Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

segunda-feira, 27 de junho de 2011

POBREZA INFANTIL; Artigo de Opinião de Sílvia Oliveira



Jornal "Diário do Minho" de 24 de Junho, pág. 20

Pobreza Infantil

Em 2010, a palavra pobreza infantil passou a estar diariamente nos media, mas isso deveu-se às comemorações do “ano europeu contra a pobreza e exclusão social”, hoje passados seis meses sabe-se que a taxa de pobreza infantil em Portugal aumentou, apresentando a oitava maior taxa (16,6%) de pobreza infantil entre os 34 países da OCDE com uma média de 12,7%, ficando atrás de Israel, do México, da Turquia, dos Estados Unidos, da Polónia, do Chile e de Espanha. [i]
Ser criança pobre é ter falta de alimento e risco de desnutrição, ausência de higiene e de cuidados com a saúde, maior vulnerabilidade a doenças e risco acrescido de morte prematura, não ter acesso à escola, ter deficiente aproveitamento escolar, e por consequência défice de qualificação para acesso ao trabalho e à participação na sociedade, quando chegar à idade adulta, ter habitação insalubre, sobrelotada e sem condições de conforto, ser explorada por via do trabalho infantil e consequente violação do direito de brincar e ser criança, maior perigo de vitimização por tráfego humano ou exploração sexual, maior risco de propensão à delinquência e a comportamentos associas, não ter família, não conhecer o seu pai ou a sua mãe; viver em famílias desestruturadas, estar exposta, desde tenra idade, à violência doméstica, ao tráfico ilícito ou à dependência das drogas, ser olhada com desprezo ou comiseração humilhante por professores, colegas e vizinhos, viver na insegurança permanente, possuir uma baixa auto-estima e não ter razões e estímulos para alimentar sonhos de um futuro esperançoso. Em síntese ser criança pobre “ (…) é uma luta diária pela sobrevivência, (…) para estas crianças, a infância como o tempo de crescer, aprender a brincar e sentir segurança não tem, na realidade, nenhum significado”[ii]
Paradoxalmente à situação descrita e concretamente vivida, ao longo do século passado, foi crescendo a consciência colectiva acerca dos direitos das crianças, afirmando-se mesmo que a pobreza infantil constitui uma grave violação de direitos humanos fundamentais.
Desde 1924, tem figurado na agenda política das instâncias internacionais a preocupação com os direitos da criança. Naquela data, a então Liga das Nações, que viria dar origem à ONU (Organização das Nações Unidas), adoptou a designada declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, tendo a comunidade internacional de então assumido o compromisso de promover os direitos da criança à sobrevivência, à saúde, à educação, à protecção e à participação.
Em 1959, a ONU deu um novo passo e aprovou a “Declaração dos Direitos da Criança”. Dela Constam 10 artigos que dizem respeito àquilo que deve ser feito para que as crianças sejam felizes e saudáveis.
Mais recentemente, em 1989, a Assembleia-Geral das nações Unidas aprova a Convenção sobre os Direitos da Criança, a qual viria a ser ratificada pela quase generalidade dos países membros.
Hoje, em 192 países do mundo, a sobrevivência, o desenvolvimento e a protecção da criança não são questões opcionais deixadas à generosidade das pessoas individuais, das organizações ou dos estados, mas sim um compromisso político firmado ao mais alto nível, que deve ser concretizado em leis positivas de cada país e na criação de instituições apropriadas para a defesa e promoção do bem-estar, havendo mesmo uma Comissão ad hoc criada no âmbito da ONU para acompanhar o cumprimento desta Convenção por parte dos diferentes países.
Quando, em 2001, se firma o Pacto do Milénio e se fixam objectivos e metas de desenvolvimento com vista à erradicação da pobreza no mundo, também se atribui importância máxima aos factores relacionados com o combate à pobreza infantil.
A par desta realidade, também em Portugal se tem desenvolvido esforços que, directa ou indirectamente, visam prevenir a pobreza infantil e atenuar as suas consequências mais gravosas. Destacam-se os progressos realizados no plano jurídico (a criança como sujeito de direitos e o reconhecimento do superior interesse da criança quando estejam em causa situações de conflitualidade de interesses); no plano da saúde materno-infantil e dos cuidados de saúde primários; no plano da educação, designadamente em matéria de educação de infância ou de sucesso escolar; no plano da assistência social com o fornecimento de alimentação, serviços de protecção de crianças em risco, rendimento social de inserção, tendo em conta a presença de crianças no agregado familiar, entre outros apoios a crianças provenientes de famílias carenciadas.
Não obstante os esforços desenvolvidos pelo Estado a que deve acrescentar-se todo o investimento realizado por parte de um vasto conjunto de instituições de solidariedade social, quer no que se refere à eficiência dos recursos disponíveis, quer à implementação de boas práticas, a pobreza infantil continua a ser uma preocupante e crescente realidade no nosso país, agravada pela crise em que a falta de emprego, precariedade e os baixos salários estão na origem da pobreza entre a população activa mais jovem, precisamente aquela que tem crianças a cargo.
Sendo a pobreza infantil um fenómeno complexo e multifacetado que reclama uma acção concertada em várias frentes e aos diferentes níveis, talvez importe recordar que a erradicação da pobreza infantil, é um dever indissociável da cidadania e da vida democrática, cabendo, não só ao Estado, mas também às pessoas e às instituições, promover a sua defesa e o seu cumprimento efectivo.
Quanto ao Estado e aos órgãos de governação, compete-lhes garantir condições de vida básicas a todos os cidadãos e, por maioria de razão, às populações mais vulneráveis, entre as quais se encontram as crianças, cabendo-lhes fazer acções junto das famílias, reforçando os seus meios de subsistência e competências para ultrapassar as respectivas situações de pobreza, quer directamente, através de serviços específicos e de políticas públicas adequadas, quer indirectamente, através da contratualizando de projectos e programas com entidades de solidariedade social de maior proximidade, prevenindo e erradicando, assim, a pobreza infantil nos territórios em que estas mesmas entidades exercem a sua acção.
Atribuir o principal papel na erradicação da pobreza infantil ao Estado não dispensa, nem atenua, a responsabilização do Poder Autárquico. Este, ao nível local, deve tomar para si um papel pró activo, na identificação, prevenção e eliminação da pobreza infantil existente no respectivo território, fazendo apelo aos recursos que o Estado disponibiliza para esta finalidade e complementando-os, na certeza de que toda a comunidade beneficiará do crescimento saudável da sua população mais jovem. A este propósito recorde-se a existência de redes sociais a nível concelhio como uma ferramenta de intervenção privilegiada para a prevenção e erradicação da pobreza infantil, pois dispõe de meios para promover a definição de objectivos e metas prioritárias de erradicação da pobreza infantil no respectivo território, assim como, dispõem de meios para assegurar a monitorização das acções programadas e a respectiva avaliação de resultados, para além de, nelas terem assento, além da autarquia (presidente ou quem este designe para o representar), os responsáveis pelos agrupamentos de escolas, serviços de saúde, segurança social., polícia, justiça, etc.
Mas, também o cidadão individualmente não deve passar ao lado da problemática da pobreza infantil, como se esta fosse responsabilidade exclusiva das respectivas famílias, das instituições, do Estado ou das Autarquias. Tratando esta realidade uma violação de direitos humanos, a denúncia e a procura de soluções de uma forma solidária é dever de todos e de cada um de nós, por isso, há que tomar consciência de que estamos perante um problema de cidadania e de comportamento democrático socialmente responsável impondo-se, assim, um modo mais incisivo de actuação na sociedade.
Por último, cabe notar que a perspectiva da pobreza infantil como violação de direitos humanos requer que as próprias crianças, logo que o seu desenvolvimento pessoal o permita, tenham participação activa nas decisões que lhes digam respeito e nas intervenções que afectam o seu bem-estar e o seu desenvolvimento, pelo que deverão ser encorajadas e apoiadas pelos adultos que tenham conhecimento das privações de que são vítimas, facultando-lhes as indispensáveis ferramentas de defesa e protecção.
A existência da pobreza infantil significa uma dupla tragédia, para a criança que vê prejudicado o seu desenvolvimento físico, intelectual, social e consequentemente, tem comprometido o seu futuro; para a sociedade, porque ao não preservar e desenvolver o seu capital humano, transfere por negligência, custos sociais para as gerações vindouras.

Sílvia Oliveira
Deputada Municipal pelo P.P.M. na Assembleia Municipal de Braga



[i] Doing better for families”, relatório publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), em 2011.
[ii] “Situação da infância”, relatório publicado pela UNICEF em 2006.