Jornal Público de 28.02.2012
Oito meses depois de Assunção Cristas ter tomado conta do Ministério da Agricultura, o que mudou no sector que era uma das principais bandeiras do CDS? Perguntando de outra maneira: alguém se lembra de medidas concretas da actual ministra que pudessem sugerir a aplicação de uma nova política agrícola em linha com o que o CDS sempre defendeu na oposição? Por mais minucioso que seja o nosso exercício de memória, só nos ocorre uma: a proibição do uso de gravatas em todos os departamentos do ministério.
O anúncio desta medida valeu algumas primeiras páginas à ministra, mas, em rigor, não significa nada e, pior, é reveladora de uma visão centralista do poder. Se Assunção Cristas conhecesse minimamente o sector, saberia que nas delegações concelhias e distritais do Ministério da Agricultura raramente alguém usa gravata. O adereço é comum, provavelmente, nas cúpulas do ministério, instaladas em Lisboa, cuja grande corte serviçal absorve a maior fatia de recursos e bloqueia toda a actividade agrícola.
Se há ministério que justifica uma profunda reestruturação e mobilidade laboral, é o da Agricultura. Com a transferência de uma parte dos milhares de funcionários que povoam os serviços centrais para as regiões onde há, de facto, actividade agrícola, em paralelo com uma maior descentralização do poder de decisão, o sector seria mais equilibrado, competitivo e estimulante.
Oito meses depois da entrada em funções do actual Governo, a chamada lei de bronze da burocracia continua a fazer o seu caminho, confinando todo o poder em poucos e centralizando as decisões. Apesar da simplificação de muitos procedimentos, com o recurso à via digital, qualquer candidatura a programas de apoio continua a ser um calvário. Um agricultor que apresente um projecto para comprar umas alfaias no valor de poucos milhares de euros tem de esperar mais de um ano entre a apresentação da candidatura e o pagamento dos apoios. E, enquanto a decisão se arrasta pelos gabinetes, vê-se obrigado a avançar com uma parte do dinheiro, incluindo o IVA dos produtos, endividando-se ainda mais.
A burocracia é tanta no Ministério da Agricultura que muitos investidores já estão falidos quando chega a hora de assinarem os contratos e começarem a receber as primeiras verbas. O Proder (Programa de Desenvolvimento Rural), em vez de ser o grande motor de apoio à modernização da agricultura portuguesa e de criação de emprego, transformou-se num verdadeiro monstro burocrático, conduzindo milhares de agricultores ao desespero e ameaçando a viabilidade de muitos investimentos.
Claro que não é isso que os números oficiais dizem. No início deste mês, foi anunciado que o Proder tinha aprovado projectos no valor de 190 milhões de euros, que permitirão criar 3700 postos de trabalho. Mas a realidade é outra. Projectos aprovados não são projectos concretizados. Muitas destas intenções de investimento nunca irão avançar, por causa dos custos que o calvário burocrático e as restrições ao crédito bancário impuseram aos agricultores.
A burocracia é inevitável sempre que em causa estejam financiamentos nacionais e comunitários. Mas há poucos países que levem tão longe o controlo e a desconfiança sobre os agricultores nacionais como o Estado português.
O ministério vê os agricultores como potenciais burlões, sujeitando-os a apertadíssimos sistemas de controlo e, em muitos casos, obrigando-os a pagar antecipadamente os investimentos a que se candidatam. Ora, ter que avançar com o dinheiro que não se tem e ficar ainda submetido ao escrutínio quase pidesco do Estado não só não cria um bom contexto ao investimento como encoraja muitos agricultores a desistir. A agricultura nunca foi tão necessária ao país como hoje, mas nunca como hoje foi tão difícil fazer agricultura, apesar dos apoios que existem.
O garrote burocrático a que os agricultores portugueses estão sujeitos sofreu o maior apertão com Jaime Silva, o titular da pasta no primeiro Governo de José Sócrates, transformado justamente no bombo de festa dos agricultores portugueses e das associações que os representam, em especial da todo-poderosa CAP — Confederação da Agricultura Portuguesa.
Jaime Silva foi um desastre para a agricultura portuguesa. Mas o actual Governo ainda não fez nada que tornasse o sector mais amigável para os agricultores. E também já ninguém ouve a CAP reclamar. Confederação de inspiração burguesa, a CAP era uma espécie de braço técnico do CDS quando este partido estava na oposição.
Agora, com o CDS no Governo, a CAP é o verdadeiro negociador do Estado português em Bruxelas, onde luta por interesses instalados.
Esta inversão de papéis só é possível porque o Ministério da Agricultura nunca foi gerido por uma equipa tão mal preparada como a actual. Basta ver a forma como os dois secretários de Estado, o da Agricultura e o das Florestas e Desenvolvimento Rural, dividiram algumas pastas entre si, para se perceber a incoerência e o vazio que existem. O Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, por exemplo, depende do secretário de Estado das Florestas, o ex-presidente da Câmara de Ponte de Lima Daniel Campelo. Além dos vinhos e das matas, este governante vai passar a coordenar o novo Instituto de Conservação da Natureza. Porém, todos os parques e reservas naturais vão depender localmente dos directores regionais de Agricultura, que respondem hierarquicamente perante o secretário de Estado da Agricultura, José Diogo Albuquerque.
Confuso? Tem razão para isso, mas foi ao que chegámos nestes oito meses de consulado de Assunção Cristas. E, no entanto, a simpática ministra continua a viver em estado de graça.
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