A disparidade escandalosa no leque dos vencimentos públicos em Portugal
Não vou falar dos portugueses que têm muitos bens, pelo facto de os terem herdado e multiplicado ou por terem tido significativo êxito nas suas profissões e nas suas empresas. Esses são os que considero verdadeiramente ricos, na verdadeira acepção do termo, e que bem precisos são neste país, pois são fonte de enriquecimento da comunidade, criando emprego e desenvolvimento.
Bem diferentes daqueles que, apesar do muito dinheiro que possuem, em nada beneficiam a sociedade onde vivem. Têm dinheiro, lá isso têm, mas não são ricos, pois os seus bens são improdutivos, em nada contribuindo para o bem estar do próximo e do país, como refere o escritor moçambicano Mia Couto.
As revistas mundanas e os jornais sensacionalistas procuram muitas vezes fazer críticas mordazes a quem está na berra devido ao êxito das suas empresas ou da sua actividade profissional, quando deviam preocupar-se sim com os que têm enriquecido escandalosamente no exercício de cargos políticos ou no desempenho de funções nas Empresas do Estado.
Esses é que deviam ser o alvo das suas críticas. Mas não. Há muito medo por aí escondido e por vezes o silêncio corresponde a um torpe capital de troca disponível para recebimento de futuras vantagens. No fundo, tais escribas, não criticam, apenas lamentam não estar igualmente agarrados aos desgraçados úberes das empresas públicas.
Pela minha parte estou livre e alodial para dizer o que sinto. No Parlamento, manifestei-me contra as reformas especiais estabelecidas para os políticos e contra os aumentos dos seus vencimentos num ano em que os salários da função pública se ia manter. Por esse motivo, estou plenamente à vontade para levantar uma questão que todos podem vislumbrar sem grande esforço mental, trazendo à colação as diferenças abissais existentes no leque salarial da função pública e das empresas públicas, entre a generalidade dos trabalhadores, por um lado, e os que foram nomeados por motivações políticas para os lugares cimeiros das hierarquias, por outro.
Em Coimbra, no meu tempo de estudante, em conversas de amigos, quando saltava à baila a situação social na URSS, ficava abismado com o amplo e exagerado leque salarial que via aí existir. Na realidade, verificava-se uma enorme diferença entre os salários da gente do partido e os dos cidadãos comuns que igualmente exerciam profissões técnicas de responsabilidade, isto já para não fazer comparações desses milionários estaduais da foice e do martelo com os simples operários especializados, com os trabalhadores indiferenciados ou com os que trabalhavam na agricultura das granjas colectivas. E eu ficava chocado com essas gritantes diferenças que os meus amigos marxistas não me conseguiam explicar à luz das cartilhas conhecidas, sempre acabando por se amofinar com a minha incómoda impertinência. Pelo menos, numa economia de mercado, pensava eu na minha ingenuidade, ou alguém é muito bom, profissionalmente falando, e por essa razão aufere um vencimento fora de contexto, ou cai na tabela normal de salários, de ordenados e de vencimentos, determinados nas especificações contratuais, que nunca poderão ter diferenças escandalosas. E na função pública e nas respectivas empresas nem se fala, assim deduzia eu.
Porém, ao longo dos tempos, ficámos em Portugal com uma situação idêntica, em matéria de disparidades salariais. As diferenças imorais dos vencimentos dos titulares dos cargos, nomeados pela política, com os dos restantes trabalhadores, num país da União Europeia, são afinal parecidas com a situação de desigualdade que existia entre a gente do partido e os vulgares profissionais nos países do “Comecon”, isto é, na União Soviética e nos Países Satélites... Claro que alguns bons técnicos que estavam na vida privada e foram chamados para lugares na função pública, para beneficiar os interesses de todos nós, têm que receber um pagamento excepcional para se poderem manter ao serviço do Estado. Mas esses são casos excepcionais que se contam pelos dedos e cujas situações têm servido de cortina de fumo para a inflação galopante dos vencimentos dos gestores públicos nomeados pela partidocracia. Acresce ainda, criticar veementemente a multidão de meninecos acabados de formar, assessores com pouca ou nenhuma prática, secretárias sem currículo que se veja, entrados nos lugares por influência política e que têm vencimentos chocantes, desajustados das suas experiência e capacidade profissionais e incomportáveis num país sem tostão e a pedir à comunidade sacrifícios sem fim. Se nisto não acreditarem, vão consultar as nomeações que até há bem pouco tempo têm aparecido no Diário da República. Ainda por cima, os nomeados são quase sempre familiares de políticos no poleiro ou arredores.
Não é que esses vencimentos de favor e desajustados da situação económica do país, vão pesar grandemente na nossa dívida externa mas, mais que não seja, existe um problema de justiça relativa, pela qual os responsáveis governamentais têm que zelar, atendendo aos princípios da equidade e do equilíbrio social por que se devem pautar.
Tais atropelos nessas nomeações, sob pena de descredibilização das hierarquias, têm que acabar. Se não, temos o caldo entornado.
António Moniz Palme
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