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Manuel Beninger

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Divagações sobre o Mundo Laboral e a Igreja


O Provérbio Hindu que me aconselha a falar somente quando as minhas palavras forem melhores do que o Silêncio, têm sido para mim um lema que respeito, principalmente quando as matérias são mais melindrosas. Na verdade, Confúcio tinha razão “O silêncio é um amigo que nunca nos trai”
Mas, quando constato a ignorância de muito boa gente da nossa praça sobre o papel fundamental da Igreja, na procura da melhoria das condições dos trabalhadores por conta de outrem, fico espantado e mesmo chocado com situações em que uma visível orientação anti-religiosa de uma qualquer seita secreta, provoca o esquecimento propositado de factos históricos primordiais.
Por essa razão, convém esclarecer os incautos…
No começo da industrialização europeia, em pleno “laissez faire, laissez passer”, isto é no auge do liberalismo, a doutrina de “avant-garde” que estava na moda, os políticos mais avançados e os intelectuais de então foram completamente ultrapassados pelas circunstâncias. Alguns anos seguidos de terríveis secas, na Europa, empobreceram gravemente a agricultura, atirando os rurais para a necessidade de procurar trabalho nas grandes cidades, centro das recém aparecidas indústrias, na procura de mão de obra.
Londres, para não se ir mais longe, tinha determinado parque habitacional, com um desenvolvimento adaptado à alteração lenta do aumento demográfico. Com a nova invasão de famílias inteiras, vindas dos campos, as casa não chegaram para todos os que as procuravam. As rendas, pela concorrência crescente, subiram vertiginosamente, e tal motivou o aparecimento de múltiplos bairros de lata, onde os habitantes dormiam uns em cima dos outros, ou em casas superlotadas, com pais e filhos e irmãos a utilizarem a mesma enxerga, estalando explosiva e repentinamente a consequente degradação moral e social. Ainda por cima, toda essa gente, com a deslocação do seu terrunho natal, saiu da sombra protectora da igreja, deixou de ouvir o sino orientador da sua paróquia, desenraizou-se de relações de convivência e de costumes ancestrais que lhe traziam o conforto e o necessário equilíbrio.
E os políticos mais progressistas da altura, não sabiam como pegar na situação social que se desdobrava dramaticamente perante os seus olhos. Mas, nada de interferirem nas relações estabelecidas entre patrões e operários. O governo era uma espécie de polícia que apenas actuava no não cumprimento da lei. Quem dirigia esse relacionamento era apenas e só apenas a Lei da Oferta e da Procura. Qualquer interferência nesse princípio, seria visto politicamente como um crime de lesa-majestade. E as nascentes associações de trabalhadores ainda tinham insignificante influência na vida laboral, apesar de virem a agravar progressivamente o mal estar e a agitação social. Mas, esta era uma situação apenas de polícia, assim se pensava. O facto de os trabalhadores não arranjarem local decente para dormir e tanto homens como mulheres e crianças trabalharem horas seguidas sem cessar e não ganharem o suficiente para comer o essencial, tal situação não era tratada por uma nova legislação que abarcasse esta imprevisível situação e nem, muito menos, pelo poder executivo. Essa era a verdade nua e crua. Uma incapacidade total para se ultrapassarem rígidos princípios económicos e políticos, completamente desfasados da realidade.
Até que o Papa Leão XIII não hesitou em proclamar e defender os legítimos interesses dos operários, fazendo tábua rasa do pensamento politicamente correcto da altura e que se traduzia na não interferência dos governos na vida dos cidadãos!!!.
Assim, em 1891, Sua Santidade o Papa deu à estampa a Encíclica “Rerum Novarum”, autêntica pedrada no charco daquilo que entendia a política liberal de então. Proclamando energicamente que os Estados deviam intervir a favor dos mais pobres e, consequentemente, dos mais fracos na relação laboral, apoiando a actuação dos sindicatos na defesa dos trabalhadores assalariados, proclamando uma melhor distribuição da riqueza e acentuando a função social da propriedade privada. Com a política liberal seguida na altura, o mais forte acabava sempre por escravizar o mais fraco, isto é, os que viviam do seu trabalho. No fundo, deu azo ao aparecimento dos novos princípios de Justiça e de Caridade Social, com a redução dos horários de trabalho, com a protecção das mulheres e das crianças trabalhadoras, com o princípio do salário justo, únicas vias de se obter a Ordem Moral e de se satisfazer a Exigência do Bem Comum, estabelecidas pela Doutrina da Igreja.
Com este documento, os políticos foram acordando da letargia em que se encontravam e novas correntes de opinião começaram a despontar em todos os países, revestindo a roupagem de uma democracia cristã ou de uma social democracia, ou até de um socialismo em liberdade, na peugada desta encíclica. E os governos passaram a incluir, nos seus programas, normas que defendiam os direitos dos mais fracos e dos trabalhadores È bom esclarecer que o Papa sofreu duras críticas de políticos de todas as cores que protestavam por se estar a tocar num princípio económico, escolhido politicamente pelas maiorias, e que a encíclica atacava a sacrossanta propriedade privada…
Com esta iniciativa da Igreja, a Europa que não caiu nas mãos do marxismo-leninismo, evoluiu rapidamente, criando sociedades mais justas, como reflexo das orientações da Cúria Romana.
Passados quarenta anos, em 1931, o Papa Pio XI, na Encíclica “Quadragésimo Anno”, veio afirmar os mesmos princípios, referindo que a unidade do Corpo Social não pode basear-se na luta de classes, não se podendo deixar a Livre Concorrência governar o Mundo, sem regras apropriadas. Tal era fonte de graves injustiças sociais, não se cumprindo os preceitos da Santa Madre Igreja.
A Caridade e a Justiça Social devem ser a Alma da Nova Ordem, defendida pela autoridade pública, que não pode tolerar a livre concorrência sem legislação adequada. E mais, acrescentou claramente que a acumulação do poder e dos recursos nas mãos de uns poucos, sejam privados ou públicos, que os manejam no seu exclusivo interesse, provocam, inexoravelmente, a infelicidade da colectividade. Na verdade, duras críticas ao capitalismo desenfreado e ao comunismo.
E para ultimar toda esta intervenção da Igreja, no Mundo Laboral, o Papa que convocou o Concílio Ecuménico Vaticano Segundo, Beato João XXIII, em 15 de Maio de 1961, fez publicar a Encíclica “Mater et Magistra”, que reafirma a doutrina propalada, nesta matéria, desde Leão XIII. E nela é revelada veementemente a preocupação da Igreja com a vida quotidiana da comunidade, com o seu sustento e condições de vida. Preocupa-se claramente com as exigências materiais dos Povos. No fundo o “Milagre da Multiplicação dos Pães e dos Peixes” para saciar a fome da multidão que seguia Jesus Cristo, não é mais do que a revelação do desejo da Igreja em relação ao Bem-Estar de Todos.
À Liberdade do Mercado sem regras, como se tem verificado, sucedeu-se a hegemonia económica, a sede imparável do lucro, a cobiça desenfreada do predomínio. Toda a Economia se tornou opressora, escravizando os poderes públicos aos interesses de grupos e desembocando no imperialismo internacional do dinheiro, tenha ele a cor política que tiver. A Igreja pretende que os governantes, no seu desempenho, cumpram as Regras da Justiça e da Caridade Sócial, pois sempre se preocupou com o equilibrado relacionamento do Homem com o Homem.
Esta a razão porque, como católico, cometeria uma falta grave se não evocasse o historial da Igreja, na resolução dos problemas que afligem a economia das populações, perante a situação aflitiva que actualmente vivemos.
António Moniz Palme - 2013

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