Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

domingo, 4 de novembro de 2012

A democracia do "carneirismo"


No ano de 2000, o XIV.º Governo Constitucional de António Guterres necessitava de um voto que garantisse a maioria necessária para a aprovação do Orçamento de Estado. As direcções de todos os partidos da oposição manifestaram a intenção de votar contra e o país caminhava para uma crise.
Eis que um então deputado do CDS-PP, que também era Presidente da Câmara de Ponte de Lima, decide romper com a disciplina partidária. Em troca do seu voto que viabilizaria o orçamento, o deputado negociara com o governo uma série de contrapartidas que beneficiariam directamente o seu município e indirectamente a região envolvente. E consequentemente, beneficiariam as populações que o elegeram como deputado da Assembleia da República.
Esse Orçamento de Estado ficou celebrizado como “Orçamento do Queijo”, por ter envolvido o deputado e presidente da câmara limiano, o mesmo que um ano antes encetara uma greve de fome em protesto contra a deslocalização da fábrica produtora do referido queijo.
Hoje em dia, Daniel Campelo o deputado do Queijo, está “do outro lado da barricada”, sendo membro do governo enquanto secretário de estado da Agricultura.
Esta semana, aquando da votação da proposta de Orçamento para 2013, o mais austero e violento de toda a história e o menos português também, já que foi elaborado sob a égide de instituições estrangeiras, assistimos a um outro caso de votação em desacordo com a bancada.
Não importa discutir quais os motivos ou segundas intenções que estiveram na base da decisão do CDS-Madeira, que mandatou o seu deputado eleito a votar em desacordo com a bancada. Mais importante é salientar a coragem política de votar conforme aquilo que se entendeu ser a defesa dos interesses das populações que se representa.
A argumentação das lideranças partidárias e parlamentares para a existência de disciplina de voto em matérias ditas “importantes” é baseada em chavões gastos, típicos de regimes decadentes. A ideia de que a inexistência de disciplina de voto conduz ao pântano e ao caos é conversa gasta que já rompeu, ao contrário das cadeiras do hemiciclo que parecem sempre novas. Pois, com excepção das discussões destas matérias ditas “importantes”, nunca têm rabos sobre elas que as rocem.
O sistema político vigente fomenta o “carneirismo”, esta atitude do deputado comum que se limita a dizer “muito bem, muito bem” e a votar conforme a sua orientação partidária, pondo de parte a respectiva consciência e muitas vezes vilipendiando os interesses das populações que o elegeram.
Aos agentes políticos e, sobretudo, à sociedade civil exige-se um debate sério sobre o actual sistema democrático em Portugal. Há uma série de questões que urgem resposta:
Quem representa as populações no poder legislativo?
Para que servem os círculos eleitorais, se depois os deputados eleitos pelos distritos votam em conformidade com as lideranças das suas bancadas parlamentares, sob pena de serem expulsos dos respectivos partidos?
E que dizer das principais figuras dos partidos, que encabeçam as listas de distritos com os quais não têm qualquer ligação, apenas com o objectivo de obter o “tacho”?
Porque não podem ser eleitos deputados independentes ou apoiados por movimentos cívicos, fora da esfera dos partidos políticos?
Esta é a verdadeira refundação de que Portugal carece há muito. Refundar para um regime verdadeiramente democrático, no qual a sociedade civil possa participar activamente e os agentes do poder estejam próximos das populações, para melhor as conhecerem e defenderem.

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