uma d’estas singularidades do destino, a
primeira visita que elle faz, é ao representante e genuíno descendente
d’aquelle, que, primeiramente, se intitulou, vão decorridos quatro séculos,
senhor da conquista, commércio e navegação da Ethiopia, Arábia, Pérsia e
Índia”, prosseguia o texto na primeira das oito colunas que dedicou à visita.
Isto é, quase toda a primeira página mais quase toda a segunda numa edição
total de quatro páginas, sendo a última publicidade e a terceira ainda
publicidade, mais folhetim, editais e informação variada, esta em continuação
da segunda.
“Ás cerimonias officiaes
annunciadas, o povo associou-se com todas as delicadezas dos seus nobres
sentimentos cavalheirescos, acclamando o regio visitante com uma alta expansão
de respeito”. As ruas estavam “coalhadas absolutamente de todas as camadas
sociaes, trabalhadores, curiosos, e forasteiros, que não poderam obter melhores
logares, empoleirados nos trens e carroças, pendurados em cacho pelos
candieiros e hombreiras de portas – aguardavam com anciedade a passagem do
luzido cortejo”. Quanto ao rei britânico, este “passava com a mais commovente
curiosidade saudando a capital (…) relembrando as acclamações dum passado
distante, quando a sua barba rutilantemente loira não conhecia ainda o pezo
solemne duma coroa imperial, nem as scintilações, por vezes sombrias, dum sceptro”.
O DN referia anterior visita de Bertie, como Eduardo era tratado no círculo
familiar, a bordo do HMSS Serapis, um “bello navio pintado de branco, como
enorme cysne de neve, que vogasse no Oceano”, em 1876.
A visita de Eduardo VII,
primeira que realizava ao estrangeiro como rei, era apresentada pelo DN como “a
prova mais brilhante e evidente das cordealíssimas relações entre as duas
coroas e entre os dois paizes”, em que “a amizade pessoal entre os dois
respectivos soberannos concorre muito para isto”, recordando o carácter
“secular” da “alliança anglo-lusa”. No plano pessoal, o rei inglês e D. Carlos
eram primos pelo lado dos Saxe-Coburgo-Gotha, sendo que Eduardo VII estava
relacionado com todas as famílias reais europeias, o que lhe valeu o cognome de
Tio da Europa; o outro, foi o de OPacificador, pelos atributos diplomáticos.
Às 15.10,
escreve o DN, o iate onde viajava Eduardo VII, “voltava em frente do Caes das
Colunas lá ao largo, no Tejo 8…) numa volta imponente e elegantissima. Momentos
depois, salvavam todos os navios de guerra e sahia do arsenal de marinha o
bergantim real – noutro ponto da notícia lia-se que “era puxado por 80 homens,
que faziam girar os remos numa cadencia que causava espanto – conduzindo para
bordo do Victoria and Albert sua magestade el-rei D. Carlos. (…). Tejo acima
seguiam numerosos barcos e vapores (…). Descrever a belleza do quadro que então
nos foi dado ver, não é trabalho fácil” – por isso, o redator passa adiante,
referindo apenas que era “este imponentissimo, illuminado por um sol sol [sic]
bem portuguez”.
D. Carlos subiu a bordo do
Victoria and Albert “ás 4 horas menos 20 minutos”. Mais adiante, o DN revela
que os “dois monarcas abraçaram-se e beijaram-se”, tendo sido “demorada a
entrevista a bordo”. Mais “de uma hora e meia”, vindo depois para o Terreiro do
Paço. “Ás 5 horas e 5 minutos teve logar o atraque do bergantim real (…).
Saltou em terra em primeiro lugar sua magestade el-rei D. Carlos, que estendeu
a mão a sua magestade Eduardo VII, ajudando-o a desembarcar. (…). Suas
magestades dirigem-se para o pavilhão” preparado para a receção onde o rei
português apresenta a Eduardo VII “o sr. Conde de Avila, presidente da comissão
administrativa da camara municipal, que profere” uma alocução em francês –
língua diplomática da época. Eduardo VII era, aliás, era fluente em francês e
alemão. Segue-se o cortejo até às Necessidades – com Eduardo VII “visivelmente
impressionado” pelo acolhimento ao longo das ruas – onde chegou eram “quasi 6 ½
da tarde, e quando tinha desaparecido já o brilhante sol que durante o dia
inundara de luz” Lisboa. Mal “o coche que conduzia os dois soberanos chegou ao
cimo da calçada das Necessidades, subiram ao ar as girandolas de foguetes, as
forças collocadas no largo prepararam-se para a continencia, e as bandas
militares, bem como a da Casa Pia, tocaram o hymno inglez”. Durante o jantar –
“muito intimo”, de que o DN divulga o menu, escrito em francês, que “começou às
8 ½ da noite” – “tocou a excellente banda de marinheiros, sob regencia do
mestre sr. [Antonio María] Cheu”. Assim terminou o primeiro dia da visita, uma
terça-feira.
ABEL COELHO DE MORAIS
No trono
desde 1901, na sua primeira viagem ao estrangeiro, Eduardo VII, além de Lisboa,
visitou Malta, Nápoles e Roma, onde se encontrou com o rei Vítor Emanuel III e
com o papa Leão XIII. Deslocou-se a Paris, onde foi recebido pelo presidente
Émile Loubet, uma visita considerada importante para a concretização da futura
Entente Cordiale. Devido ao seu interesse e ação diplomática, foi-lhe atribuído
o cognome de O Pacificador. O rei D. Carlos e a rainha D. Amélia retribuíram,
em 1904, a
visita do ano anterior a Lisboa. No seu funeral, em maio de 1910, o rei D.
Manuel II esteve presente.
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