domingo, 29 de julho de 2012

A necessidade de Planeamento Estratégico - o Exemplo dos Planos de Fomento do Séc XX português


A Economia Portuguesa
A necessidade de planeamento estratégico
O exemplo da 2ª República
1.      Os Planos de Fomento e o seu papel na reestruturação da economia
            A 1ª tentativa de elaboração de um programa de desenvolvimento da Economia portuguesa foi transposta na Lei n.º 1914 de 24 de Maio de 1935.
            Tratava-se de um programa a pôr em execução no decurso de um período de 15 anos, circunscrito a um certo número de investimentos públicos considerados da maior importância, sem que tenha havido a preocupação de os inserir num conjunto sistematizado.
            No final deste plano, foi levada a efeito a elaboração e a execução de uma série de planos administrativos parciais:
-          “reorganização dos serviços postais e telefónicos,
-          desenvolvimento hidro-agrícola e reflorestação,
-          desenvolvimento da extracção mineira,
-          fornecimento de água,
-          equipamento portuário,
-          construção de estradas,
-          renovação da marinha mercante”.
Avaliados, no início, em 6,5 milhões de contos os investimentos totais acabaram por atingir os 14 milhões de contos (a preços de 1935) no termo da vigência da lei de 1935.
No período do pós-guerra, o Governo de Portugal lançou um conjunto de planos de investimento e de medidas de cumprimento obrigatório para o sector público. Para osector privado estes, denominados de Planos de Fomento, eram apenas deenquadramento macro-económico permitindo, no entanto, à iniciativa privada, perceber das intenções do poder político sobre a economia e sobre o seu desenvolvimento e, se fosse caso disso, ser apoiada directa ou indirectamente pelo Estado. Para mais, estes planos eram trabalhados, na sua concepção, não só a nível governamental como também eram chamados a dar a sua colaboração várias entidades privadas, nomeadamente as associações patronais e as empresas públicas. A sua execução anual era discutida na então Assembleia Nacional e articulada com os Orçamentos anuais do Estado.

No período que decorreu entre 1953 e 1974 foram concebidos e construídos 4 Planos de Fomento e um denominado de Plano Intercalar.
O 1º Plano de Fomento vigorou entre 1953 e 1958. Este Iº Plano de Fomento foi discutido na Assembleia Nacional (CF Projecto de Lei do 1º Plano de Fomento in Diário das Sessões nº 168, de 21 de Novembro de 1952, pág. 1053, e aprovado nos termos da Lei nº 2058 de 29 de Dezembro de 1952) e tenta uma «sistematização dos recursos da Metrópole e do Ultramar e procede a um estudo conjunto e coordenado das afectações mais urgentes»
Compreendia seis capítulos: (1) agricultura, (2) energia, (3) indústrias–chave, (4) transportes e (5) comunicações, (6) escolas técnicas e iniciativas do mesmo género no Ultramar.
Continha, portanto, um conjunto de investimentos nos vários campos de actividade onde o país mais carecia do investimento necessário ao seu desenvolvimento.
Cerca de 35% dos investimentos totais previstos, foram dirigidos para o campo da energia, em que se previa a construção de barragens hidroeléctricas e a construção de redes de transporte de energia, gerada pelas mesmas, de forma a estender o uso da electricidade aos centros e populações rurais.
Na área das comunicações e dos transportes previa-se a construção e reparação de estradas, construção de infra-estruturas ferroviárias e a construção de infra-estruturas necessárias às telecomunicações terrestres e marítimas. Nesta área foram investidos cerca de 32%, das verbas do plano.
No sector da agricultura, silvicultura e pescas, e na hidráulica de apoio cerca de 17% dos montantes em causa, que seriam aplicados no repovoamento florestal, na irrigação por meio de grandes albufeiras e na colonização interna.
A investigação e o ensino técnico seriam contemplados com 2% e os apoios à industrialização significariam cerca de 12% do total.
Os investimentos totais do plano significavam cerca de 23,6% do Produto Interno Bruto, a que correspondia uma dotação de 13 milhões e meio de contos.
Na realidade foram investidos na Metrópole 10,4 milhões de contos e 4,5 milhões no Ultramar, ultrapassando os objectivos inicialmente previstos.
O referido plano foi apresentado públicamente numa série de conferências organizadas para o efeito, e como razão fundamental para o início desse tipo de organização era apontada a “complexidade das tarefas colectivas que os aumentos demográficos e os altos níveis de vida das populações impõem aos Estados modernos” e pela “necessidade política de atingir determinados objectivos em prazos certos” de forma a responder a ”questões políticas, económicas e financeiras que o plano enfrenta  e dos resultados que visa” e a enfrentar a necessidade de disciplinar a actividade do Estado.
Como ponto de partida, na concepção do plano, a atenção primária incidia nos recursos disponíveis, isto é nos recursos próprios do país, e após esse levantamento descreviam-se as necessidades existentes atribuindo-se então os recursos possíveis a cada área de necessidade, de forma a evitar “uma pressão demasiada sobre a economia interna”, que a criação de meios de pagamento artificiais poderia criar o que poderia conduzir a uma quebra da estabilidade monetária e do equilíbrio social”.
A dotação do plano era dividida quase em partes iguais pela metrópole e pelo ultramar, sendo a primeira vez que era planeada, de uma forma sistemática, e integrada, a atribuição de verbas para as necessidades consideradas mais urgentes, cabendo aos investimentos privados um papel importante e desejado no desenvolvimento nacional. Pela sua parte o Estado entraria com os montantes do Plano, deixando à iniciativa privada a decisão dos seus próprios valores a investir.
O recurso ao crédito externo previsto era de cerca de 1 milhão de contos, sendo dos quais cerca de 50% foram contratados com a banca americana e destinaram-se ao Caminho-de-Ferro do Limpopo.
No seu discurso de apresentação do plano o Presidente do Conselho, atribuindo à agricultura um papel importante não deixou de afirmar que “a indústria tem uma rentabilidade superior à agricultura e que só pela industrialização se pode decisivamente elevar o nível de vida, como só por ela é possível atingir sem risco altas densidades demográficas” e acrescentava que “sem suficiente industrialização nem teremos mercado local bastante para algumas produções agrícolas, nem poderemos evitar completamente que os excessos de população se expatriem, como estão fazendo nalguns casos em condições que não consideramos satisfatórias”.
No capítulo dedicado à iniciativa privada a orientação ia no sentido de o Estado “fomentar a criação de empresas, apoiá-las técnica e financeiramente, ditar-lhes regimes adequados de exploração... e retirar-se, quando não seja necessária a sua presença ou o seu auxílio”.
2º Plano de Fomento, foi elaborado para vigorar entre 1959 e 1964 (o 2º Plano de Fomento foi aprovado nos termos da Lei nº 2094 de 25 de Novembro de 1958).
Neste plano o conteúdo sectorial e a programação foram alargados e os métodos de planificação aperfeiçoados.
Era já um verdadeiro programa de política económica no qual estavam referenciadosobjectivos fundamentais:
-          aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional,
-          elevação do nível de vida,
-          busca de regulamentação dos problemas de trabalho,
-          melhoramento da balança de pagamentos.
A ideia dominante, aliás, era a da substituição, se possível, das importações pela produção em território nacional. E foi a que presidiu à estratégia de industrialização, já entrevista nas palavras do Chefe do Governo, para a década de 1960.
Na verdade, desde 1945 que estava definida a necessidade de Portugal desenvolver as indústrias siderúrgica, de refinação de petróleo, de adubos azotados e da folha-de-flandres, bem como as celuloses e a indústria da pasta de papel.
Por tal facto isso veio a ter o enquadramento correspondente neste 2º Plano de Fomento, embora o papel de investidor principal se deslocasse do estatal para o privado, com o apoio do primeiro. Tal foi solicitado aos principais grupos económicos, como era o caso do grupo Companhia União Fabril, tendo estes respondido afirmativamente.
Continuavam a prever realizar-se investimentos nas infra-estruturas, nomeadamente no campo da energia, nos segmentos de produção e da distribuição, 21,4% do total, nos transportes e comunicações, 30,8% do total, tendo o esforço, apenas em infra-estruturas, duplicado face ao plano anterior, passando neste plano a significar cerca de 4% do PIB, quando no 1º plano tinha significado cerca de 2%.
Como instrumento utilizado para a promoção das novas indústrias o principal instrumento foi a Lei do Condicionamento Industrial que assegurava um mercado interno às indústrias sediadas no país, o acesso facilitado ao mercado de capitais e ao crédito ao investimento e a criação e lançamento de incentivos fiscais ao investimento.
O montante total previsto para investimento na Metrópole e Ilhas adjacentes, foi de cerca de 21 milhões de contos (preços de 1953).
Para o total da Metrópole Ilhas e Ultramar a previsão foi de 31,27 milhões de contos. Todavia os investimentos reais atingiram cerca de 36,176 milhões de contos.
taxa anual de crescimento do PNB, fixada em 4,2%, elevou-se durante a execução do plano, a 6,2%.
Entretanto eclodiram guerras nas províncias ultramarinas. Em 1961 em Angola, em 1963 na Guiné e em 1964 em Moçambique.
O denominado Plano Intercalar, (aprovado pela Lei n.º 2123 de 14 de Dezembro de 1964) feito para os anos de 1965 e 1966 foi elaborado na ressaca desses acontecimentos e foi condicionado pelos mesmos.
Foi concebido para ser um instrumento da “programação global do desenvolvimento económico e social de todo o espaço português” continuando a integrar e a contemplar o sector público e o sector privado.
Depararam-se os técnicos com naturais incertezas sobre como fazer previsões para um período de 6 anos, face às contingências surgidas com o eclodir da guerra no ultramar. A economia portuguesa, tinha que se defrontar com o “esforço financeiro requerido pelas necessidades de Defesa Nacional, os desenvolvimentos do processo de Unificação dos Mercados Nacionais e os movimentos de Integração Europeia”.
Perante a complexidade destas questões o Governo limitou a três anos a duração deste plano. Os grandes objectivos eram:
-          o de acelerar o crescimento do produto nacional
-          e proceder a uma repartição mais equilibrada do rendimento. 
A realização destes objectivos estava sujeita a uma coordenação com o esforço de defesa militar, com a manutenção da estabilidade financeira e monetária interna e externa e com o equilíbrio do mercado de trabalho.
Contemplava uma previsão de investimento para a Metrópole e Ilhas de cerca de 35,5 milhões de contos e para o Ultramar de 14,4 milhões de contos (a preços de 1964).
taxa de crescimento do Produto Nacional prevista no plano de 6,1% foi na realidade de 8,1%, superando, portanto, o objectivado em 2 pontos percentuais.
Em 1965 o crescimento do Produto Interno Bruto da Metrópole foi de 7% e o Consumo Privado, índice por excelência do crescimento do nível de vida, foi de 7,8%.
Apesar disso, os investimentos para as infra-estruturas situaram-se a níveis de 4% do PIB. Desta vez as indústrias mais beneficiadas foram as metalúrgicas, metalomecânicas, as de material de transporte, a química, a do petróleo e os cimentos.
Pela primeira vez aparece a preocupação expressa com o planeamento regional e com a distribuição mais equitativa do rendimento. Os investimentos na habitação e no turismo somavam 8,2% do total dos investimentos planeados.
3º Plano de Fomento foi concebido para ser executado entre 1967 e 1973. Previa investimentos na ordem dos 122,2 milhões de contos, para a Metrópole e Ilhas e de 44,5 milhões de contos para as Províncias Ultramarinas.
A sua execução teve lugar já no tempo do Prof. Marcelo Caetano, como Presidente do Conselho.
No relatório das Contas Gerais do Estado, respeitantes à gestão de 1966, referia-se a dado passo que«os excedentes das receitas ordinárias, sobre as despesas da mesma natureza atingiu o nível elevado de 5.365.500 contoso que permitiu financiar inteiramente, e mesmo ultrapassar em grande medida, os encargos representados pela defesa da integridade nacional».Isto é financiar o esforço de guerra nas 3 frentes.
Isto é, no espírito e na letra do documento o que se dizia era que o saldo entre receitas e despesas das contas gerais do Estado português tinha permitido financiar os esforços de guerra em Angola, Guiné e Moçambique, sem prejuízo para o desenvolvimento económico do país.          
Os objectivos mantinham-se claros e íam no sentido:
-          de acelerar o ritmo de crescimento do produto nacional,
-          de proporcionar uma repartição mais equitativa dos rendimentos
-          e no sentido de se proceder a uma correcção progressiva das assimetrias regionais de desenvolvimento.

Além dos princípios descritos anunciava-se a adaptação progressiva da economia portuguesa, a uma cadência maior, aos condicionalismos, dos factores técnica, capital e trabalho. Necessidades resultantes da sua integração em espaços económicos mais vastos.
Anunciava-se a eliminação do que restava do condicionamento industrial, o que significava uma menor protecção dos poderes públicos às indústrias estabelecidas no país, e consequente primazia do mercado, como forma de alcançar uma maior eficácia e produtividade para a economia nacional.
Pretendia-se promover o apoio a concentrações técnicas e financeiras, contemplava-se uma política mais agressiva de exportações e apostava-se numa maior captação do investimento estrangeiro, sobretudo de capital intensivo. Por outro lado anunciava-se a introdução de políticas anti-monopolistas e de defesa das práticas de concorrência e a atribuição de incentivos à reorganização das empresas.

Uma das obras mais significativas, que surgiu com este plano, em termos dos montantes envolvidos, foi o pólo industrial de Sines que tanta tinta fez correr desde então até aos nossos dias, dada a sua concepção de raiz ter sido elaborada com base na refinação de petróleo.
Este projecto veio a sofrer com a crise de 1973, denominada de “crise do petróleo”, em que o “crude” subiu de preços, no mercado internacional, de forma absolutamente explosiva, o que veio a prejudicar, e muito, a rentabilidade potencial deste complexo.
A acrescentar à crise do petróleo, o facto de Angola se ter tornado independente alguns anos mais tarde, perdendo Portugal o privilégio da obtenção de uma produto para refinação certo e a preços razoáveis. Face ao investimento efectuado e às características técnicas do mesmo, com estes dois factores que provocaram impactos negativos, o projecto tornou-se de difícil resolução.
Como se vê no quadro seguinte, a ênfase nos investimentos foi claramente para as infra-estruturas de energia, transportes e comunicações, seguindo-se a indústria como prioridade, o que se acentuou nos dois últimos planos aqui considerados.
Foram planos úteis para o enquadramento do investimento público e privado, por forneceram pistas e balizas importantes para os vários sectores da economia portuguesa, para a introdução da disciplina necessária a quem gere fundos públicos, para a promoção do aparecimento de quadros técnicos competentes e para a melhoria qualitativa de boa parte dos quadros da administração pública, existentes.

Sublinho que estes são os valores da época, inscritos em cada plano, pelo que não poderão ser feitas análises comparativas aos valores absolutos indicados, sem se proceder à avaliação do respectivo significado em termos do que comprariam esses valores, em bens e serviços, em cada uma das épocas.
Por isso mesmo, não é feita nenhuma comparação das variações entre as verbas de cada plano, com o anterior, pois não faria sentido, pelos mesmos motivos. Muito menos se consideraria correcta, a comparação com os valores actuais, a menos que se efectuassem os cálculos necessários, a uma correcta análise comparativa de equivalência.
O IV Plano não teve quase história pois entretanto foi interrompida a sua execução pela Revolução de 25 de Abril de 1974, de que se falará noutros artigos.

Cumprimentos

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