No prefácio de 1962 de Notes Towards the Definition of a Culture,
T. S. Eliot deixou claro o seguinte: "eu não sou um monárquico tout
court, como já fui: diria que sou a favor da manutenção da monarquia nos países
onde a monarquia já existe". Ora, é assim que está, há um tempinho, a
minha relação com a monarquia. Sim, 1910 foi uma ruptura ilegítima que abriu
espaço a dois regimes inconstitucionais (I República e Estado Novo).
Sim, o conceito de Monarquia Constitucional dá um festim de
pele-de-galinha à minha pobre epiderme. Mas a ideia de defender uma monarquia
no Portugal de 2012 tem qualquer coisa de utopia, de irrealismo, de Santo Graal
inconsequente. Como é que se pode ser monárquico num país que já deixou a
monarquia? Como é que se faz rewind no VHS da história?
Seja como for, a pele-de-galinha monárquica aparece com
frequência, embora seja uma pele-de-galinha importada, como no recente caso das
comemorações do Jubileu de Isabel II. Olhe-se bem para este quadro:
apertadinhos em nome da nação, num espaço de quatro ou cinco metros quadrados,
ali estavam Elton John, Paul MacCartney e Isabel a ouvir um discurso do
desajeitado Príncipe Carlos. Além da emoção, a amplitude térmica do quadro
entra pela pele adentro. Não existe ninguém mais distante de Isabel do que
Elton John. Mas, apesar de pertencerem a estirpes distintas de homo
sapiens, há uma coisa que os une: são britânicos, partilham o mesmo destino. Em
todo o arsenal político, não existe nada mais poderoso do que a monarquia para
gerar esta sensação de chão comum, esse amor pela terra e pelos nossos. Invejo
os britânicos.
Este tema é um dos alvos preferidos do ar do tempo
pós-moderninho. É a coisa mais mais fácil do mundo, fazer piadinhas sobre a
monarquia e patriotismo, porque isso gera uma confortável distância irónica. É
uma pena. Como diz um amigo que anda por aquelas bandas, até o The
Guardian se curvou perante a Rainha, dizendo que a monarquia foi a única
instituição que não traiu os britânicos. Ainda bem que o The Guardian acordou
para a vida, porque é essa a razão de ser da monarquia: a existência de um laço
efectivo que vai além dos políticos conjunturais. Os primeiros-ministros
vão rodando na cadeira do poder, mas a cadeira da nação está sempre no mesmo
sítio. Desde 1952, o Reino Unido já conheceu três gerações de políticos
(Churchill e MacMillan, Wilson e Thatcher, Blair e Cameron), mas a Rainha foi
sempre a mesma, e essa permanência cria uma relação pessoal e efectiva entre os
britânicos e a monarquia. E, caramba, invejo até à medula essa relação. Invejo
tanto, que às vezes pergunto aos meus órfãos botões: "será que algum dia
poderei vir a ser mais do que um monárquico de coração?"
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