Jornal “Diário do Minho” de 3 de Maio, pág. 20
Trabalho é Vitória!
A partir da Revolução Industrial, a união do carvão e das máquinas para a produção a vapor marcou o início da era económica moderna e sinalizou a primeira etapa de uma longa jornada em que o trabalho humano foi substituído pela força mecânica.
Com o surgimento do petróleo para competir com o carvão, da electricidade para os motores, da iluminação e da comunicação imediata entre as pessoas, surge a segunda etapa, onde se acentua cada vez mais a transferência da actividade económica do homem para a máquina.
Com os avanços tecnológicos surgem as máquinas inteligentes, marcando com isso, a terceira e última etapa da economia moderna, em que, os instrumentos cada vez mais sofisticados substituem o ser humano em incontáveis tarefas. Entramos, assim, na era da informação onde impera o homem-computador, onde se mistura o real com o virtual, a simulação com a experiencia, havendo, também, uma transformação dos métodos e da relação do homem com o trabalho: as organizações visam cada vez mais lucro e o mercado é globalizante e extremamente competitivo; produz-se mais, com menos pessoas, e menos recursos, onde a tecnologia computadorizada acelera cada vez mais o fluxo de trabalho; os valores humanos são colocados na maioria das vezes atrás dos económicos; o trabalho é mais intenso, exige mais tempo e é mais complexo; o ritmo alucinante com que se trabalha deteriora o relacionamento com colegas, elimina a solidariedade e o verdadeiro trabalho em equipa, destruindo também a criatividade; os trabalhadores têm um menor controlo do seu trabalho, assumindo muitas das vezes o papel de observadores passivos ou tendo que alternar a atenção entre várias tarefas; há redução de autonomia para estabelecer prioridades e tomar decisões; existe falta de recompensa pelo trabalho executado, as pessoas não são respeitadas e o seu valor não é reconhecido; a remuneração é insuficiente perante as necessidades; há conflito de valores e desequilíbrio entre as exigências do trabalho e os princípios pessoais, entre os objectivos organizacionais e os verdadeiros objectivos do trabalho, aumentando com tudo isto o desgaste físico e emocional com níveis de stress cada vez mais elevados.
Mas, apesar de toda esta realidade, houve momentos, ainda recentes, em que se acreditava que estávamos na antecâmara de um tempo de qualidade diferente em que, definitivamente, o trabalho, tal como sempre o tínhamos conhecido, dava o seu “canto de cisne”. A emergência das máquinas, a computorização generalizada, as promessas da robótica, permitiam antever um futuro sem necessidade de despender esforço físico e intelectual como tinha acontecido até aí. Nesses momentos, falava-se muito da cultura do lazer, imaginava-se que se estava perto de um dos cenários narrados na ficção científica em que o fazer “nada”, o fazer artístico e requintado, era o advento de uma humanidade cada vez mais culta e diferenciada, em que o trabalho computorizado parecia que surgia da realização de um sonho antiquíssimo da humanidade que consistia numa vida sem trabalho árduo, em condições limpas e anticépticas.
Esta crença, tal como veio, foi, hoje o trabalho, a ideia de trabalho e o valor do trabalho, parecem que nunca foram tão importantes. Para uns, como fonte de rendimento e forma de assegurar os preciosos quotidianos. Para outros, como espaço de afirmação pessoal, desafio, poder e conquista. Mesmo que se vá dizendo, em tom de brincadeira, que só trabalha quem não sabe fazer mais nada, o facto é que não ter profissão ou uma actividade em torno da qual a vida gire, é visto pelos outros como uma espécie de desclassificação social, em que o desempregado, o reformado, aquele que vive dos rendimentos ou se assume como doméstico a tempo inteiro porque pode, gera uma espécie de mal-estar generalizado e contagiante que desce sobre quem não tem um trabalho para mostrar.
Essa coisa de não ter rotinas para cumprir, de não ter episódios pitorescos do local de trabalho para contar, de não ter competidores e adversários, de não ter pretexto para chegar a casa a altas horas por causa do trabalho, acaba por ser também um desfasamento indesculpável em relação a todos aos outros e ao mundo.
Fontes: Rifkin (1995), Moraes (1997); Reinhold (2004)
Sílvia Oliveira
Deputada Municipal pelo PPM