A implantação do
regime republicano em 1910 provocou um autêntico êxodo sobretudo no Minho e em
Trás-os-Montes. Descontentes com a nova ordem política, numerosos minhotos
seguiram para a vizinha Galiza onde enfileiraram as hostes do comandante Paiva
Couceiro que preconizavam a restauração da monarquia.
Visivelmente
preocupados com tal situação, os republicanos procuraram adotar medidas que
impedissem essa migração em
massa. Com esse propósito, o deputado Álvaro Castro
apresentou na sessão de 21 de julho de 1911 da Assembleia Nacional Constituinte
uma proposta “no sentido de banir do territorio português todos os individuos
que attentarem, attentem ou venham a attentar contra as instituições e se
encontrem em territorio estrangeiro; de se criar um tribunal para julgamento
rapido dos conspiradores que se encontrem em territorio português e de se
autorizar os Ministros do Estado a demittirem os funccionarios, sob a sua
dependencia, implicados em movimentos contra a Republica”.
Alguns
deputados debateram a referida proposta, entre os quais Sousa Fernandes do qual
transcrevemos a sua intervenção.
O Sr. Sousa Fernandes: - Sr. Presidente, eu podia
deixar de tomar a palavra nesta altura da discussão, por isso que o assunto se
acha por demais esclarecido. Entretanto, na minha qualidade de representante do
circulo n.° 3, eu tenho obrigação de entrar neste debate.
Sr.
Presidente, quando ouvi ler a proposta do Sr. Álvaro de Castro fui um dos
primeiros que se levantaram a applaudi-la.
Pertenço á
provincia do Minho, uma das que mais tem sido prejudicadas pelos maus
patriotas, e foi devido a isso que o meu primeiro impulso foi approvar a
proposta de S. Exa.
Sr.
Presidente, sei que muitos habitantes das provincias do Minho e Trás-os-Montes
abandonaram as suas terras e atravessaram a fronteira para se juntarem a
estrangeiros e attentarem contra a integridade da nossa patria e sei, pela
propria experiência, as enormes difficuldades com que as autoridades do norte
do país teem lutado para reprimir esta criminosa tendência. Fala-se ahi na
necessidade que temos de não imitar Governos oppressores que tanto nos perseguiram
quando procuravamos implantar em Portugal o regime republicano.
Mas nem eu
desejo em absoluto que tal imitação se dê, nem me parece que a nossa situação
de hoje se possa comparar á d'esses dias ominosos que já pertencem á Historia.
Este
momento, Sr. Presidente, é para nós um momento historico excepcional e
extraordinario, um momento em que, como muito bem disse o Sr. João de Menezes,
temos de defender o que hontem criámos, e envidar todos os esforços para
garantir no novo estado de cousas mais harmónico com os nossos interesses, com
o nosso progresso e com a nossa dignidade.
A nossa
tarefa é uma tarefa de patriotismo, emquanto que a dos nossos adversarios de
hontem era uma obra de tyrannia, de desmoralização e injustiça.
Quando nós
tratavamos de fazer a nossa propaganda, estabelecemos sempre a nossa luta no
terreno em que os nossos adversarios nos podiam combater, e a acção das leis do
nosso país e a violência dos nossos maus Governos nos podiam attingir.
Nunca fomos
para país estranho conspirar contra a monarchia portuguesa; isso nunca.
Não tem sido
esta, Sr. Presidente, a conducta dos tristes restos de apaniguados que a
monarchia brigantina nos deixou em Portugal. Nas provincias do Minho e
Trás-os-Montes, nestas sobretudo, elles soccorreram-se de um exodo inexplicavel
para deixarem a sua patria quando ninguem os perseguia, ninguem os ameaçava,
ninguem pretendia molestá-los.
No primeiro
momento todos suppusemos que elles fugiam acicatados pelo medo, corridos pela
propria pusilaminidade.
Vimos depois
que não era só isto: fugiam por poltrões em parte, mas em outra grande parte
por perversos! Não era só a abjecção da cobardia que os levava a abandonar a
terra em que nasceram e sentiam alma para trair: era tambem a tendencia da
infamia que os impellia para terra alheia a fazer causa commum com a jesuitada
estrangeira contra a sua propria patria e os seus proprios patricios! Que
differença, pois, Sr. Presidente, entre nós que fomos revolucionarios de hontem
e estes miseros que são hoje simplesmente traidores!
Então não é
preciso castigo para semelhante gente? E e foi por isso que eu prestes applaudi
a proposta em discussão.
Noto que
alguns dos Srs. Deputados que me precederam na tribuna se deixam levar muito
pela decantada brandura dos nossos costumes. E mau isto.
Recordemos
que foi um excesso de sentimentalismo semelhante que era 1080 permittiu a venda
da patria, só resgatada 60 annos mais tarde por uma geração cheia de heroica
energia; relembremos que foi esse mesmo sentimentalismo que comprometteu a paz
da republica brasileira, tornando necessaria, a poucos meses do seu advento,
aquella sangrenta repressão de que Floriano Peixoto se soccorreu.
E necessario
acompanhar a par e passo todos aquelles que, divorciados de nós, conspiram
cobardemente contra a integridade do país, e castigá-los com a severidade que o
seu crime reclama.
Mas desde
que os Srs. Ministros dos Estrangeiros e do Interior dizem que ha dentro do
direito commum meios de exercer tal punição, eu não ponho duvida em esperar e
acceitar as modificações que se aconselham para a proposta do Sr. Alvaro de
Castro.
Foi por tudo
isto, Sr. Presidente, que eu me levantei, como meio de justificar o meu voto; e
agora, extremadas as razões da minha situação em relação á proposta que se
discute, sinto-me conformado com as promessas dos dois illustres membros do
Governo. Conformo-me com ellas e com a boa vontade que S. Exas. mostram em
castigar os que erram.
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