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Manuel Beninger

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Quando um homem cria paraísos devemos chamar-lhe "jardineiro de Deus"

Gulbenkian e Centro Nacional de Cultura celebraram o paisagista Gonçalo Ribeiro Telles. Colegas do ensino e da política, alunos e amigos quiseram honrar o mestre e, sobretudo, o homem.

Gonçalo Ribeiro Telles falou no fim, como compete ao homenageado. Com o auditório 2 da Gulbenkian cheio, com muitas pessoas de pé, o arquitecto paisagista a quem muitos chamam "mestre" admitiu o desconforto: "Nunca estive tão envergonhado para falar." Deram-lhe a palavra depois de um dia de testemunhos de alunos, discípulos, amigos e companheiros de vida política, uns monárquicos, como ele, outros não.

"Conhecemo-nos no combate à ditadura e é curioso que, sendo ele um monárquico e eu um republicano dos sete costados, a nossa empatia tenha sido imediata", lembrou Mário Soares já na recta final do encontro Gonçalo Ribeiro Telles - Um Homem de Serviço, que a Gulbenkian e o Centro Nacional de Cultura (CNC) organizaram ontem em Lisboa.

Pensador e político com um sentido cívico inultrapassável, defensor da liberdade e do direito à originalidade de ideias, disseram muitos dos oradores, Ribeiro Telles é, sobretudo, "uma pessoa extraordinária", sublinhou Soares: "Quando se fala do Gonçalo, há o problema dos afectos. Admiramo-lo pela sua verticalidade, pela sua obra, pela sua coragem, mas, mais do que isso, temos-lhe um afecto enorme pela pessoa que ele é".

Aos 89 anos, o político que foi membro da Aliança Democrática (AD), governante e deputado, fundador do Partido Popular Monárquico (PPM) e do Movimento Partido da Terra, ou o arquitecto paisagista a quem devemos as reservas agrícola e ecológica nacionais, os jardins da Gulbenkian (com António Viana Barreto) e o Amália Rodrigues, sente que tem ainda uma palavra a dizer. "Quero ser útil ao momento presente", dissera ao PÚBLICO antes da intervenção final.

E ser útil hoje é falar do despovoamento do mundo rural, da morte lenta das cidades, da "paisagem que é ainda um problema", porque os políticos, desinformados, continuam a dizer que querem defender os ecossistemas e a achar, ao mesmo tempo, que um eucaliptal é uma floresta: "Eles não sabem que nos eucaliptais não cantam os passarinhos e na floresta sim." O que é que lhes falta para saber olhar para o território? "Andar a pé, conhecer o país inteiro, as pessoas", responde este homem para quem "é mais fácil deixar marcas na paisagem do que nas pessoas".

Saber falar com as pessoas é uma das qualidades deste paisagista afável e atento, garantiu o comentador político Luís Coimbra. E, para o provar, contou uma história dos tempos da AD. Andavam na estrada em campanha eleitoral quando Ribeiro Telles desapareceu. Como todos estavam já à espera para entrar nos carros, Coimbra decidiu ir procurá-lo.


Mais bosques e mais hortas

"Chovia muito e eu fui dar com ele à porta de uma vacaria, a explicar aos agricultores que era melhor deixar os animais à solta no pasto do que alimentá-los com rações", lembrou Coimbra, com quem o arquitecto paisagista se cruzou pela primeira vez em meados dos anos 60. Para ele, Ribeiro Telles é um "político falhado" a quem reconhece "convicções firmes" e uma liberdade de pensamento inegociável. Porquê um político falhado? Coimbra esclarece: porque, apesar de ter razão, "as suas ideias para um desenvolvimento sustentado de Portugal ficaram para trás", por falta de inteligência de governos e governantes.

É precisamente a inteligência que falta a muitos que António Barreto, Guilherme d"Oliveira Martins e Eduardo Lourenço elogiaram neste homem de família, professor e cidadão que tem formado gerações através do exemplo e defendendo sempre "o ambiente como uma causa total", disse Augusto Ferreira do Amaral, dirigente do PPM.

Avesso aos jogos partidários, o paisagista tem sido essencialmente, segundo Freitas do Amaral, "um homem bom", que encarou a política como acto de cidadania e "a ecologia como a causa de uma democracia reformista". Se Portugal cumprisse a "excelente legislação" que Ribeiro Telles ajudou a fazer, defendeu o professor de Direito, "sem violações e sem excepções superiores à regra, seria incomparavelmente melhor".

Teria, certamente, mais "lugares de paz e sossego, mais bosques e hortas", garantiu o sociólogo António Barreto, que foi seu colega de Governo, numa comunicação intensa, em que não se cansou de falar da independência de Ribeiro Telles e da sua paixão pela cidade. "Homem generoso e doce, mas firme", disse-o várias vezes Barreto, vê em cada espaço verde desperdiçado e em cada ribeira destruída uma derrota.

Voz activa na sociedade portuguesa há mais de 50 anos, Ribeiro Telles foi muitas vezes ignorado, acrescentou o sociólogo, mas o tempo deu-lhe razão. E teve um raro privilégio, concluiu Barreto: "Realizou um dos grandes sonhos dos homens cultos - fez jardins."
Jardins que são tentativas de paraíso, lembrou Eduardo Lourenço, defendendo que o paisagista é um "poeta da relação com a Terra", um "utopista novo": "Gonçalo Ribeiro Telles é uma mistura do ecologista-mor que foi Francisco de Assis com o botanista maravilhoso e romancista fantástico que foi Jean-Jacques Rousseau."

Para que não restassem dúvidas, o ensaísta fez questão de explorar este paraíso que o arquitecto foi trabalhando e falou da paisagem como se ela fosse a cara humana que a natureza nos reenvia. "Sempre tentámos criar com as nossas próprias mãos o paraíso", insistiu o ensaísta. Ribeiro Telles tentou tanto e tão bem que merece um título especial - Lourenço chamou-lhe "o jardineiro de Deus".

Por Lucinda Canelas in Público