É um número robusto: o homem que foi pioneiro nas questões ambientais do
Portugal democrático faz 90 anos. Em conversa com a Renascença, Gonçalo Ribeiro
Telles viaja por uma vida longa, num exercício em que as convicções são
sustentadas com humor.
Aos 90 anos, Gonçalo Ribeiro Telles mantém a língua afiada e um olhar
cada vez mais crítico em relação ao que se vai fazendo pelo país. E responde
com muitas perguntas.
- O que é o ambiente?
A pergunta vai sendo repetida pelo próprio ao longo de uma conversa
sobre o seu legado, registada junto ao jardim que projectou com Vianna Barreto
para a sede da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.
- O ambiente é uma consequência da recriação de determinados valores e
até da construção do desenho do homem para tirar mais partido desses valores.
Nascido numa família de despachantes, apaixonou-se pelo campo por
considerar que partilhava interesses com as pessoas do mundo rural. Militou na
Juventude Agrária Católica e tornou-se um fervoroso defensor da união entre
campo e cidade. Politicamente, situou-se na oposição monárquica ao Estado Novo,
como lembrou à Renascença numa entrevista concedida em Dezembro.
- Eu era socialmente tolerado pelo Estado Novo porque não era
‘pobrezinho’. Não era operário, estudava e vinha de famílias consistentes. Tudo
isso era uma carta.
Em 1969, foi candidato pela Comissão Eleitoral de Unidade Democrática,
levado pela possibilidade de servir em qualquer coisa que não era ainda o que
desejava em todas as formas. Diz não ter tido ilusões com o marcelismo, mas
esperava mais cedo um qualquer 25 de Abril.
O café e as conversas à volta
Quando a democracia chegou, a República chamou o monárquico Ribeiro
Telles. Gonçalo Ribeiro Telles foi secretário de Estado do Ambiente nos três
primeiros Governos provisórios, liderados por Palma Carlos e Vasco Gonçalves.
- Eu tinha estado sempre na oposição ao Estado Novo. Nos primeiros
Governos provisórios havia muita gente que não tinha estado, que apareceu nessa
altura. Eu tinha aparecido antes. Portanto, o Melo Antunes, o Correia da Cunha,
todos me conheciam. E chamaram-me. Não me espantou o convite para integrar o
primeiro Governo provisório. Conhecia aquelas pessoas todas. Tinha falado com
elas no café! O café e as conversas à volta são um factor fundamental na minha
vida.
Ribeiro Telles foi muitas vezes chamado ao conselho de ministros por
José Augusto Fernandes. Era o seu ministro e precisava de apoio técnico e
jurídico nas turbulentas reuniões de Governo no Processo Revolucionário em
Curso (PREC).
- Quando se começava a falar do problema do território, eu começava a
‘soprar’ ao ministro Fernandes sobre problemas da ruralidade, as sebes e assim
umas coisas… Nessa altura, há um ministro, que eu não digo quem é, que disse
‘lá está este fulano a atirar coisinhas para cima da mesa que não interessam
nada’. (risos)
Mais tarde, como líder do Partido Popular Monárquico (PPM), faria a
aliança democrática com o PSD de Sá Carneiro e o CDS de Freitas do Amaral. Do
início dos anos 80 ficou a criação de duas figuras essenciais de ordenamento do
território.
- Fiz leis para proteger o potencial agrícola - reserva agrícola
nacional - e a sustentabilidade física do país - reserva ecológica nacional.
Tive muitos aliados. Fui um bocado atrevido. Quem esteve comigo no Governo
estava cheio de boa vontade. A concretização das leis que eles apoiavam é que
não teve apoio suficiente.
Uma democracia em monarquia
Gonçalo Ribeiro Telles fez centenas de projectos na área profissional
que abraçou. É um reconhecido arquitecto paisagista, discípulo directo de
Caldeira Cabral. Adepto do trabalho em equipa, desenhou o Jardim Amália
Rodrigues e os citados jardins da Gulbenkian. Esteve na concepção do plano verde
de Lisboa. Tornou-se professor catedrático da Universidade de Évora na sua
disciplina de sempre.
- Esta é uma arquitectura da paisagem e não da edificação. É uma
arquitectura onde o fundamento é a vida. Esta escola da arquitectura paisagista
vem da Alemanha. Tive a grande vantagem de ter três ou quatro professores
extraordinários. De ir para o curso que me interessava e através desse curso
passar a conhecer a Europa. Não eram os grandes museus, nem os grandes bares. A
parte que me interessava era a ruralidade.
Ribeiro Telles apoiou José Sá Fernandes para a Câmara de Lisboa e foi
ele mesmo candidato pelo Movimento Partido da Terra, que fundou na sequência de
divergências com o rumo do PPM. Fechou a sua carreira política como um defensor
de uma democracia em monarquia.
- Para mim, não há uma democracia possível na Europa, principalmente em
países históricos, sem haver uma estrutura permanente. E uma estrutura
permanente não pode ser dada por eleições e vontades momentâneas. Tem de haver
um consenso histórico e um consenso social. Por isso é que eu também sou
monárquico. Eu fui monárquico num Governo republicano e estava a praticar um
serviço ao país e à República. E não deixava de ser monárquico por causa disso,
antes pelo contrário.
Gonçalo Ribeiro Telles faz hoje noventa anos. E continua a defender, com
paixão e humor, as suas convicções de sempre.
Meu amigo Manuel Beninger
ResponderEliminarSe o Arq. Ribeiro Teles tivesse servido a Monarquia como monárquico, já estava Restaurada há muito tempo. Mas não, preferem servir este regime sanguinário que está velho, podre, corrupto, gasto e desbotado.
O mal é esse, e ainda está para nascer o grande lider que nos irá ajudar.
São todos "grandes monárquicos" e a Monarquia? Onde está ela?
Abraço
Cara amiga Maria Menezes,
EliminarConcordo inteiramente consigo. O título de facto foi um tanto ou quanto infeliz. Mea culpa. Como tal, achei por bem actualiza-lo. Ficará: "Ribeiro Telles - O monárquico que serviu Portugal e não a República"