Paula Carqueja, mulher de armas e de causas, uma verdadeira Maria da Fonte, candidata pelo PPM nas eleições legislativas passadas pelo círculo eleitoral de Vila Real, foi entrevistada pela educare neste seu novo projecto como presidente da Associação Nacional de Professores.
Aconselho a leitura atenta da entrevista.
Força ! Continua.
Bem hajas Paula
MB
Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores, espera que o Ministério dedique atenção à calendarização do pré-escolar e que a revisão curricular seja uma reforma "sensata".
Paula Carqueja é a primeira mulher a liderar a Associação Nacional de Professores (ANP). Assumiu o cargo em janeiro e mantém o empenho da ANP na autorregulação da profissão docente. Professora-bibliotecária na EB2,3 Adriano Correia de Oliveira, em Avintes, formadora em Tecnologias da Informação e Comunicação, e vogal da ANP de 2007 até assumir a direção, é mestre em Educação Multimédia , pós-graduada em Especialização Interdisciplinar em Direito das Crianças e doutoranda em Educação.
Na sua opinião, ainda há muito trabalho a fazer nas escolas. Acredita que a reforma curricular será uma reestruturação sensata que não conduzirá ao despedimento de professores, mas admite que a contratação de docentes caminha para uma significativa redução. Depois da revisão curricular, a presidente da ANP pede atenção do Ministério da Educação para os primeiros níveis de ensino.
A avaliação da classe deu que falar. A presidente da ANP afirma, a propósito, que faz sentido dar notas aos professores quando essa avaliação tem como objetivo "reforçar a qualidade, o rigor e a exigência". Mas avisa que não é esse o percurso para alcançar os resultados esperados. E os docentes continuam a ter um dedo apontado. "Os sucessivos governos foram imputando publicamente deveres à escola esquecendo-se de lembrar dos deveres paternais. De repente, temos uma sociedade desrespeitadora do profissional de educação, uma sociedade em que se vitimiza e culpa os docentes praticamente de tudo", refere.
EDUCARE.PT: Os sindicatos do setor educativo temem que a revisão curricular signifique despedimento de professores. Preocupada com essa situação?
Paula Carqueja: A Associação Nacional de Professores (ANP) analisou, participou, contribuiu e manifestou a sua opinião na Assembleia da República sobre a proposta-base da revisão curricular, mas que nós entendemos denominar de redesenho curricular. Quanto a temer despedimento de professores, penso que não devemos estar tão apreensivos, pois o senhor ministro e toda a equipa têm sido perentórios nas suas afirmações ao declararem que não haverá despedimentos. Aguardamos com serenidade o assumir dos seus compromissos.
E: As propostas desta reforma curricular parecem-lhe sensatas?
PC: A educação deve ser uma aposta decisiva para todo e qualquer governo. Este governo decidiu, e bem, preparar uma reforma curricular, alterando a carga horária das disciplinas consideradas estruturantes, centrando a aprendizagem. É evidente que seria muito mais interessante poder não hipervalorizar estas disciplinas, mas dar a todas a mesma importância. Infelizmente sabemos, através do PISA e dos resultados das provas de aferição, que ainda há muito, mas muito trabalho a fazer nas escolas, nomeadamente com um melhor desempenho dos nossos alunos. A reforma, com ajustes pontuais, será uma reforma sensata. Aliás, só o poderá ser! Foi apresentada às sociedades científicas, associações profissionais e Conselho de Escolas e foi alvo de intenso debate na comunidade.
E: O que manteria e o que mudaria?
PC: Nesta reforma, manteria a área curricular não disciplinar de Formação Cívica (com esta ou outra designação), lecionada pelo diretor de turma, e com o objetivo claro de tratar de relações humanas e sociais. Ou seja, uma área ligada à cidadania.
Incluía a disciplina TIC no 2.º e 3.º ciclos, com docentes do grupo 550 (Informática). Haveria uma continuidade no desenvolvimento de competências e literacia digital nos alunos. Fomentar-se-ia a utilização das TIC nos processos de ensino e aprendizagem e na utilização dos conhecimentos no quotidiano, tendo em conta a exigência diária do domínio das tecnologias, com a necessidade de fazermos parte da sociedade do conhecimento digital, e dos pressupostos existentes no Tratado de Lisboa.
Na disciplina de Educação Física, atendendo à importância desta área curricular na formação global do aluno, todas as aulas deveriam ser de 90 minutos (totalizando dois blocos de 90 minutos no ensino básico e secundário).
Por último, suprimia o Apoio ao Estudo em todos os níveis de ensino, autonomizando os docentes para avaliarem da necessidade de apoiar os alunos individualmente, em pequenos grupos de acordo com os seus resultados, metas e objetivos previamente definidos.
E: A avaliação da classe docente sempre foi um tema polémico. Satisfeita com o atual modelo?
PC: A avaliação da classe docente só foi um tema polémico quando com essa avaliação se procurou impor consequências (não progressão na carreira) que não decorriam diretamente do resultado da avaliação, nomeadamente a questão das quotas. Tendo em conta que a avaliação docente veio para ficar, sem dúvida que o atual modelo não é ainda o perfeito, mas realmente é melhor do que o modelo anterior. Deixou de ser tão burocrático e avassalador da atividade dos docentes nas escolas e veio trazer a pacificação tão necessária!
E: Dar notas a professores é um método que se justifica?
PC: Justifica-se quando a avaliação tem como objetivo reforçar a qualidade, o rigor e a exigência. De qualquer modo, refira-se, que não é por este caminho que se obtêm os resultados esperados. Antes, deveria haver uma aposta no envolvimento e apoio aos professores para que estes pudessem superar os problemas que sentem, na maior parte das vezes derivados dos contextos sociais, económicos e culturais em que se encontram inseridos.
E: O Estatuto da Carreira Docente está bem desenhado? O que poderia ser diferente?
E: O Estatuto da Carreira Docente está bem desenhado? O que poderia ser diferente?
PC: O Estatuto da Carreira Docente é um instrumento necessário, decisivo e orientador. No entanto, o ECD deveria antes ser um quadro de referências e o normativo das condições de trabalho dos docentes. Para além do ECD, deveria existir um código deontológico, um código de ética profissional, assumido pelos professores, através de uma entidade de autorregulação, que definisse a dimensão ética da profissão.
E: Os professores contratados terão a vida cada vez mais complicada?
PC: Não querendo ser pessimista, penso que ser professor contratado nesta fase é muito complicado: menos alunos, aumento de alunos por turma, menos horários. Logo, tudo caminha para uma diminuição significativa de contratação de mais docentes.
E: Um concurso extraordinário poderia dar-lhes algum fôlego?
PC: Parece que não. Não havendo vagas, isto é, horários disponíveis, o concurso por si só não resolveria nada. No entanto, a existência de um novo concurso, quando se está a estabilizar a rede escolar, depois das profundas alterações que ocorreram nos últimos anos, seria uma boa ocasião para reordenar as preferências de muitos dos docentes e moralizar algumas das colocações que entretanto foram realizadas.
Aliás, conforme defendemos em tempo, primeiro deveria ter sido realizada a reestruturação da rede e só depois se devia efetuar o concurso. Porém iniciou-se o processo ao contrário, primeiro os concursos e depois a alteração da rede, dando as confusões que se conhecem.
E: Os professores estão, de facto, a perder autoridade? O que se passa?
PC: Considero que há uma falta de valores generalizada na nossa sociedade. Responsabilizou-se demasiado a escola ao mesmo tempo que se desresponsabilizava os pais. Os sucessivos governos foram imputando publicamente deveres à escola esquecendo-se de lembrar dos deveres paternais. De repente, temos uma sociedade desrespeitadora do profissional de educação, uma sociedade em que se vitimiza e culpa os docentes praticamente de tudo.
Os alunos são mal-educados, a culpa é do professor!... Os alunos têm maus resultados, o professor não ensina!... Neste momento, os nossos alunos passam demasiado tempo na escola, demasiado tempo sozinhos, vivem em famílias muitas delas desestruturadas, muitas das vezes são "endeusados" e, claro, é mais fácil responsabilizar o professor, "agredi-lo", do que assumirem em conjunto que escola e família devem estar num movimento único de assunção no processo educativo e formativo do aluno. Neste processo é fundamental que cada um e, sobretudo, que a sociedade entenda o papel do professor e o papel do aluno: um tem a missão de ensinar e o outro a tarefa de aprender.
E: Há docentes agredidos nas escolas... A ANP tem recebido queixas?
PC: De facto são situações que, infelizmente, se mantêm regularmente e com uma "normalidade" preocupante. A ANP tem recebido muitas queixas e tem tentado contribuir para a superação dessas situações.
Os resultados destas queixas aparecem em relatórios desta instituição até 2009, ano em que se deu por encerrada a linha SOS Professor, por se achar que a linha tinha, até então, cumprido o seu papel - alertar o poder político e a sociedade para os acontecimentos estranhos que ocorriam nas escolas.
E: Que pode ser feito para tentar evitar esses casos?
PC: Prevenção, sensibilização e formação. Encontros com as associações de pais, pais e encarregados de educação, com equipas multidisciplinares a fim de permitir uma articulação adequada entre os diferentes atores. Claro que para isso serão necessários recursos humanos e, neste momento, as escolas estão desfalcadas, nomeadamente de psicólogos, o que complica todo um trabalho a desenvolver.
E: A educação sofrerá um significativo corte orçamental em 2012. A qualidade do ensino poderá sofrer com essa contenção?
PC: Em termos de qualidade da parte dos docentes, não. Digo um não perentório, na medida que os docentes sabem qual é o seu papel, a sua responsabilidade e a sua missão.
E: Acredita, como disse Nuno Crato, que é possível fazer mais com menos?
PC: Se falarmos na falta de recursos, claro que é impossível. Mas se falarmos em menos burocracia e mais confiança no trabalho dos professores, no seu desempenho docente, na sua missão de "ser professor", acredito que sim, que realmente é possível fazer mais, porque o professor sabe o quanto é "insubstituível" na educação.
E: A autorregulação da profissão continua a ser um dos objetivos da ANP?
PC: Sem dúvida, continuamos empenhados na concretização de um código deontológico da profissão, ou seja, a autorregulação da profissão docente. Aliás, na nossa linha editorial temos a publicação do estudo, que foi desenvolvido pelo professor doutor A. Reis Monteiro, do Centro de Investigação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, intitulado "Autorregulação da profissão docente - para cuidar do seu valor e dos seus valores", onde são apresentados os benefícios públicos, políticos, profissionais e pessoais. Remetendo-me apenas aos benefícios profissionais, o que posso afirmar, tomando por referência os países em que ela já existe e as profissões já autorreguladas em Portugal, contribuiu de forma decisiva para elevar o estatuto da profissão, o reforço da sua competência profissional, da sua autonomia, confiabilidade e respeitabilidade na classe e na sociedade.
E: Quais os assuntos que a ANP tem, neste momento, entre mãos?
PC: Preparar um espaço de debate com todos os associados e contar com a participação de todas as organizações profissionais para o incremento da autorregulação. Redigir e aprovar um código ético que possa vir a ser adotado pelos professores.
E: Quais as expectativas com este Ministério da Educação?
PC: Todas. Sobretudo pela forma como tem tentado dirimir alguns problemas "herdados"; como se tem envolvido com toda a comunidade educativa; como tem promovido os debates de proximidade com as escolas.
Penso que este Ministério está a preparar um ensino de futuro, com a preocupação de fornecer as ferramentas adequadas, para os nossos jovens enfrentarem o futuro no mercado de trabalho. Assim, gostaria que a reforma não ficasse só pelo documento apresentado. Espero que o Ministério dedique também a atenção devida à Educação Pré-Escolar e ao 1º Ciclo. Essa atenção deverá ter como foco principal a calendarização da educação pré-escolar e a avaliação das atividades extracurriculares (AEC) numa perspetiva de evitamento da sua "curricularização". Atenção devida à carga letiva dos alunos/crianças, ao número de horas que permanecem nos estabelecimentos de ensino, em que muitas delas ultrapassam um horário de 60 horas por semana, para dar resposta a demandas sociais.
Por outro lado, aguardamos com expectativa documentos orientadores e esclarecedores sobre os percursos escolares alternativos: Educação Especial (EA), os Currículos Alternativos (CA), os Cursos de Educação e Formação (CEF), Cursos de Ensino Profissional (CEP) e por fim os Cursos de Educação e Formação de Adultos (CEFA). Terminado este périplo sobre a reforma curricular, seria de todo valioso que o Ministério da Educação repusesse a confiança nos docentes, e, por último, que realmente a disciplina, o rigor e a dignidade voltem à escola!
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