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Manuel Beninger

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Nas próximas eleições não haverá maioria absoluta

A convicção é do líder do PPM/Açores. Paulo Estêvão é o convidado desta semana da rubrica "Entrevistas" deste jornal.

As últimas eleições regionais determinaram uma maior pluralidade partidária no Parlamento açoriano. No cômputo geral, como classifica esta mudança?
Considero que essa mudança foi muito positiva. Esta é a legislatura mais produtiva de sempre. Nunca foram apresentadas tantas iniciativas parlamentares e nunca o Governo Regional foi submetido a uma fiscalização tão intensa. O debate político tornou-se mais vivo e interessante. Ou seja, tivemos mais democracia e mais participação cívica.
Toda esta actividade parlamentar ficou, é certo, algo obscurecida pela crise económica e pelo consequente desgaste do sistema político. É claro que a crise tem outra escala e outras causas, mas existe sempre quem aproveite para atacar o sistema parlamentar. Os demónios políticos da década de trinta do século passado estão, infelizmente, de regresso. É necessário, por isso, resistir ao populismo e defender o parlamentarismo.
Que balanço faz do desempenho do PPM/ Açores na legislatura que ainda decorre?
Aguardo, serenamente, o balanço que será feito pelos eleitores em outubro deste ano. Por mim, estou de consciência tranquila. Apresentei centenas de iniciativas parlamentares e utilizei exaustivamente a capacidade regimental de que disponho para provocar debates parlamentares em torno de questões relevantes. Foi por iniciativa do PPMque se discutiram temas como o potencial do mar açoriano, o combate à pobreza, a reforma do sistema educativo, a defesa da RTP-Açores, o Acordo de Cooperação e Entendimento e muitas outras questões essenciais. Para a próxima sessão plenária (Março) já agendámos um debate a respeito da implementação de políticas concretas de combate ao desemprego.
No âmbito do orçamento apresentámos centenas de propostas de alteração que visavam reforçar a dotação orçamental de áreas como a agricultura, as pescas, as políticas sociais, a cultura e o investimento público nas ilhas da coesão.
Tentei que o PPM estivesse sempre na linha da frente na defesa dos mais desfavorecidos e nunca me esqueci da ilha a quem devo o privilégio de integrar o Parlamento dos Açores. Apresentei dezenas de iniciativas centradas na resolução de questões referentes à ilha do Corvo. Finalmente critiquei, duramente e sem pieguices, a actuação deficitária ou errada do Governo Regional nas diversas áreas em que essa crítica se justificou.
Apesar de ter apresentado trabalho feito, a verdade é que as propostas apresentadas peloPPM, na sua grande maioria, não mereceram aprovação. Que opinião lhe merece este facto?
São as regras da maioria absoluta. Vi, ao longo da legislatura, o PS reprovar centenas de boas ideias apresentadas por todas as bancadas. É uma pena que assim seja, na medida em que quem fica a perder é a população. No caso doPPM, a nossa postura crítica, e sem concessões no debate parlamentar, não despertou muitas simpatias na bancada do PS. A consequência prática disso foi o chumbo generalizado das nossas propostas.
Devo dizer que, se pudesse voltar atrás, voltaria a ter a mesma postura. Gosto demasiado da liberdade para deixar de criticar aquilo com que não concordo ou que considero que é criticável.
Procuro, na política, a coerência e a fiabilidade perante os eleitores. Já o PS não pode dizer o mesmo. Só dou um exemplo. Apresentei, em 2010, uma iniciativa que propunha a criação do ensino secundário na ilha do Corvo, a partir do ano lectivo 2012/2013. O grupo parlamentar do PS chumbou a proposta. Agora, o candidato do PS a presidente do Governo Regional anunciou a criação do ensino secundário na ilha do Corvo, exactamente na data que eu tinha proposto anteriormente. Coerência, onde andas?
Na sua opinião, quais são os principais problemas do quotidiano açoriano que ainda estão por resolver depois de quase 16 anos de governação socialista?
Nestes 16 anos de governação foi realizado um investimento público muito apreciável. Temos de ser justos e reconhecer que, por exemplo, o investimento no parque escolar foi extraordinário. Temos, na maioria dos casos, escolas modernas e bem apetrechadas. Noutros casos, não foram atacados, com eficácia e competência, problemas fulcrais.
A agricultura não foi diversificada e por isso espera-nos uma verdadeira hecatombe se, entretanto, nada for feito. O transporte marítimo de passageiros entre as ilhas é um verdadeiro fiasco. O preço das ligações aéreas é incomportável para o comum dos açorianos e um elemento dissuasor para o crescimento do sector turístico. O nosso tecido empresarial, frágil do ponto de vista financeiro e sem vias de escoamento externo para a produção, está a ruir como um castelo de cartas e a arrastar a Região para níveis incomportáveis de desemprego.
O nosso sector da construção civil viciou-se em dinheiros públicos e está a desabar perante a dimensão do desmame que resulta da diminuição radical do investimento público. O sector pesqueiro foi mal dimensionado e está à beira da ruptura. A gestão do sector da saúde foi um verdadeiro desastre, acumulando uma dívida que se estima estar próxima dos mil milhões de euros. Enfim, todos estes problemas não só não foram resolvidos, como apresentam um passivo preocupante para as próximas gerações.
Concorda que se diga que as ilhas mais pequenas continuam a ser sacrificadas em favor das maiores, no caso S. Miguel?
Não tenho essa opinião. Existem freguesias e concelhos na ilha de São Miguel que estão longe de possuir os equipamentos sociais, desportivos e de lazer que se podem encontrar um pouco por todo o lado nas outras ilhas. A questão não está tanto na distribuição espacial dos investimentos, mas sim numa definição rigorosa de prioridades e de qualidade no investimento público.
As ilhas mais pequenas necessitam que exista uma locomotiva económica que, por questões relacionadas com o peso demográfico e a dimensão territorial, possa dar uma dimensão acrescida à economia açoriana. Por outro lado, é do interesse regional estancar o despovoamento demográfico das ilhas de menor dimensão, no sentido de manter níveis aceitáveis de coesão territorial e de auto suficiência económica.
Nos últimos tempos, o PPM foi especialmente crítico em alguns assuntos, casos do novo acordo de concertação social e no caso dos subsídios de Natal e de férias. Que comentário lhe merece as reservas colocadas pelas restantes bancadas parlamentares sobre estes assuntos?
A questão aqui é fácil. O Governo Regional decidiu encaixar a verba resultante do não pagamento dos subsídios de Natal e de férias e remeter a culpa para o Governo da República. Podia não o ter feito, mas preferiu enganar os trabalhadores açorianos nesta matéria.
A nossa opinião é que, além de ser uma medida ferida de inconstitucionalidade, o corte dos subsídios de Natal e de férias – que nem sequer estava previsto no Memorando da Troika – apenas serve para maquilhar o mau trabalho que foi feito ao nível da redução da despesa e do ataque à impunidade nas parcerias público-privadas, nas fundações inúteis, nas empresas municipais, nas célebres derrapagens, etc. O Governo Regional comportou-se aqui como um fariseu e aproveitou, com habilidade, a boleia do Governo da República.
Considera que se continua com um problema ao nível dos transportes aéreos e marítimos a Região, principalmente ao nível dos custos?
Claramente. Esse é, aliás, um dos principais problemas da Região. Com estes preços e esta desarticulação, não só não conseguimos desenvolver o mercado turístico, como não conseguimos criar um mercado interno unificado. Nesta matéria, a herança da governação socialista é muito má. É necessário repensar toda a política de transporte, de forma a dar-lhe novas valências e a permitir o desenvolvimento exponencial do sector turístico. Potencialidades não nos faltam.
Podemos dizer que as pastas da Saúde e da Educação estão “doentes” nos Açores?
No sector da saúde, com uma dívida estimada em mil milhões de euros, pode mesmo falar-se em estado terminal. No futuro, os utentes serão chamados, de forma cada vez mais violenta, a pagar a colossal factura acumulada. Um desastre incomensurável de gestão e de desperdício.
No caso da educação, podemos contar com uma infra-estrutura que é das melhores da Europa (tive a oportunidade de visitar vários sistemas educativos europeus). Falhamos, claramente, nos resultados escolares. Temos, com excepção da Madeira, os piores resultados nacionais nos exames do ensino secundário e dos piores resultados europeus nos testes PISA. O problema está na organização do sistema, demasiado burocrático e descentrado das reais necessidades dos alunos.
Que comentário lhe merece a decisão de Carlos César em não se recandidatar a um novo mandato?
O Estatuto Político-Administrativo estabelece, para o exercício do cargo de Presidente do Governo Regional, um limite de três mandatos sucessivos. O Presidente do Governo Regional, que está a exercer o seu quarto mandato, limitou-se a cumprir a lei. Estou absolutamente convencido que o Representante da República - que é quem tem a competência legal nesta matéria – não aceitaria a sua indigitação por parte do PS, no caso desta força política ganhar as próximas eleições regionais.
Considera que esta decisão poderá beneficiar os denominados partidos “mais pequenos”?
Depende. O Presidente do Governo Regional possui um forte ascendente eleitoral no nosso sistema político e eleitoral. A História comprova que ele é, até prova em contrário, invencível. Nenhum presidente foi derrotado no âmbito dos 36 anos de existência do actual regime autonómico. Por isso, o facto do actual Presidente do Governo Regional não se recandidatar é algo politicamente muito relevante.
Na minha opinião, estamos a viver uma situação muito semelhante a 1996. Existe, pela primeira vez desde essas eleições, uma incerteza real em relação à força política que ganhará as próximas eleições regionais. A distância entre o PS e o PSD tenderá a diminuir muito significativamente. Nestas circunstâncias, falta saber quem desempatará.
Os partidos mais pequenos disputarão o eleitorado, também muito substancial, dos eleitores que não querem dar a maioria absoluta a nenhum dos “dois grandes” e que querem, em simultâneo, penalizar os governos laranja e rosa da República e da Região. Neste espectro eleitoral, uns ganharão e outros perderão.
Acha que, perante o actual cenário político, será difícil a qualquer partido alcançar uma maioria absoluta nas próximas eleições regionais?
Não só acho, como tenho a certeza disso. O PS/Açores está muito vulnerabilizado pela saída do Presidente do Governo Regional – e já vimos como os presidentes dos governos regionais são eleitoralmente muito fortes – e pelos efeitos devastadores da crise económica e do consequente aumento do desemprego na Região. Nestas condições, o candidato Vasco Cordeiro não tem qualquer hipótese de ganhar com maioria absoluta.
Na minha opinião, o desgaste crescente do Governo da República, que em Outubro será ainda mais evidente, afasta qualquer hipótese do PSD/Açores conseguir atingir a maioria absoluta. Nestas circunstâncias, a decisão sobre a governabilidade da Região estará dependente da amplitude eleitoral que será atingida por outras plataformas políticas.
O que considera ser um bom resultado para oPPM/ Açores nas próximas eleições regionais?
Não colocámos fasquias nestas eleições. Consideramos que este acto eleitoral, pelas circunstâncias especiais que vivemos, está em aberto. Vamos ver o que sucede. O Povo é que sabe o que nós merecemos.
Está disponível para coligações pós-eleitorais para sustentar uma maioria parlamentar nos Açores?
Claro! O PPM assegurará, em qualquer circunstância, a governabilidade da Região. Não basta estar contra. É necessário estar a favor de exercer responsabilidades e assumir riscos governativos. Nestas circunstâncias, em que o Governo não tem dinheiro para mandar cantar um cego, é fácil remeter as responsabilidades para os outros e criticar de tribuna. Nós, não o faremos.

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