Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

sábado, 19 de setembro de 1992

NAS COSTAS DO POVO; Artigo de Opinião de Manuel Beninger

Jornal "Semanário Minho"

NAS COSTAS DO POVO
Depois do "não" Dinamarquês, o espectáculo está montado e virado para a França, onde os elementos do "não" a Maastricht ameaçam inverter, de certa maneira, o jogo a seu favor.

Na actualidade política portuguesa, a questão mais importante e mais preocupante de momento para a nação deveria ser aquela que se relaciona com o processo de integração de Portugal na CE e em particular, a do Tratado de Maastricht - cuja rectificação os grandes partidos institucionais portugueses se preparam para levar a cabo no parlamento sem prévia audição do povo.

Será que os portugueses não têm o direito de ser informados para, com conhecimento de causa, poderem reflectir e medir as consequências - quer "positivas", quer "negativas" - que um tratado destes lhes pode trazer?!

Na verdade, antes da assinatura do Tratado, em Dezembro de 1991, e nos meses que se seguiram desde então, o Povo português não foi clara e inequivocamente informado do conteúdo exacto nem das consequências de tão importante compromisso internacional e que. portanto, tal informação deve ser prestada e debatida sem quaisquer limitações.

Aliás, todo o processo de adesão à CEE enferna, desde o início, de um défice de genuína legitimidade democrática e de falta de clareza, tendo sido até agora conduzido numa lógica de sucessivos factos consumados que têm vindo a traduzir-se em crescente alienação da nossa soberania nacional, gradualmente transferida para uma Comissão Europeia que ninguém elegeu ou mandatou - isto em troca de uma política subserviente de obtenção de "pacotes" de subsídios a fundo perdido e de um determinado contingente de empregos de eurocratas que os grandes partidos institucionais vão administrando entre si.

Por esta razão, embora propondo a ratificação pelo referendo, não podemos concordar com o CDS quando este propõe que a decisão de ratificar ou não o Tratado de Maastricht seja tomada em função da garantia absoluta de Portugal receber as verbas do Fundo de Coesão Económico e Social da CE.

Este aspecto da posição política do CDS perverte os princípios que deveriam estar na base da condução deste referendo, uma vez que estão em causa questões da soberania nacional que, de forma alguma, e muito menos num referendo, poderão ser entendidas como negociáveis por troca com "fundos de coesão" ou qualquer outros valores ou benesses de natureza material.

Portugal está em presença da sua "mais importante decisão política desde 1640", nas palavras do constitucionalista Dr.º Jorge Miranda.

É pois, com incredulidade e espanto que se assiste ao desfile de opiniões contrárias a que tal decisão seja referendada.

Particularmente graves são as declarações do Sr Primeiro Ministro e de alguns membros do Governo e do Senhor Presidente da República contra o referendo, alegando que está estabelecido em Portugal um forte consenso quanto ao tratado de Maastricht.

Pergunto como pode estar estabelecido tal consenso entre os portugueses se estes desconhecem por completo o conteúdo e as consequências do Tratado, que o Governo nunca lhes facultou.

É realmente de espantar que haja em Portugal tal consenso quando se sabe que em França, por exemplo, a corrente anti-Maastricht atravessa todo o espectro partidário.

E mesmo aqui em Portugal foram já tornadas públicas posições de eminentes figuras do PSD e do PS e de alguns constitucionalistas manifestando-se individualmente pela generalização do debate deste assunto e pela realização do referendo.

Por um lado, se o Governo e a Presidência da República estão convencidos de que há um tão largo consenso, deveriam aproveitá-lo para, através do referendo, legitimar transparente e democraticamente a ratificação do Tratado, e não virem com tanta aparente inocência declarar o referendo supérfluo.

No actual panorama de quase completa ausência de informação oficial sobre o conteúdo exacto e as consequências efectivas do Tratado de Maastricht, vê-se com alguma inquietação circulares informações dispersas referindo que algumas das cláusulas do Tratado - já subscrito pelo Governo - são contrárias à Constituição Portuguesa.

É também com inquietação que se sabe que a constitucionalidade do Tratado do Maastricht é analisada na Assembleia da República "à porta fechada" e que é desse modo que se prepara uma apressada revisão da Constituição para sanar as suas desconformidades com as "exigências de Maastricht".

Ainda com maior inquietação verifica-se que, para além da iniciativa louvável do CDS, não se manifesta no nosso sistema partidário qualquer forma consistente de acção política perante um acto tão indiscutivelmente importante e decisivo para o futuro da Nação portuguesa.

É lamentável que, num momento tão crucial para o nosso Portugal velho de 800 anos, os grandes partidos institucionais - talvez deliberadamente e porventura para atirar poeira aos olhos do Povo - se embrenhem em mesquinhas questões e sórdidas gritarias acerca de défice democrático na Madeira, na RTP, na Secretaria de Estado da Cultura, sobre a "polémica" pala do estádio José de Alvalade, etc, não cuidando de resolver o défice democrático do modo como encaminham os destinos da Nação.

Assim, seria de interesse para Portugal, que o texto do Tratado de Maastricht fosse dado a conhecer amplamente aos portugueses, e que fosse fomentada pelo Estado, por todos os meios, a análise pública e exaustiva, durante o prazo de maio ano pelo menos. Findo este prazo, a ratificação do Tratado seria submetida a referendo.

A pergunta ou perguntas a formular no referendo deveriam ser completamente isentas de condicionantes explícitas ou implícitas.

Manuel Beninger