OS DIAS EM
QUE O DN CONTOU: Foi a caminho de Marrocos, em março de 1905, para uma exibição
de força da Alemanha, que Guilherme II parou uns dias em Lisboa, conhecendo a
capital portuguesa, apreciando o Tejo e dando um salto a Sintra. A visita do
kaiser teve ampla cobertura do DN, que no dia da chegada explicou aos leitores
tudo sobre o imperador e a Alemanha, então grande potência emergente. O tom no
jornal foi sempre de entusiasmo, refletindo o ambiente popular à volta do
monarca.
É com o título “Imperador da Alemanha
Guilherme II” a toda a largura da primeira página que o DN oferece as
boas-vindas ao kaiser, a 27 de março de 1905. E dando espaço aos seus especialistas,
o jornal apresenta várias facetas daquele que seria o último imperador alemão,
desde O Homem de Guerra, minibiografia por António de Campos Júnior, romancista
e autor da peça A Torpeza sobre o Ultimato Inglês, até uma visão
sobre “Guilherme II – o seu perfil musical”, assinada por Júlio Neuparth. Há
também oportunidade para ler a análise sobre “Guilherme II – O diplomata”, de
Alfredo Ansur, célebre autor de Vive La République, poema editado em Lisboa e
dedicado a Victor Hugo. Todo este entusiasmo em redor do soberano alemão
prossegue até 1 de abril, quando o kaiser está já em Tânger a desafiar as
intenções da França em Marrocos, episódio que muitos veem como um dos
antecedentes da Grande Guerra.
“É a mais altiva e extraordinária figura de
dinastia e a mais acrisolada vocação de homem de guerra do nosso tempo esse
imperador, a quem os próprios adversários admiram”, escreve o DN deste
Hohenzollern que “tem sob a sua mão dominadora a mais poderosa e perfeita
máquina de guerra que ainda teve o mundo”. E sobre a sua marinha, que Guilherme
II procurava equivaler à britânica, salienta o jornal “que ainda longe de
igualar as esquadras da Grã-Bretanha, que contam 48 couraçados de linha de
primeira classe, a Alemanha, contudo, está hoje superior à Rússia nesta classe
de navios, e quase iguala pelo número os Estados Unidos”.
Atento também às ambições alemãs em África,
que o avô de Guilherme II oficializara na conferência de Berlim, o DN refere
que “tanto numa como noutra costa do continente africano Portugal e a Alemanha
são vizinhos, tendo sido sempre muito cordiais as relações entre as autoridades
alemãs e as portuguesas”, apesar de “incidentes de fronteira” sempre
“resolvidos por forma conciliadora”, versão que os combates no Rovuma, fronteira
entre Moçambique e a atual Tanzânia, desmentirão na guerra de 1914-1918.
Este aparente entusiasmo germanófilo no
jornal não deve surpreender, mesmo só dois anos depois da festiva visita de
Eduardo VII a Lisboa, até porque estava ainda bem vivo o Ultimato Inglês de
1890, que mostrou que apesar da aliança velha de séculos os britânicos
cobiçavam as possessões portuguesas. E não faltava na sociedade da época
figuras admiradas com sangue alemão, como Hintze Ribeiro, que foi chefe do
Governo, Carolina de Michaëlis, berlinense que viria a ser a primeira mulher a
dar aulas numa universidade portuguesa, ou Alfredo Keil, autor do futuro hino
da República. Não esquecer que o próprio rei de Portugal era um
Saxe-Coburgo-Gotha, por via de D. Fernando, o alemão que casou com D. Maria II.
Terá sido, aliás, em alemão que D. Carlos conversou com o kaiser, como ele
patrono das ciências, um terreno onde a Alemanha dava já cartas.
“Desde a uma hora da tarde que a
aglomeração de povo no Terreiro do Paço era enorme, começando a polícia a
estabelecer cordões a fim de ficar completamente livre o espaço onde deveria
formar a brigada de cavalaria”, escreve o DN a 28. Para o monarca que chega a
Lisboa no vapor Hamburg, escoltado pelo cruzador Friederick Karl, toda a pompa
é pouca, com a guarda da cavalaria municipal a exibir-se “deslumbrante”. Assim,
“o primeiro esquadrão com todos os cavalos pretos; o segundo, de cavalos
brancos, e o terceiro, cavalos cor de castanha”.
D. Carlos tinha ido a bordo do navio alemão
para acolher o imperador e trazê-lo até ao Cais das Colunas no bergantim real e
ambos são ovacionados pelos milhares de pessoas que se acotovelam para
presenciar o espetáculo. Saudados nas ruas de Lisboa, o kaiser segue para o
Palácio de Belém, onde fica alojado, enquanto a família real vai para as
Necessidades, residência dos últimos Braganças. À noite “jantar de gala de 250
talheres” no Palácio da Ajuda. E um concerto.
Conta o DN de 29 que no segundo dia em
Lisboa, “o imperador Guilherme levantou-se cerca das sete horas da manhã,
dirigindo-se depois de envergar o uniforme de coronel de cavalaria para o
aposento que lhe serve de gabinete de trabalho”. Ali esteve duas horas,
despachando assuntos de governo, parando para “uma ligeira refeição”. Depois,
foi para o jardim, tendo “gostado imenso da vista que de ali se desfruta”. O
almoço deu-se nas Necessidades. D. Carlos e D. Amélia foram anfitriões de um
repasto em que se serviu “Oeufs à l’americaine” e “Cottellettes de veau au
naturel”. Houve acompanhamento musical: Wagner e fado, claro. Tempo também para
um passeio pela cidade e visita à Sociedade de Geografia, com o kaiser a
acenar enquanto descia a Rua das Portas de Santo Antão.
Sintra foi o destino da jornada seguinte,
com o DN a escrever que o passeio à vila “foi coroado do melhor êxito”, com “a
animação a ser enorme”, pois tinha vindo de Lisboa gente logo nos comboios da
manhã. Após o almoço no Paço da Vila, visita à Pena, com o kaiser a apreciar a
arquitetura e a “exuberante vegetação que se desenrola a seus olhos”.
No último dia, antes da partida de Lisboa,
visita ao edifício dos Paços do Concelho e de novo a multidão. O jornalista do
DN queixa-se dos empurrões que o impedem de tomar notas, mas assinala que “a
Sociedade Filarmónica dos Calceteiros Municipais, que estava no coreto armado
no largo do Pelourinho, executou o hino nacional português e várias peças de
música”. Mais Wagner?
O Hamburg deixou o Tejo rumo a
Marrocos. O imperador terá ido bem impressionado de Portugal. O seu reinado
durará ainda 13 anos, mas acabará mal, no fim de uma Guerra Mundial em que
Portugal esteve ao lado da Inglaterra. Na edição de 10 de novembro de 1918,
Guilherme II voltaria a ser notícia de capa no DN: “O Kaiser abdica.”
LEONÍDIO PAULO FERREIRA
“Mensagem da
colonia allemã” (na grafia da época): “Queira vossa magestade dignar-se aceitar
os mais humildes e respeitosos cumprimentos da colonia allemã em Lisboa.
Datando o seu principio desde o 13.º século, desenvolveu-se esta colonia
rapidamente devido em parte á actividade dos seus membros, e aos tempos
favoraveis da sua fundação e especialmente a grande benevolência e protecção
que os nobres reis neste bello paiz sempre lhe dispensaram. Mesmo depois de o
velho imperio allemão se ter desmembrado conseguiu esta colonia conservar os
costumes da sua patria e as suas antigas e veneraveis instituições, até que
quando o grande antepassado de sua magestade reconstruiu o imperio, a colonia
se poude novamente desenvolver reconstituindo-se cada vez mais durante os
ultimos vinte anos graças á forte protecção e sabia regência de vossa
majestade. Agradecendo humildemente e possuida da mais leal afeição por este
motivo toda a colonia tem esperanças em vossa magestade como sempre, e ainda
muito mais hoje, no dia em que pela graça de vossa magestade lhe é permittido
cumprimentar o seu imperador e protector, renovando os protestos da mais
imutavel fidelidade” (Tradução publicada no DN)
Foi sob a
dinastia prussiana dos Hohenzollern que a Alemanha se unificou em 1871. De
fora, ficou a Áustria dos Habsburgo, durante séculos a mais poderosa família da
Europa. Ora, esse Império Alemão emergiu como grande potência, não só no Velho
Continente, mas mundo fora, conquistando colónias em África e até na Oceânia.
Guilherme I, com a ajuda do chanceler Bismarck, foi o primeiro kaiser. O filho
Frederico III reinou apenas 99 dias. E em 1888 iniciou-se o reinado de 30 anos
de Guilherme II, que levou a Alemanha à Primeira Guerra Mundial e que no final
desta foi forçado a abdicar
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