Até no café já ouvi a comparação, pois,
pá, isto está tal e qual como a I República, o caos entre partidos, um
regime desorganizado, dissolvente, sem rumo. Ora, vamos lá com calminha,
vamos lá ver se nos entendemos: a I República tinha um rumo, era o rumo autoritário
dos republicanos de Afonso Costa, o rumo ditatorial do Partido
Democrático, a União Nacional daquele tempo. Por outras palavras, não
existe qualquer semelhança entre o regime chavista de Afonso Costa e a
nossa III República. Com todos os seus defeitos, a nossa democracia
pós-82 está dentro dos padrões europeus. Aquilo que ficou conhecido pelo
eufemismo de "I República" era um regime autocrático fora dos
padrões das democracias europeias da época.
Ao contrário do que reza a lenda
republicana e soarista, a I República não deu o sufrágio universal aos
portugueses. Aliás, a Monarquia foi mais democrática do que
a República. Nos primeiros anos, Afonso Costa manteve o sufrágio censitário
herdado da Monarquia (o normal na época), mas em 1913 cortou para metade
o número de eleitores. Além disso, convém registar que as eleições da I
República não eram muito diferentes das eleições no Estado Novo. Para
assegurar o resultado certo, o Partido Democrático colocava capangas
junto das urnas. E na
questão da liberdade de imprensa? A nossa Monarquia foi
um dos regimes mais livres de toda a Europa. Durante décadas, os
republicanos tiveram liberdade total para fazerem comícios e publicarem
pasquins anti-Monarquia. Ao invés, o Partido Democrático atacou
violentamente a liberdade de imprensa. De forma rotineira, os capangas da
"formiga branca" vandalizavam as sedes dos jornais inimigos do
partido.
A I República foi um regime de partido
único. Não foi um regime inclusivo, não foi o chão comum constitucional e
democrático para todas as facções. Pelo contrário, foi o veículo que uma
facção usou para humilhar as outras facções. Se querem comparar, comparem
a I República com o Estado Novo e a nossa III República com a Monarquia
Constitucional. Sim, o regime mais parecido com a nossa democracia
é a Monarquia Constitucional. Não por acaso, os poderes do Presidente são
parecidos com os poderes do Rei. Tal como o monarca, o Presidente é o
árbitro do regime. Tal como o Rei de outrora, o Presidente de hoje tem
poderes vastos mas imprecisos, poderes demasiado dependentes do perfil
pessoal do detentor do cargo. Na minha modesta opinião, esta imprecisão foi
uma das causas da queda do constitucionalismo monárquico em 1910.
Como será agora?
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