No ano de 2000, o XIV.º Governo Constitucional de António Guterres
necessitava de um voto que garantisse a maioria necessária para a aprovação do
Orçamento de Estado. As direcções de todos os partidos da oposição manifestaram
a intenção de votar contra e o país caminhava para uma crise.
Eis que um então deputado do CDS-PP, que também era Presidente da Câmara
de Ponte de Lima, decide romper com a disciplina partidária. Em troca do seu
voto que viabilizaria o orçamento, o deputado negociara com o governo uma série
de contrapartidas que beneficiariam directamente o seu município e
indirectamente a região envolvente. E consequentemente, beneficiariam as
populações que o elegeram como deputado da Assembleia da República.
Esse Orçamento de Estado ficou celebrizado como “Orçamento do Queijo”,
por ter envolvido o deputado e presidente da câmara limiano, o mesmo que um ano
antes encetara uma greve de fome em protesto contra a deslocalização da fábrica
produtora do referido queijo.
Hoje em dia, Daniel Campelo o deputado do Queijo, está “do outro lado da
barricada”, sendo membro do governo enquanto secretário de estado da
Agricultura.
Esta semana, aquando da votação da proposta de Orçamento para 2013, o
mais austero e violento de toda a história e o menos português também, já que
foi elaborado sob a égide de instituições estrangeiras, assistimos a um outro
caso de votação em desacordo com a bancada.
Não importa discutir quais os motivos ou segundas intenções que
estiveram na base da decisão do CDS-Madeira, que mandatou o seu deputado eleito
a votar em desacordo com a bancada. Mais importante é salientar a coragem
política de votar conforme aquilo que se entendeu ser a defesa dos interesses
das populações que se representa.
A argumentação das lideranças partidárias e parlamentares para a
existência de disciplina de voto em matérias ditas “importantes” é baseada em
chavões gastos, típicos de regimes decadentes. A ideia de que a inexistência de
disciplina de voto conduz ao pântano e ao caos é conversa gasta que já rompeu,
ao contrário das cadeiras do hemiciclo que parecem sempre novas. Pois, com
excepção das discussões destas matérias ditas “importantes”, nunca têm rabos
sobre elas que as rocem.
O sistema político vigente fomenta o “carneirismo”, esta atitude do deputado comum que se limita a dizer
“muito bem, muito bem” e a votar conforme a sua orientação partidária, pondo de
parte a respectiva consciência e muitas vezes vilipendiando os interesses das
populações que o elegeram.
Aos agentes políticos e, sobretudo, à sociedade civil exige-se um debate
sério sobre o actual sistema democrático em Portugal. Há uma
série de questões que urgem resposta:
Quem representa as populações no poder legislativo?
Para que servem os círculos eleitorais, se depois os deputados eleitos
pelos distritos votam em conformidade com as lideranças das suas bancadas
parlamentares, sob pena de serem expulsos dos respectivos partidos?
E que dizer das principais figuras dos partidos, que encabeçam as listas
de distritos com os quais não têm qualquer ligação, apenas com o objectivo de
obter o “tacho”?
Porque não podem ser eleitos deputados independentes ou apoiados por
movimentos cívicos, fora da esfera dos partidos políticos?
Esta é a verdadeira refundação de
que Portugal carece há muito. Refundar para um regime verdadeiramente
democrático, no qual a sociedade civil possa participar activamente e os
agentes do poder estejam próximos das populações, para melhor as conhecerem e
defenderem.
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