Nasci no dia 5 de Outubro numa família
republicana. A causa monárquica sempre me pareceu uma coisa tão deslocada no
tempo que nunca questionei a natureza republicana do regime. Até hoje. Com
efeito, ocorreram dois acontecimentos este ano que me fizeram mudar
radicalmente de ideias: um externo (a sucessão de D. Juan Carlos); e outro
interno (a reforma do mapa judiciário).
Com a sucessão de D.
Juan Carlos, percebi uma coisa que, nesse momento, se tornou óbvia para mim,
tendo em conta o fervilhar dos nacionalismos: que apenas o Rei era capaz de
garantir a unidade do Estado espanhol. Por sua vez, com a reforma do mapa
judiciário, percebi que, à medida que os votos se vão amontando na reduzida
faixa litoral Lisboa - Porto, a República vai-se confinando paulatinamente a
esse território. Ou seja, enquanto a monarquia tem o condão de esticar o
território, a República encolhe-o.
O Rei, ao contrário do
Presidente da República, é uma instituição que, por via da sucessão
hereditária, transporta consigo todo o património histórico e cultural do
reino. E, nessa medida, resiste muito melhor às pulsões das modas e do tempo
presente, sempre efémero e circunstancial, do que um Presidente da República
que, para ser eleito, tem de ser da cor da moda e andar a reboque das maiorias.
Por alguma razão, o Rei é de Portugal e o Presidente é da República.
Nas monarquias
parlamentares, até o povo tem mais facilidade em distinguir o essencial do
circunstancial. O essencial, que tem a ver com a independência nacional, a
soberania e a unidade do estado, tem por referência a figura do Rei; o
circunstancial, que tem a ver com a governação do país em cada momento, depende
inteiramente do Parlamento eleito.
Neste momento, por via
da concentração dos votos na região de Lisboa, a República deixou de ser
portuguesa e passou a ser lisboeta. E a elite política que nos governa e que se
vai amontoando em Lisboa é incapaz de abrir mão do que quer que seja com vista
a equilibrar e repovoar o território. O mais que se lhes consegue arrancar é
meia-dúzia de frases feitas, que reproduzem sempre nos discursos de
circunstância, e uns putativos incentivos à fixação de algumas empresas no
interior, incentivos esses a que se candidatam apenas as empresas que, por
natureza, não podem ficar no litoral.
Ora, como todos
sabemos, num país com a nossa configuração, em que a costa litoral é o que tem
maior valor económico e o mais apelativo do ponto de vista empresarial, o
interior só pode ser repovoado através da deslocação de serviços de Lisboa para
o interior, designadamente, da universidade pública, dos quartéis da tropa, de
grandes hospitais, de Tribunais, de Direcções Gerais, de Ministérios, etc..
Tanto mais que Lisboa é uma zona sísmica pelo que não é prudente que tudo isto
aí se amontoe.
No entanto, o processo
é precisamente o inverso. Ao mesmo tempo que fala em investir no interior, o
Governo vai varrendo, literalmente, as pessoas do interior para o litoral com o
encerramento de escolas, tribunais, centros de saúde, etc.
Veja-se o absurdo
deste exemplo. Há escolas novas em folha em aldeias que vão fechar porque só
têm 21 alunos e vão-se construir ou ampliar as escolas das cidades para
albergar esses novos alunos. Ora, por que razão em vez de se construírem novas
escolas na cidade para receber os alunos das aldeias, não são deslocados alunos
da cidade para a escola da aldeia, aproveitando-se as instalações aí
existentes? A distância entre a aldeia e a cidade não é a mesma para os alunos
da aldeia e para os alunos da cidade?
Antes que seja
demasiado tarde, Alentejo, Beira Interior e Trás-os-Montes deviam unir-se e
formar um grande movimento com vista a resistir ao poder político de Lisboa,
sob pena de, muito em breve, quer por força das políticas dos governos, quer
por força da quebra de natalidade que vai ter especial impacto neste regiões,
verem morrer, nos próximos anos, as suas aldeias, vilas e cidades. É a HORA!
Santana-Maia Leonardo, Abrantes
em
Cartas à directora 17/8
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