Mudar o regime Servir Portugal

Manuel Beninger

sexta-feira, 4 de dezembro de 1992

MAASTRICHT - DE SURPRESA EM SURPRESA...; Artigo de Opinião de Manuel Beninger

Jornal "Semanário Minho"

MAASTRICHT - DE SURPRESA EM SURPRESA...
Chegou-me às mãos um exemplar do boletim "Info-Europa" editada em Setembro de 1992 pelos socialista portugueses do Parlamento Europeu. Esta edição é integralmente preenchida com uma descrição e resumo comentado do tratado da União Europeia / Maastricht.

Já tinha lido o Tratado própriamente dito: impenetrável!...

Esta apresentação comentada é útil, mas não deixa de ser hermética - aquele género de texto que, para se perceber alguma coisa, tem de se ir lendo e relendo, anotando, sublinhando, voltando atrás, ver mais à frente, estar atento...

Lido e relido, deixou-me a sensação de que o Tratado está cheio de... surpresas...

Vejamos algumas delas, que muito me inquietam.
O tão falado "princípio da subsidiariedade" tem sido apresentado como a panaceia que impedirá a evolução da União Política para uma federação de Estados diminuídos nas suas respectivas soberanias. Ultimamente apresentado com a nova designação de "principio de proximidade", estabelece que a Comunidade só intervirá em assuntos que não possam ser suficientemente resolvidos pelos estados - membros.

Isto seria sem dúvida bom para o fortalecimento da boa colaboração entre os estados, na medida em que preservaria as respectivas soberanias. Mas para isso seria necessário que tal princípio fosse muito claramente estabelecido caso a caso por decisão unânime, sendo então categórico e vinculativo - e fundamentalmente importaria que a sua aplicação fosse sistematicamente fiscalizada por uma instituição independente ou para tal legitimada.

Ora, parece que não é isso que o Tratado preconiza.

O boletim a que me refiro, ao apresentar o princípio da subsidiariedade (pag. 8), conclui que, de acordo com tal princípio, "a acção da comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do presente Tratado.

Procurando saber quais as garantias de que "o necessário não será excedido", fui estudar as competências das diversas instituições comunitárias, designadamente as do Tribunal de Justiça e as do Parlamento - onde naturalmente deveriam residir tais garantias.

Primeira surpresa. na apresentação das "Disposições Finais" do Tratado (Título VII, art.ºs L e S), é estabelecido que o Tribunal não tem competência para política externa e de segurança comum (PESC).

E o Parlamento Europeu?

Outra surpresa: de acordo com a descrição dos mecanismos de intervenção do PE (pag. 18 e 19), também este órgão, eleito pelos cidadãos, não tem competência nesta matéria. Ela não consta da lista dos assuntos obrigatoriamente sujeitos a parecer do Parlamento (que já vinham dos anteriores Acordos) e continua a não constar da lista dos assuntos que legalmente terão de passar pelo novo processo de "co-decisão" (novo mecanismo criado alegadamente para "reforçar o poder do PE na adopção de actos comunitários").

Ora, logo de entrada (Título I, art.º B), o Tratado define os seus objectivos, entre os que se conta precisamente a referida PESC.

Assim sendo, temos aqui um objectivo do Tratado relativamente ao qual os organismos executivos da Comunidade poderão eventualmente agir sem que qualquer instituição independente ou legitimada nos garanta que "o necessário para o atingir não será excedido".

Eis uma matéria em que a subsidiariedade não se apresenta clara, nem categórica, nem vinculativa - nem a sua aplicação fiscalizadora.

E que matéria esta!
Detenhamo-nos na análise desta Política Externa e de Segurança Comum - PESC.

No boletim em apreço, ao descrever-se a estrutura do Tratado, ficamos a saber que ela é particularmente complexa "devido à ausência de consenso político para integrar no quadro comunitário a PESC" (pag. 4).

Contudo, e surpreendentemente, apesar dessa alegada ausência de consenso político, a PESC aparece como um dos objectivos do Tratado, bem como um dos seus pontos centrais (pag. 21). De acordo com o art.º J4, a PESC poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum. A PESC dá à Europa "a personalidade política que sempre lhe faltou e a possibilidade de se exprimir nos assuntos internacionais como uma verdadeira potência, criando a prazo um verdadeiro sistema de defesa capaz de uma intervenção militar"!! (pag. 22).

Para onde não havia consenso é obra!

Entretanto, nova surpresa: estranhamente, apesar da falta de consenso (unanimidade) original, o art.º J4 introduz desde já no domínio das acções da PESC o processo de decisão por maioria qualificada.

O mecanismo para chegar à decisão por maioria (pag. 22) é, no mínimo, subtil: "O Conselho de Ministros determina por unanimidade quais os domínios em que as decisões poderão ser objecto de uma acção comum..." - (por ex.: uma intervenção militar fora do espaço dos 12 ?) - "...podendo em qualquer fase do seu desenvolvimento..." - (uma vez a intervenção militar desencadeada ?) - "...determinar quais os domínios em que as decisões serão tomadas por maioria qualificada." - (a decisão de enviar soldados portugueses para o teatro de guerra pode ser imposta apesar do eventual voto negativo do representante português ?)