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Manuel Beninger

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Europa das regiões – o caso espanhol


Mais uma vez nos socorremos de Camões, seguindo o roteiro europeu logo no pórtico do canto III:
Eis aqui se descobre a nobre Espanha
Como cabeça ali da Europa toda
Em cujo senhorio e glória estranha
Muitas voltas tem dado a fatal roda;
Mas, nunca poderá com força ou manha
A fortuna inqueita pôr-lhe nada
Que lha não tire o esforço ou ousadia
Dos belicosos peitos que em si cria

Com Tingitânia entesta e ali parece
Que quer fechar o Mar Mediterrâneo
Onde o sabido estreito se enobrece
Com extremo trabalho do Tebano
Com nações diferentes se engrandece
Cercadas com as ondas do Oceano
Todas de tal nobreza tal valor
Que cada qual cuida que é melhor.

Tem o Terragonê que se fez claro
Sujeitando Penélope inquieta
O Navarro, as Atú-irias que reparo
Já foram contra a gente Maometa
Tem o Galego cauto e o grande Ebraro
Castelhanoa quem fez o seu Planeta
Restituidor da Espanha e Senhoras e senhores:
Bétis, Granada com Castela

Esta desabada mescla de povos, coexistindo sob a mesma soberania, não passa desapercebida a nenhurn dos muitos estudiosos que se tem debruçado sobre o caso.
Fidelino de Figueiredo, por exemplo, fala-nos das duas Espanhas. A sua obra, todavia, mais do que o exame em cada momento histórico, reflecte ciclos alternativos. A um período em que o ideal é unidade e terá encontrado sob os Astúrias e Franco a sua mais perfeita concretização, contrapõe-se outra em que a regra será a tendência para a dissiparidade ou, no mínimo, para o reconhecimento das mais plenas autonomias regionais.
A parte final da Primeira Republica, com governos em Barcelona, Valencia. Bilbau… simbolizava, por oposição, o periodo de retorno ao pré Fernando e Isabel.
Joan Sauret que foi secretário-geral da Esquerda Republicana, recordou em entrevista à portuguesa Lay Rolim os perigos do separatismo e até de um mal entendido federalismo.
E, todavia, trata-se de personalidade marcadamente de esquerda e que pelas suas ideias sofreu a prisão e o exílio e quase por milagre escapou aos campos da morte em Dachau.
Tendo pertencido às Juventudes Nacionalistas Catalãs em 1930, e sendo alto dignatário da esquerda ao tempo da vitória franquista, teve de exilar-se para França e sofrer as contingências da invasão hitleriana, com a consequente ocupação da maior parte deste país e a subordinação aos alemães da restante. Mas, para ele, o separatismo só terá tido justificação moral nos últimos tempos da monarquia e depois no consulado de Franco.
É que, no contexto espanhol revela-se extraordinariamente dificil obter soluções de carácter autonómico. Só circunstâncias muito especiais de privação de liberdades farão com que os povos se vejam de certo modo forçados a aceder à autonomia.
Sera preferível e desejavel, isso sim, o federalismo. Mas até este só se mostrará aceitável desde que catalães, bascos e galegos não julguem ser os únicos povos em Espanha com direito a leis próprias.
É certo que são aqueles três os que histórica e sociologicamente mais justificariam a posição. Mas não pode esquecer-se que Granada só foi absorvida em finais do século quinze; ou que houve reis e princípes em várias outras regiões: Valência, Baleares, Sobrabre, Gipuscos…
Com enfraquecimento do poder central, logo nos primeiros anos da República é que começaram as últimas grandes reivindicações autonómicas.
A Catalunha viu o seu Estatuta votado e aprovado logo nas Cortes de 1932; durante a Guerra Civil obtiveram os bascos o seu, tal como, de resto, os galegos. Mas a coexistência entre todos esses elementos e os demais, referenciados, aliás, por Camões nas estrofes com que inicíamos esta crónica, nunca se mostrou fácil. Alguém tinha de mandar, depois da unificação.
O centralismo não se impôs a não ser na medida em que a periferia o consentiu.
Ortega Y Gassett in «Espanha Invertebrada» não se coibiu de escrever:
Se a Catalunha e as Cascongadas tivessem sido aquelas raças indómitas que agora imaginam ser teriam dado uma terrível resposta a Castela quando esta começou a ser parlicularista, isto é, quando deixou de contar devidamente com ela. E esse abalo talvez tivesse despertado as antigas virtudes do centro e não se teria caído certamente na duradoura modorra de idiotice e de egoísmo que caracteriza os últimos trezentos anos da História espanhola, os que afinal se seguiram ao despotismo dos Áustrias.
Para o grande pensador, a quem terá de dar-se o desconto de ser ele próprio castelhano, o centralismo, palissiana verdade, só triunfou porque as populacões das orlas marítimas, a norte, ocaso, sul e levante das fronteiras pirinaica ou lusa, não tiveram força e discernimento para se lhe oporem.
Aliás, os movimentos de pessoas, de grandes massas ou mesmo só de individuos desgarrados, reforçam a tendencia para o centralismo e a redução das autonomias.
Não deverá esquecer-se, por exemplo, que os dois maiores centralizadores do nosso século, foram Primo de Rivera, marquês de Estela e Francisco Franco, um galego de Ferrol.
Até a portuguesíssima terra de Olivença, por tudo quanto hoje nela conta é governada de Madrid, embora por oliventinos que nascidos embora na velha cidade, só a ela se deslocam em ocasiões de cerimónia.
Como se vê, a Espanha não constitui, nunca constituíu, aliás, uma só nação.
Voltando a citar Camões, lembraremos antes que:
Com nações diferentes se engrandece
Todas de tal nobreza e tal valor
Que qualquer delas cuida que é melhor…

«Politique d’ Abbord – Reflexões de um Politólogo», opinião de Manuel Leal Freire

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