A bastardia real foi quase sempre uma instituição, seja em Portugal ou em qualquer outro reino por essa Europa, dando azo, não raras vezes, a conflitos. Cite-se o exemplo da Guerra Civil entre D. Dinis e seu filho, futuro D. Afonso IV, a pretexto do favoritismo que o primeiro dava ao seu bastardo, Afonso Sanches. Ou o caso de D. João I, que sendo bastardo sucedeu a seu irmão (D. Fernando), que tinha filha legítima (Dª Beatriz). Ou no caso da nossa vizinha Castela, na guerra fratricida entre Pedro "O Cruel" e o seu meio-irmão, Henrique de Trâstamara, filho de seu pai, Afonso Onzeno, e da sua favorita, Luísa de Guzman.
Se fosse necessária mais alguma evidência, vejamos que as chamadas duas dinastias portuguesas (designação de que discordo) que sucederam à linha varonil de Dom Afonso Henriques, tiveram por base filhos bastardos reais, sendo D. João I uma espécie de charneira, porque sendo filho bastardo de D. Pedro I (o tal da Inês de Castro), teve também ele um filho bastardo, Dom Afonso, que casou com a filha única do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, e que foi o primeiro Duque de Bragança - título concedido pelo Infante Dom Pedro, que viria a morrer em Alfarrobeira, muito por culpa deste mesmo Dom Afonso, que ele há pouco havia feito duque...
Sempre houve uma luta deliberada pela primazia destas linhas colaterais, que se afanavam por mostrar a sua linhagem real. Em Vila Viçosa, a porta dos nós simboliza essa pretensão. A divisa "Depois de Vós, Nós" não queria dizer outra coisa que isto: "depois da família real, os fidalgos mais importantes do reino somos nós". No entanto essa ascendência foi consolidada sobretudo com base na riqueza incomensurável de Nuno Alvares, após a sua vitória em Aljubarrota, que veio a ser incorporada, na íntegra, na casa de Bragança. Contudo, alguns bastardos reais disputaram essa preponderância, sendo o mais conhecido D. Jorge, filho bastardo de D. João II e que este tentou com afinco coloca-lo no trono no lugar do seu cunhado, futuro D. Manuel. Acabou ostracizado da corte, vivendo em Palmela a maior parte da sua vida, onde era Mestre da Ordem de Santiago.
Se este Dom Jorge teve uma vida pacata, o mesmo não poderá dizer o seu filho, D. João, cuja vida deu azo, inclusive, para um romance de Camilo Castelo Branco -"O Marquês de Torres Novas"- e que viria a ser o primeiro Duque de Aveiro. O seu drama tem origem no casamento que este jurou ter contraído com Dona Guiomar Coutinho, viúva e herdeira de uma fortuna imensa, e que D. João III quis casar com um irmão seu - O Infante Dom Fernando. Quando este protestou contra este casamento, alegando que já tinha casado, a furto, com a senhora, a sua posição não prevaleceu e acabou encarcerado quase uma década no Castelo de São Jorge. Mais tarde também tentou, debalde, casar com uma filha do 4º Duque de Bragança, o desequilibrado D. Jaime. Apesar de tudo, D. João III, que era piedoso e provavelmente terá sentido remorsos pela situação daquele descendente de D. João II, fê-lo Duque de Aveiro. Mas não deixou de fazer-lhe uma nova afronta: exigiu que ele adoptasse um apelido. Naquela altura era ultrajante, para alguém com aspirações à realeza, ter que escolher um apelido, que os distinguisse da linhagem real.
Então, o agora Duque de Aveiro optou por um apelido alusivo a um antepassado, mas que não pudesse ser apresentado também como troféu pelos Duques de Bragança. Estava excluída a linha de D. João I, porque também entroncava na dinastia brigantina, mas lembrou-se de Dona Filipa de Lencastre, filha de João de Gant, Duque de Lencastre, mulher de D. João I, e que não tinha nenhuma relação com a origem da casa de Bragança. Deve ter-lhe dado imenso gozo optar por um apelido materno tão ilustre, quando o Duque de Bragança descendia de uma tal Inês Pires, cujo pai era conhecido como o "Barbadão". No fundo, o que ele queria dizer era: eu descendo do prestigioso Duque de Lencastre e tu do obscuro "Barbadão". Parco consolo para uma vida que não lhe terá dado grandes motivos de gáudio.
D. Afonso Henriques
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