O Provérbio Hindu que me aconselha a falar somente quando as minhas
palavras forem melhores do que o Silêncio, têm sido para mim um lema que
respeito, principalmente quando as matérias são mais melindrosas. Na verdade, Confúcio
tinha razão “O silêncio é um amigo que nunca nos trai”
Mas, quando constato a ignorância de muito boa gente da nossa praça
sobre o papel fundamental da Igreja, na procura da melhoria das condições dos
trabalhadores por conta de outrem, fico espantado e mesmo chocado com situações
em que uma visível orientação anti-religiosa de uma qualquer seita secreta, provoca
o esquecimento propositado de factos históricos primordiais.
Por essa razão, convém esclarecer os incautos…
No começo da industrialização europeia, em pleno “laissez faire, laissez
passer”, isto é no auge do liberalismo, a doutrina de “avant-garde” que estava
na moda, os políticos mais avançados e os intelectuais de então foram
completamente ultrapassados pelas circunstâncias. Alguns anos seguidos de terríveis
secas, na Europa, empobreceram gravemente a agricultura, atirando os rurais para
a necessidade de procurar trabalho nas grandes cidades, centro das recém aparecidas
indústrias, na procura de mão de obra.
Londres, para não se ir mais longe, tinha determinado parque
habitacional, com um desenvolvimento adaptado à alteração lenta do aumento
demográfico. Com a nova invasão de famílias inteiras, vindas dos campos, as
casa não chegaram para todos os que as procuravam. As rendas, pela concorrência
crescente, subiram vertiginosamente, e tal motivou o aparecimento de múltiplos bairros
de lata, onde os habitantes dormiam uns em cima dos outros, ou em casas
superlotadas, com pais e filhos e irmãos a utilizarem a mesma enxerga, estalando
explosiva e repentinamente a consequente degradação moral e social. Ainda por
cima, toda essa gente, com a deslocação do seu terrunho natal, saiu da sombra protectora
da igreja, deixou de ouvir o sino orientador da sua paróquia, desenraizou-se de
relações de convivência e de costumes ancestrais que lhe traziam o conforto e o
necessário equilíbrio.
E os políticos mais progressistas da altura, não sabiam como pegar na
situação social que se desdobrava dramaticamente perante os seus olhos. Mas, nada
de interferirem nas relações estabelecidas entre patrões e operários. O governo
era uma espécie de polícia que apenas actuava no não cumprimento da lei. Quem
dirigia esse relacionamento era apenas e só apenas a Lei da Oferta e da
Procura. Qualquer interferência nesse princípio, seria visto politicamente como
um crime de lesa-majestade. E as nascentes associações de trabalhadores ainda tinham
insignificante influência na vida laboral, apesar de virem a agravar
progressivamente o mal estar e a agitação social. Mas, esta era uma situação
apenas de polícia, assim se pensava. O facto de os trabalhadores não arranjarem
local decente para dormir e tanto homens como mulheres e crianças trabalharem
horas seguidas sem cessar e não ganharem o suficiente para comer o essencial, tal
situação não era tratada por uma nova legislação que abarcasse esta imprevisível
situação e nem, muito menos, pelo poder executivo. Essa era a verdade nua e
crua. Uma incapacidade total para se ultrapassarem rígidos princípios económicos
e políticos, completamente desfasados da realidade.
Até que o Papa Leão XIII não hesitou em proclamar e defender os
legítimos interesses dos operários, fazendo tábua rasa do pensamento
politicamente correcto da altura e que se traduzia na não interferência dos
governos na vida dos cidadãos!!!.
Assim, em 1891, Sua Santidade o Papa deu à estampa a Encíclica “Rerum
Novarum”, autêntica pedrada no charco daquilo que entendia a política liberal de
então. Proclamando energicamente que os Estados deviam intervir a favor dos
mais pobres e, consequentemente, dos mais fracos na relação laboral, apoiando a
actuação dos sindicatos na defesa dos trabalhadores assalariados, proclamando
uma melhor distribuição da riqueza e acentuando a função social da propriedade
privada. Com a política liberal seguida na altura, o mais forte acabava sempre
por escravizar o mais fraco, isto é, os que viviam do seu trabalho. No fundo,
deu azo ao aparecimento dos novos princípios de Justiça e de Caridade Social, com
a redução dos horários de trabalho, com a protecção das mulheres e das crianças
trabalhadoras, com o princípio do salário justo, únicas vias de se obter a
Ordem Moral e de se satisfazer a Exigência do Bem Comum, estabelecidas pela
Doutrina da Igreja.
Com este documento, os políticos foram acordando da letargia em que se
encontravam e novas correntes de opinião começaram a despontar em todos os
países, revestindo a roupagem de uma democracia cristã ou de uma social
democracia, ou até de um socialismo em liberdade, na peugada desta encíclica. E
os governos passaram a incluir, nos seus programas, normas que defendiam os
direitos dos mais fracos e dos trabalhadores È bom esclarecer que o Papa sofreu
duras críticas de políticos de todas as cores que protestavam por se estar a
tocar num princípio económico, escolhido politicamente pelas maiorias, e que a
encíclica atacava a sacrossanta propriedade privada…
Com esta iniciativa da Igreja, a Europa que não caiu nas mãos do
marxismo-leninismo, evoluiu rapidamente, criando sociedades mais justas, como
reflexo das orientações da Cúria Romana.
Passados quarenta anos, em 1931, o Papa Pio XI, na Encíclica
“Quadragésimo Anno”, veio afirmar os mesmos princípios, referindo que a unidade
do Corpo Social não pode basear-se na luta de classes, não se podendo deixar a Livre
Concorrência governar o Mundo, sem regras apropriadas. Tal era fonte de graves injustiças
sociais, não se cumprindo os preceitos da Santa Madre Igreja.
A Caridade e a Justiça Social devem ser a Alma da Nova Ordem, defendida
pela autoridade pública, que não pode tolerar a livre concorrência sem
legislação adequada. E mais, acrescentou claramente que a acumulação do poder e
dos recursos nas mãos de uns poucos, sejam privados ou públicos, que os manejam
no seu exclusivo interesse, provocam, inexoravelmente, a infelicidade da
colectividade. Na verdade, duras críticas ao capitalismo desenfreado e ao
comunismo.
E para ultimar toda esta intervenção da Igreja, no Mundo Laboral, o Papa
que convocou o Concílio Ecuménico Vaticano Segundo, Beato João XXIII, em 15 de
Maio de 1961, fez publicar a Encíclica “Mater et Magistra”, que reafirma a
doutrina propalada, nesta matéria, desde Leão XIII. E nela é revelada veementemente
a preocupação da Igreja com a vida quotidiana da comunidade, com o seu sustento
e condições de vida. Preocupa-se claramente com as exigências materiais dos
Povos. No fundo o “Milagre da Multiplicação dos Pães e dos Peixes” para saciar
a fome da multidão que seguia Jesus Cristo, não é mais do que a revelação do
desejo da Igreja em relação ao Bem-Estar de Todos.
À Liberdade do Mercado sem regras, como se tem verificado, sucedeu-se a
hegemonia económica, a sede imparável do lucro, a cobiça desenfreada do
predomínio. Toda a Economia se tornou opressora, escravizando os poderes
públicos aos interesses de grupos e desembocando no imperialismo internacional
do dinheiro, tenha ele a cor política que tiver. A Igreja pretende que os
governantes, no seu desempenho, cumpram as Regras da Justiça e da Caridade Sócial,
pois sempre se preocupou com o equilibrado relacionamento do Homem com o Homem.
Esta a razão porque, como católico, cometeria uma falta grave se não evocasse
o historial da Igreja, na resolução dos problemas que afligem a economia das
populações, perante a situação aflitiva que actualmente vivemos.
António Moniz Palme - 2013
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