Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

sábado, 15 de outubro de 2011

Um regime falhado, por António Brochado Pedras

Jornal “Diário do Minho” de 14 de Outubro, pág. 21


UM REGIME FALHADO


Quando acabam de se completar 101 anos sobre a instauração da república em Portugal, parece-me salutar convidar os meus prezados leitores a acompanharem-me num exercício reflexivo de extrema simplicidade: avaliar se a forma institucional e simbólica de governo revolucionariamente implantada em 1910 se pode considerar hoje realizada e em que medida, face às leis, à ética e aos princípios que, segundo a doutrina republicana, devem reger o funcionamento de um Estado de direito democrático.

Ora, com o respeito que a todos é devido, inclusive àqueles que, diferentemente de mim, preferem a república à monarquia constitucional, não tenho dúvidas em afirmar que estamos ainda muitíssimo longe de cumprir os requisitos que a Constituição da República impõe aos governantes e aos titulares de cargos públicos no exercício do poder.

Aliás, ponderando as mais importantes consequências do 5 de Outubro, vou mais longe na minha opinião: a Nação não lucrou nada com a alteração do regime. Antes pelo contrário, viu agravarem-se consideravelmente as condições de vida dos seus cidadãos, a desordem nas ruas, o défice, a dívida pública, a situação económica, as discriminações de pessoas no acesso e provimento de cargos públicos e a intolerância religiosa. Os processos eleitorais tornaram-se menos democráticos e livres, pela diminuição do corpo eleitoral (do qual foram excluídas as mulheres e os indigentes) e pela violência de grupos revolucionários armados que, impunemente, intimidavam os eleitores.

Em suma, face ao anterior regime monárquico, os cidadãos perderam direitos, liberdades e garantias que constitucionalmente lhes eram assegurados e de que, na prática, pelo menos em boa parte, vinham gozando.

Foi justamente esse estado caótico e frágil do país subsequente ao 5 de Outubro que conduziu ao golpe revolucionário de 28 de Maio de 1926, movimento este que, depois, haveria de conduzir ao regime ditatorial do Estado Novo, sob o qual vivemos durante cerca de quarenta anos.

Entretanto, a revolução de Abril abriu, de novo, a esperança da lusa gente numa democracia séria, com mais liberdades, mais desenvolvimento, mais riqueza, mais justiça e menores desigualdades sociais, menor corrupção e uma rés publica com instituições fortes, independentes e credíveis. Mas tais esperanças não passaram de sonhos que bem depressa se desvaneceram!

Passado o período revolucionário inicial (vulgo PREC) e decorridos que vão mais de trinta e seis anos sobre o novo regime, é tempo de extrair conclusões do que tem sido a nossa vida política.

E a primeira delas é a de que o Senhor Presidente da República (PR) não passa de uma figura decorativa, sem poder político efectivo, sem independência, sem autoridade, sem o prestígio e sem a representatividade que devem ser apanágio de um verdadeiro Chefe de Estado, que ao invés de ser factor permanente de união, tem sido, as mais das vezes, motivo de divisão e de preocupação dos portugueses!

Com excepção do poder de dissolver a Assembleia da República, as suas restantes competências e meios de intervenção política têm-se revelado perfeitamente inócuos. E, a partir da última revisão constitucional, com a conivência dos maiores partidos políticos nacionais, viu-se até privado do poder de dissolver os órgãos de governo regional e suspender temporariamente a autonomia regional!

Para se aquilatar da gravidade desta alteração da Constituição, basta tomar o exemplo da Madeira: quebrando sistematicamente as mais elementares regras de disciplina orçamental, desrespeitando continuadamente as decisões e reparos do Tribunal de Contas, omitindo, consciente e dolosamente, o montante da dívida pública, injuriando, difamando e desrespeitando, vezes sem conta, os titulares dos órgãos de soberania nacional, ameaçando constantemente a autoridade do Estado, o Presidente do Governo Regional, no poder há 33 anos…, permite-se fazer todos esses e outros desmandos contra a república, sem que o PR e o Governo nada façam! E isso mesmo antes da aludida mudança constitucional!...

Ora, quem deixa que tudo isso aconteça impunemente não pode merecer a confiança dos cidadãos nem tem autoridade para negociar com o Governo regional o pagamento da dívida e pôr em ordem as finanças da região.

E, quanto ao Governo da nação, o panorama não é melhor. Com um primeiro-ministro actuando como um verdadeiro chanceler da república e com uma produção legislativa superior à da AR, onde, com base geralmente maioritária, vem abafando a oposição, os resultados têm sido catastróficos: constante aumento da dívida pública que se situa hoje a um nível que só tem paralelo no de há mais de oito décadas; derrapagem do défice orçamental para mais do dobro ou do triplo dos valores percentuais permitidos pelas normas comunitárias; aumento das assimetrias regionais e sociais; disparo do desemprego para números nunca antes vistos; aumento da corrupção a todos os níveis do Estado e da Administração Pública; agricultura e pescas arruinadas e reduzidas a produções ridículas e cada vez mais longe do objectivo estratégico de satisfazer as necessidades do país; florestas mal geridas e à mercê de fogos criminosos; insuficiente industrialização; turismo deficientemente explorado; educação pouco exigente, mal organizada, mal planeada, indisciplinada e falhada, etc, etc, etc…

E a somar a todo este rosário de malfeitorias, um poder judicial e uma justiça absolutamente desacreditados por prescrições de crimes, por deficientes investigações, pela excessiva morosidade de tantos e tantos processos, por promíscuos provimentos de magistrados em lugares políticos ou de confiança política e por estranhas e incompreensíveis situações que fazem pensar que a justiça não é igual para todos, que há uma para os ricos e outra para os pobres!

Dado que não me quero alargar em mais considerações, penso que o cotejo da actual situação com a que precedeu o 5 de Outubro, guardadas as devidas distâncias e circunstâncias temporais, permite concluir, tal como acima referi, que Portugal nada ganhou com a troca da monarquia constitucional pelo regime republicano.

Cuidando que, ao retirar a instituição real da chefia da república (no sentido de rés publica) resolveriam os problemas que então afligiam a nação – e também eram muitos e graves –, o que os revolucionários conseguiram foi exactamente o oposto do que defendiam: menos democracia, menos liberdades públicas, menor representação eleitoral, menor segurança pública, desprestígio internacional, governos fracos e alguns deles em ditadura!

Seja qual for o pensamento dos meus estimados leitores quanto à melhor opção a tomar quanto à forma ou tipo de chefia de Estado, uma coisa é certa: é preciso alterar urgentemente o regime de governação da coisa pública. O vigente falhou. E falhou redondamente.

Precisamos de uma república virtuosa, governada por homens de bem, dispostos a servir a Nação – e não a servirem-se dela –, que saibam dar o exemplo de sacrifício e de solidariedade nestes momentos difíceis que atravessamos. Com igualdade de tratamento perante a lei e com respeito pela dignidade humana e pela vida.

Em suma, uma república ao serviço de Portugal e dos portugueses, que represente a vontade geral da Nação, no respeito das minorias e dos direitos e garantias de todos os cidadãos. Chefiada por um Rei ou por um Presidente, a opção só ao povo compete. Mas uma república, não um seu simulacro. Para esse efeito, devolva-se-lhe a palavra. Depois de 101 anos sem lhe dar essa oportunidade, está na hora de o ouvir. Antes que seja tarde.

António Brochado Pedras

Provedor da Santa Casa de Misericórdia de Barcelos

Presidente do Secretariado Regional de Braga da União das Misericórdias Portuguesas

Ex deputado na Assembleia da República pelo CDS-PP